Em horas de aperto, especialmente sob forte ribombar do trovão, com relâmpagos, nuvens negras, granizo e tempestade furibunda, ou nem tanto, não falta quem, com medo do que poderá acontecer, invoque São Jerónimo e Santa Bárbara. Quando alguns dos nossos mais falados e falantes tribunos parlamentares, não sei se em nome deles se do povo, se levantam da sua cátedra de representação nacional, e, inflexíveis e indignados, relampeiam e trovejam forte e estrondosamente sobre pelejas tão exaltadas quanto inglórias, talvez seja excelente ideia ter essa santa e salutar devoção. Implorar a São Jerónimo e a Santa Bárbara, que, pelo menos, aquele auditório que acolhe tantas excelências, embora possa tremelicar com a berraria de alguns, não venha a desabar e a molestar a todos! Por vezes, acompanhar esses trabalhos, faz pular à ideia uma veneranda feira zaragalhada, ruidosa e confusa, com rabugens de negociante a trocar a força serena e convincente do produto a vender, pela força inútil do berreiro, em prejuízo do produto, da sua venda e da própria razão. A este propósito, também me vem à ideia – não sei se aconteceu ontem, se hoje, se nunca, mas presumo que, mesmo que se conte por gracejo, presumo que possa acontecer ainda hoje aqui ou acolá! -, também me vem à ideia a resposta que uma criança teria dado à pergunta sobre que sentido tinha, para ela, o Domingo. Logo responde que, o Domingo, para ela, era o dia em que o pai não trabalhava e o senhor prior ralhava! Não sei se estes dois exemplos elevam ao auge, ao seu zénite, a mais fulgurante aplicação das teorias pavlovianas, mesmo sem caninos por perto: o leitor fará o favor de avaliar e decidir, pois eu ainda não me pus a isso nem me puxa fazê-lo!…ihihihihih…

Mas voltemos ao nosso São Jerónimo, que embora também não fosse fácil de assoar, era, por certo, muito superior a tudo isto e vai ter festa na próxima semana. É Doutor da Igreja, padroeiro de tradutores, arqueólogos, bibliotecários e estudiosos, devido à sua dedicação ao estudo da Sagrada Escritura. No seu saber enciclopédico, revelou-se como filósofo, teólogo, historiador, retórico, gramático, dialético… Com estilo sublime e eloquente, diz quem sabe, era capaz de escrever e pensar em latim, grego e hebraico. Traduziu a Bíblia para latim, ficando conhecida por Vulgata, os Evangelhos, do grego, o Antigo Testamento, do hebraico. Porque o latim era a língua em que a maioria se comunicava, a sua tradução teve grande sucesso na difusão da Sagrada Escritura. Deixou muitos comentários, homilias, cartas, tratados, obras historiográficas e hagiográficas.
Nasceu em território da atual Croácia, por volta de 347, há 1.678 anos, de família cristã e abastada. Completou os seus estudos em Roma. Aqui, deixou-se levar por alguns colegas de vida airada, dando-se à vida mundana. As visitas à sepultura dos mártires e dos apóstolos, nas catacumbas, ajudaram-no a mudar de rumo. Nessas profundas criptas escavadas na terra, com as paredes de ambos os lados preenchidas com corpos de mortos engolidos pela terra, tudo lhe era tão escuro e tétrico que aquele silêncio o aterrorizava e lhe provocava sérias perguntas sobre o mundo dos mortos e a sua própria vida. Tendo seguido a vida contemplativa, fez parte de uma comunidade de ascetas, mas, dececionado por atitudes surgidas naquele ambiente, partiu para o Oriente. Após algum tempo, retornou à sua terra, partindo depois para Antioquia, onde se aperfeiçoou em língua grega. Posteriormente, retirou-se, como eremita, para o deserto de Cálcis, ao sul de Alepo, onde, por quatro anos, se dedicou totalmente ao estudo, aprendendo hebraico e transcrevendo os códigos e escritos dos Padres da Igreja. Foram anos de solidão e de intensa leitura e meditação da Palavra de Deus. Desencantado pelas invetivas dos anacoretas, provocadas pela doutrina ariana, retornou a Antioquia, onde foi ordenado sacerdote, em 379. Tendo-se mudado para Constantinopla, continuou a estudar grego sob a orientação de São Gregório Nazianzeno, até que se dirigiu a Roma para uma reunião convocada pelo Papa Dâmaso. O Santo Padre, que o conhecia pela sua fama de asceta e erudito, escolheu-o para seu Secretário pessoal e Conselheiro, pedindo-lhe trabalho sobre os textos bíblicos em latim. Para o ajudarem, rodeou-se de uma equipa de pessoas com igual gosto pelo estudo das Escrituras e decididas a seguir o caminho da perfeição cristã na vivência da Palavra de Deus. O seu rigor moral, porém, as suas apertadas regras, o seu temperamento impetuoso, as suas polémicas e divergências com os pensantes do tempo, a sua dificuldade em dialogar com os outros e os outros com ele, o tom com que condenava vícios e hipocrisias, fazem com que, depois da morte do Papa Dâmaso, volte para o Oriente. Embarcando com destino à Terra Santa, acompanhado de um grupo de seguidores, homens e mulheres, começa uma peregrinação que o levou ao Egito e, depois, a Belém, onde abriu uma escola, oferecendo os seus ensinamentos, gratuitamente. Graças à generosidade de benfeitores, constrói dois mosteiros, um masculino, outro feminino e uma hospedagem para quem visitava os lugares santos. Em Belém passou o resto da sua vida, dedicando-se à defesa da fé, ao ensino da cultura clássica e cristã, ao acolhimento de peregrinos, à Palavra de Deus. Ele entendia que ignorar as Escrituras era ignorar Cristo, era um prejuízo para os cristãos, pois, viva e eficaz, é a Palavra das Escrituras quem nos revela quem é Deus e quem somos nós em relação a Ele. Ela guia, protege, renova, transforma pensamentos e intenções, forma o coração, faz viver com esperança, mesmo no meio do sofrimento e da incerteza. No seguimento de São Paulo, São Jerónimo, pelo seu exemplo, também exorta cada um de nós, todos nós e cada família, a viver e a permanecer firme naquilo que aprendemos, a proclamar a Palavra, a insistir em tempo propício e fora dele, a convencer, a repreender e a exortar com toda a compreensão e competência, pois toda a Escritura é adequada para ensinar, refutar, corrigir, educar na justiça e no gosto pela perfeição, pelo bem fazer e fazer bem (cf. 2Tim 3,16; 4, 2-4). Será que a Bíblia ou o Youcat de quem me está a ler foi descartada ou vive esquecida, e nem se sabe bem onde é que ela estará?

De quando em vez, São Jerónimo reaparecia com um novo livro, não sem uma certa dureza de linguagem, pois nem tudo quanto via, ouvia e lia lhe parecia muito curial. Faleceu na sua cela, nas proximidades da Gruta da Natividade, em 30 de setembro, possivelmente em 420.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 26-09-2025.

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

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