De 1 de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, a 4 de outubro, Dia da Festa de São Francisco de Assis, vamos viver o “Tempo da Criação”, uma iniciativa ecuménica no seu décimo ano de realização. A Mensagem deste ano foi desenvolvida por Leão XIV, ainda sob o tema sugerido pelo Papa Francisco: “Sementes de Paz e Esperança”.

Estamos mais, muito mais, que alertados, os estudos, as vozes e os documentos não faltam! O cuidar da criação, a justiça ambiental, o escutar com o coração os gritos da Terra e das vítimas das alterações climáticas e das catástrofes ambientais, não são uma tarefa opcional, uma coisa secundária, um falar para não estar calado, um conceito abstrato, um objetivo distante. É um dever, uma obrigação, uma questão de justiça social, económica e antropológica. É uma exigência teológica, tem motivações éticas e espirituais, é também uma questão de fé e de humanidade. Não somos senhores da criação, somos criaturas, não somos seus proprietários ou donos, não somos seus ferozes dominadores, não estamos autorizados a saqueá-la. A natureza não é um instrumento de troca, não é uma mercadoria negociável, não é um campo de batalha a ver quem é que mais, egoisticamente, explora, pilha e usufrui dos seus recursos, penalizando as populações, minando a estabilidade social. Não raro, os interesses encobertos por uma linguagem hipócrita e por um marketing prepotente e abusivo querem fazer crer que tudo é lícito e natural, querem levar a opinião pública a pensar que se trata de puro progresso, de oportunidades económicas e empresariais a não desperdiçar, de promoção humana imperdível em favor dos que hão de vir.

Esta carícia de Deus que é a criação, esta casa comum, este jardim do mundo, este manancial de encanto e reverência, esta continua revelação do divino, esta linguagem do amor de Deus, este maravilhoso livro aberto “cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo”, merece maior atenção e dedicação. Se a ecologia integral for cada vez mais acolhida e partilhada como caminho a seguir, ‘muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança’.

Para que isso aconteça, porém, Leão XIV diz-nos na sua Mensagem que, aliadas à oração, são necessárias vontades e ações concretas, pois, em várias partes do mundo, já é evidente que a nossa terra está a cair na ruína, continuando a aumentar a violação do direito internacional e dos direitos dos povos, o desflorestamento, a poluição, a perda de biodiversidade, os fenómenos naturais extremos, a devastação humana e ecológica provocada pelos conflitos armados. Já São Paulo VI alertava que se “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.

Na Carta Encíclica ‘Laudato Si’ (cf. n.ºs 20-22) lemos que existem formas de poluição que afetam diariamente as pessoas. A exposição aos poluentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras. A isto vem juntar-se a poluição causada pelo transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agrotóxicos em geral. Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrónicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. Esta nossa casa parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo, esta cultura do descarte afeta os próprios seres humanos. Note-se, por exemplo, como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado. Custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os. A resolução desta questão seria uma maneira de contrastar a cultura do descarte que acaba por danificar o planeta inteiro, mas nota-se que os progressos neste sentido são ainda muito escassos’.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 29-08-2025.

 

 

 

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