Convertei-vos a Mim de todo o coração

 

Ao ouvirmos as Leituras, sentimo-nos a inaugurar a Quaresma com um forte apelo à conversão e também com um forte sentimento de esperança no perdão do Senhor, do Senhor que é “clemente e compassivo, paciente e misericordioso”.

“Convertei-vos a Mim de todo o coração”, diz-nos o Ele. De todo o coração, isto é, em toda a nossa interioridade, em todas as nossas virtualidades, na nossa inteligência e na nossa vontade. O Senhor convida-nos a que nos voltemos para Ele, sempre dotado de piedade e ternura, de compreensão e de disposição para nos perdoar. Ele tem entranhas, sentimentos e coração de mãe para connosco, uma bondade de Quem, apesar do nosso pecado, se mantém igual a si próprio, sempre fiel ao Seu amor gratuito, ao Seu dom inicial.

Pela boca do Profeta Joel, o Senhor diz-nos: Rasgai o vosso coração, convertei-vos ao Senhor, tocai a trombeta, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada, reuni o povo, convocai a assembleia, congregai os anciãos, reuni os jovens e as crianças e chorem os ministros do Senhor dizendo: Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo, para que possa cantar sempre os vossos louvores… Desde o mais velho ao de mais tenra idade, ninguém deve ser excluído ou auto excluir-se deste apelo que o Senhor nos faz, por intermédio da Igreja, à vivência deste “tempo favorável”, deste “dia da salvação”, como refere São Paulo.

E São Paulo na segunda leitura, exaltando a grandeza do ministério apostólico em que está investido, não se limita a dar-nos um conselho ou uma sugestão. Ele faz-nos um verdadeiro pedido em nome de Cristo do qual se sente embaixador, e diz-nos: “Irmãos … é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus … Como colaboradores de Deus, nós vos exortamos a que não recebais em vão a Sua graça”.

Poderemos perguntar: mas que sentido faz este apelo tão solene e tão urgente?

Deixemos que seja o Papa Francisco a responder a esta pergunta: “Porque Cristo sabe quanto somos frágeis e pecadores, conhece a debilidade do nosso coração, vê-o ferido pelo mal que cometemos e padecemos; sabe quanta necessidade temos do perdão, sabe que temos necessidade de nos sentirmos amados para fazer o bem. Sozinhos, não somos capazes. Por isso, o Apóstolo não nos pede para fazer algo, mas para nos reconciliarmos com Deus, para lhe permitir que nos perdoe, com confiança, porque “Deus é maior do que o nosso coração” (1 Jo 3, 20) (…) Pode haver alguns obstáculos que fecham as portas do coração.

Há a tentação de blindar as portas, ou seja, de conviver com o próprio pecado, minimizando-o, justificando-se sempre, pensando que não somos piores do que os outros; mas assim fecham-se as trancas da alma e permanecemos fechados dentro, prisioneiros do mal.

Outro obstáculo é a vergonha de abrir a porta secreta do coração. Na realidade, a vergonha é um bom sintoma, porque indica que desejamos separar-nos do mal; no entanto, nunca deve transformar-se em receio ou medo.

E existe uma terceira insídia, a de nos afastarmos da porta: isto acontece quando nos escondemos nas nossas misérias, quando cogitamos continuamente, unindo entre si os aspetos negativos, a ponto de nos afundarmos nos meandros mais obscuros da alma. Então, tornamo-nos até familiares com a tristeza que não queremos, desanimamos e tornamo-nos mais frágeis diante das tentações. Isto acontece porque permanecemos sozinhos connosco mesmos, fechando-nos e evitando a luz; entretanto, só a graça do Senhor nos liberta. Então, deixemo-nos reconciliar, ouçamos Jesus que, a quantos se sentem cansados e oprimidos, diz: “vinde a mim” (Mt 11, 28). Não permaneçamos em nós mesmos, mas vamos ter com Ele! Ali há alívio e paz” (Francisco, 10/2/2016).

Se Deus nos chamou a fazer parte do Seu povo, se Deus nos chamou à Igreja, sentimos necessidade de nos sentirmos povo. Por isso, precisamos de rezar como povo, como comunidade, em comunidade e com a comunidade: somos Igreja. Como Igreja que sou, é na comunidade que cresço na fé e celebro a fé, que esclareço, alimento e vou afinando o meu agir cristão ao jeito de Jesus e com Jesus. É na comunidade que recebo a Palavra de Deus, os ensinamentos de Cristo. É na comunidade que celebro os Sacramentos que me sustentam no caminho, que recebo a graça de Cristo, esse dom gratuito que Deus nos faz da Sua vida, pelo Espírito Santo, para nos curar do pecado e nos santificar. É como Igreja e na Igreja, na comunidade, que eu descubro o exemplo e o estímulo da santidade no testemunho dos que a vivem no presente e na história dos santos que a liturgia celebra em cada dia. Quem se afasta da comunidade terá mais dificuldade em crescer e viver na fé até porque não sente o estímulo e a alegria da caminhada da comunidade da qual se ausentou. É pelo viver inseridos na comunidade que manifestamos o caráter de família e de povo que somos em Cristo, pelo Espírito Santo.

Mas o Evangelho que ouvimos, fala-nos também da necessidade e qualidades da oração individual. Não da oração individualista, mas individual. Quem reza em comunidade, sente-se desafiado a rezar também a sós. Quem reza a sós, sente também a necessidade de rezar em comunidade e com a comunidade. Com a oração a sós, manifestamos a resposta pessoal e intransferível de cada um de nós ao Pai celeste. E sempre o devemos fazer com reta intenção e sincera piedade. É para essas dimensões da oração que o Evangelho acaba de nos chamar a atenção. Rezamos para agradar a Deus e não por ostentação ou para ser aplaudido.

Ponhamo-nos, pois, a caminho neste tempo privilegiado de conversão. Como exortamos na Mensagem que escrevemos e publicamos para esta Quaresma, aceitemos fazer o exercício de leitura da nossa vida a partir dos sinais e atitudes da oração, do jejum e da abstinência, bem como da esmola ou partilha, pois são os sinais dos campos onde é necessário converter a vida para a recentrar em Deus. Assim, evitaremos as patologias que provocam o progressivo arrefecimento da nossa relação com a vida, com os outros, com a própria criação e com Deus.

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Da Renúncia Quaresmal do ano passado resultaram 39.568,51 euros (trinta e nove mil quinhentos e sessenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos) da qual, conforme anunciámos na altura, 25% se destinaram ao Fundo Social Diocesano, gerido pela Direção da Cáritas Diocesana, e 75%, até porque temos entre nós um Pároco daí natural, foi para a Arquidiocese de Kananga, na República Democrática do Congo, para ajudar na construção de um Centro de Acolhimento e Saúde para socorrer crianças órfãos da guerra ou roubadas às famílias e usadas como soldados.

 Este ano, em pleno Ano Missionário, voltaremos a orientar a Renúncia Quaresmal, em 25% para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas Diocesana, e, o restante, para as Missões “ad gentes”. Há muitas expressões de nos sentirmos Igreja em saída, a partilha é uma delas. Como afirma o Papa Francisco, a missão “ad gentes” continua a revestir-se de grande urgência. As Comunidades cristãs devem promover um fervor apostólico contagioso e rico de entusiasmo, capaz de suscitar fascínio pela missão. Todos somos chamados “a alimentar a alegria da Evangelização”.

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Participemos no rito da imposição das cinzas, lembrando-nos que somos pó e que em pó nos havemos de tornar, aceitando, enquanto vivemos, o desafio à conversão e a fidelidade a Cristo que na cruz morreu para nos salvar.

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