Alto aí, amigo, por favor não dispare! A expressão não é minha. Aparece entre aspas no texto duma conferência que ouvi a Rossano Sala, mas tem a sua graça e sentido. É sabedoria de farmácia italiana, em comprimido. Trazer esta expressão à baila, aqui e agora, espero que não desague em escândalo ‘pusilorum’ ou ‘phariseorum’, vindo alguém dizer-me que perdi uma grande oportunidade para estar calado! Paciência!…

A Bíblia diz-nos que há tempo para tudo. Também para tocar, cantar, bailar e rir, pois até no bater de asas de uma avestruz há alegria. O coração alegre aformoseia o rosto, diz-se por lá. Estudos sobre o humor no Antigo e Novo Testamento relatam que Deus até cria expressões que raspam o absurdo só para denunciar certas atitudes e situações ridículas de quem se julga muito sábio e sabido. Alguns salmos falam do riso de Deus, zombando. Sara confessa que Deus a fez rir. Riu de incredulidade porque não queria acreditar. Riu de espanto porque aconteceu o que lhe parecia um disparate sem igual. Na vida de Jesus também há muitas cenas que fazem rir, Ele é fonte de alegria. Muitas das reações de espanto ou de fúria de quem presencia o que Ele diz e faz são mesmo dignas de fazer ecoar umas gargalhadas bem sonoras. Ele veio para que tivéssemos a alegria, e a nossa alegria fosse completa.

Chesterton afirmava que o humor corresponde à virtude humana da humildade e é mais divino porque, pelo menos por uns instantes, tem uma perceção maior dos mistérios. São Tomás Moro rezava-se assim: “…Dai-me, Senhor, o sentido do bom humor. Dai-me a graça de compreender uma piada, uma brincadeira, para conseguir um pouco de felicidade e para dá-la de presente aos outros”. O Papa Francisco diz que “o santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor”. Bento XVI, ao escrever sobre a alegria, afirmou que onde falta a alegria, onde morre o humor, ali não está nem sequer o Espírito de Cristo. Para Jacques Maritain, uma sociedade que perde o sentido do humor prepara o seu próprio enterro.

Deve ser para contrariar essa possibilidade do funeral lusitano que alguns líderes políticos da nossa praça reconhecem humor refinado nos disparates que os outros vão fazendo ecoar. O povo tem mesmo razão: um santo triste é um triste santo. Mas cuidado, se tristezas não pagam dívidas, podem complicar a vida, ou não tanto, como, aliás, aconteceu com os protagonistas do filme brasileiro de 1944 com esse título.

Quem tem e provoca humor, não quer dizer que esteja a fazer crítica negativa e tonta contra alguém ou alguma coisa. Não quer dizer que esteja a puxar para trás ou a espernear contra a comunhão eclesial de forma descabelada. Seria mesmo humor de alto gabarito se nos ambientes mais seráficos ou ‘ai Jesus’ o viessem a considerar de herético. É evidente que não estamos a falar do pretenso humor ou do humor forçado, daquele humor que é rude e brejeiro, que humilha, escandaliza e destrói. Falamos do humor inteligente, do bom humor, do humor que edifica e dispõe bem, que não ofende e até quebra o gelo relacional. Embora esse dom não se possa comprar nem ande por aí muito a cotio, há sempre quem esteja atento e saiba tirar partido donde menos se espera, com piada.

Ora, a expressão em título, ‘Pastoral de bilhar’, está num contexto que cita documentos e iniciativas pastorais em catadupa, provenientes de cima, do lado, de baixo, de todos os cantos até lhe chegar com o dedo. A expressão surge aí a insinuar que é difícil ter pedalada para acompanhar tanta coisa em ritmo tão rápido, correndo o risco de fazermos da pastoral uma pastoral de bilhar. Isto é, uma pastoral em que uma iniciativa ou documento mete o anterior no buraco, sem somar pontos, sem saborear a sua receção ou celebração. E mesmo que se meta a mão na caçapa e se traga de novo o dito cujo à mesa do jogo, o taco da vontade logo o encaçapa de novo. Esta abundância de coisas, por um lado é positiva, sacode, forma, desafia, faz com que ninguém adormeça. Por outro lado, acaba por girar uma certa fadiga amarga em muitas pessoas e comunidades, baralhadas por não conseguirem levar à letra, e ao ritmo desejado, o que se propõe. Mesmo que haja sempre quem prefira ficar à janela a ver os outros a partir, quase todos desejam correr em pelotão, na esperança dum sprint final em jeito sinodal e da coroa láurea para todos. Mas, atentos ao que se vê, diz e ouve por estes meios despovoados, dificilmente temos pessoas com idade, formação, entusiasmo e empenho para abraçar tudo quanto chega em documentos e possam provocar, com a sua receção e entusiasmo, uma forma diferente de estar em consonância com os objetivos propostos. Com tanta abundância de desafios e não menos pressa na resposta existencial, resposta pessoal e comunitária, com certeza que muitos se desunharão, e bem, é verdade. A maioria, porém, dadas as circunstâncias apontadas de uns e as ocupações de outros que nem tempo lhes sobra para viverem calma e serenamente,  haverá muita dificuldade em conseguir qualquer processo ou percurso prático que, de facto, forme e faça crescer, mudando e transformando. Com notável peso nesta situação, estão ainda os efeitos da pandemia que afastou uns, fez desistir outros e deu pretexto a muitos para abandonarem o empenho e a colaboração que prestavam.

Mas siga a marcha, isto está mesmo a mudar. O que é é e o que deve ser será. Deus não dorme e o Espírito Santo não está acorrentado. Sempre desejamos permanecer na escuta e perceber o que Ele nos quer dizer. O Santo Padre, desde que assumiu o sólio pontifício, é o primeiro nessa escuta e a esticar a corda. Como nos aconselha a fazer, ora vai à frente a puxar, ora vai atrás a empurrar, ora vai ao lado a animar, ora se senta ao lado a apreciar o desempenho, ora, qual treinador experimentado, bate na muche a puxar para que todos, em equipa, deem mais dinâmica e beleza ao jogo, mesmo que haja quem se arvore em árbitro para mandar terminar o desafio e recolher à sacristia.

Haja alegria na responsabilidade. Saibamos acompanhar, viver e fazer, sempre abertos ao que é diferente e às surpresas de Deus. O 2º Secretário-Geral das Nações Unidas, Dag, sueco, falecido em 1961 em acidente aéreo mal esclarecido, e sobre o qual John Kennedy disse ser "o maior estadista do nosso século", escreveu assim: "Quando nasceste, todos riam, só tu choravas. Vive de maneira tal que, quando morreres, todos chorem e só tu não tenhas lágrimas para verter".

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 04-02-2022.

 

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