Ofereceram-me em tempos uma chave feita porta-chaves. A delicadeza para com quem ma ofereceu levou-me a perguntar o porquê desse preparo e qual o seu significado. A resposta não se fez tardar. Se não me explicaram tudo, tintim por tintim, o que é certo é que não permitiram que a culpa morresse solteira, pois tempo não lhes faltou para atirar com todas as culpas para cima de Maria Domingas Mazzarello, fundadora que foi, com São João Bosco e sob o seu carisma, das Filhas de Maria Auxiliadora.
Ó feliz culpa!…
Porque sabia que os grandes obras não dependem apenas do mérito humano, mas precisam de ser impulsionadas e abençoadas por Deus, esta senhora Mazzarello, que sempre buscou servir a Deus na execução dos projetos que sonhava e servia, no fim de cada dia ia colocar a chave da Instituição aos pés da imagem de Maria Auxiliadora, como que a significar-lhe a sua gratidão pelo dia que acabava – com êxitos e menos êxitos, com certeza -, e a pedir-lhe auxílio para ultrapassar as dificuldades que, no dia seguinte, iria sentir no gerir da Instituição e no desempenho da sua missão em prol daquela juventude que era a menina dos seus olhos. Para fazer memória deste gesto tão simples quão significativo, e tornar presente a sua devoção a Maria Auxiliadora e a dedicação à juventude, as suas Irmãs de religião sonharam uma chave-porta-chaves, tendo, na cabeça da chave, de um lado a imagem de Maria Auxiliadora, do outro, Maria Mazzarello. Se esse não é, fielmente, o pleno significado, peço desculpa, mas foi assim que entendi a explicação que me foi dada pelas Irmãs salesianas da comunidade religiosa presente na Chainça, em Abrantes, uma grata presença entre nós, também ao serviço sobretudo das pessoas jovens.
Se incluir a proteção divina nos projetos ao serviço do bem comum é próprio de pessoas crentes e humildes que sentem a alegria de viver para Deus e para os outros, não por medo ou obrigação, mas por amor, também Deus se serve de pessoas assim para lhes inspirar e confiar grandes projetos. Este discernir a vontade de Deus e adaptar-se a essa vontade, move a vida com determinação e alegria, torna-se fundamental para o sucesso de qualquer projeto, sobretudo educativo.
Está a começar um novo ano letivo que se quer com qualidade. Tê-la-á se, de facto, existir nos professores/educadores uma dedicação apaixonada e total à promoção integral de cada pessoa jovem, semeando neles conhecimento, curiosidade em saber, alegria e esperança, mesmo perante as dificuldades que a vida lhes venha a oferecer. Fazer crer e sentir a cada pessoa jovem que é amada, que é excelente, que é admirável, que é única, só se pode fazer com afeto, com amizade, com calor humano e delicadeza espiritual, gerando empatia pela atenção que naturalmente se lhes dá e eles natural e gratamente reconhecem. Sabemos que a função do professor, sobretudo nas escolas públicas, é ensinar o que há a ensinar, academicamente falando, e bem, é a sua obrigação. No entanto, acho que há coisas inseparáveis. O professor também é educador/formador, não tanto pela palavra que até pode não ser devida, nem oportuna, nem conveniente. Se o fizer, até pode ser tido como alguém que está a meter o nariz onde não é chamado e a passar para além do que é o seu dever e missão. Mas é educador, sim. Educa quando o seu modo de ser e estar é testemunho e transmite valores, quando forma para o bem e para o cumprimento do dever, quando é feliz e transmite que a vida é bela, que deve ser vivida com alegria, em tom de festa. Como representante e colaborador dos pais, serve com amor de bom pai, amando e servindo com paciência e capacidade de persuasão, com compaixão no presente e esperança no futuro. Assim, nada de auto-banalidade da sua pessoa, “nada de agitação de ânimo, nada de desprezo no olhar, nada de injúrias nos lábios”, nada duma “tempestade de palavras, que só fazem mal a quem as ouve e de nenhum proveito servem para quem as merece”, nada que manifeste apenas autoridade, nada que possa dar aparência de dominador ou de que está a descarregar o seu mau humor, nada de ímpetos de emoção repentina. Sempre foi mais fácil “encolerizar-se do que ter paciência, ameaçar uma criança do que persuadi-la”. É “mais cómodo, para a nossa impaciência e para a nossa soberba, castigar os recalcitrantes do que corrigi-los, suportando-os com firmeza e benignidade”.
Como Jesus, que veio para servir e amar, devemos sentir-nos envergonhados de tudo quanto “possa dar a aparência de dominadores”, pois, “se algum domínio exercemos sobre eles (os jovens), há de ser apenas para os servir melhor. Assim fazia Jesus com os seus Apóstolos, tolerando-os na sua ignorância e rudeza, e inclusivamente na sua pouca fidelidade; era tal a familiaridade e afeição com que tratava os pecadores que a alguns causava espanto, a outros escândalo, e em muitos infundia a esperança de receber o perdão de Deus; por isso nos ordenou que aprendêssemos d’Ele a ser mansos e humildes de coração”.
A todos os professores/educadores desejamos um bom ano escolar, apreciamos a sua nobre missão. E, sobretudo aos crentes, aconselhamos a que não se esqueçam de colocar, se não uma chave, uma outra 'coisinha' aos pés da Senhora, a agradecer, todos os dias, o dia de hoje, nos seus êxitos e dificuldades, e a pedir a sabedoria do Espírito para o novo dia de amanhã entre os jovens e crianças, não esquecendo uma oração por eles, pelos seus alunos.
Tudo o que aqui exprimo faz parte do carisma e dos escritos de São João Bosco e de Maria Domingas Mazzarello, Santa da Igreja Católica. Os jovens precisam de professores/educadores assim! São Francisco Xavier não via com bons olhos quem sabia muito mas não tinha vontade de fazer nada: “Muitas vezes me vem ao pensamento ir aos colégios da Europa, levantando a voz como homem que perdeu o juízo e, principalmente, à Universidade de Paris, falando na Sorbona aos que têm mais letras que vontade para se disporem a frutificar com elas”. Frutificar com o que se aprende é quase sempre fruto do bom testemunho de algum dos professores/formadores, que foi também capaz de forjar a vontade dos seus alunos.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 18-09-2025.