Falar desta Santa é tornar presente a Soberana e Militar Ordem Hospitalar dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta. Com a Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, são as únicas Ordens militares reconhecidas, histórica e juridicamente, pela Santa Sé. A História tem os seus caprichos, os seus tempos são o seu tempo que não se pode ler com os olhos de hoje. Não raro, é fruto amargo do eu é que sou e sei, quero, posso e mando. Filipe IV, o Belo, para suprir o fracasso da sua governança, falhou à beleza. Forjou e levou a cabo uma estratégia de descredibilização total dos Templários, cujos bens e poder lhe faziam sombra e invejava! Assim, após o Concílio de Vienne, em França, a Ordem dos Templários foi extinta pelo Papa Clemente V, em 1312. Impotente na sua posição e a viver em Avinhão, o Papa, embora contra a sua vontade, não teve outro remédio senão extingui-la.

Mas voltemos à Ordem de Malta, a essa organização internacional católica, leigo-religiosa. Como ordem religiosa, está ligada à Santa Sé, mas ao mesmo tempo é independente como sujeito soberano do direito internacional. Tem como Padroeiro São João Batista e invoca, com muita ternura e devoção, Nossa Senhora de Filermo. Após alguns anos de diligências, nasceu num pequeno hospício-enfermaria, fundado em Jerusalém, em 1099, junto à igreja do Santo Sepulcro, por iniciativa do Beato Gerardo, que veio a dar-lhe regras inspiradas em Santo Agostinho. Receber e cuidar os peregrinos da Terra Santa era o objetivo. Devido às vicissitudes da história, a Ordem mudou de nome e de lugar por diversas vezes. Tendo como carisma a defesa da fé e o serviço aos pobres, tornou-se em Ordem militar para defender os seus diversos centros de assistência. Ainda hoje socorre zonas de guerra e de desastres ambientais, procura estabelecer novos acordos de cooperação no campo da saúde e humanitário, presta serviços a idosos, deficientes, refugiados, crianças, a doentes terminais e a peregrinos, dirige hospitais, clínicas e centros de reabilitação espalhados pelo mundo, enfim, continua a construir a sua rica e bela história.

De Jerusalém e São João de Acre, a Ordem passa a ter a sua sede, sucessivamente, em Chipre, Rodes e Creta, até que, em 1530, se fixa em Malta, onde permaneceu até 1798, data em que, pela invasão de Napoleão, e fiéis aos seus princípios, abandonam a ilha e o seu carácter militar. Durante sete anos, sediou-se em vários lugares de Itália, até que se fixou em Roma, onde mantém a sua sede e governo central. O seu estandarte, com uma cruz branca sobre um fundo vermelho, ainda em vigor, é, provavelmente, assim o li, a mais antiga bandeira territorial do mundo. E o hábito negro com a cruz branca oitavada, ainda hoje usado pelos Cavaleiros da Ordem nos atos litúrgicos, remonta a 1248. A cruz de oito pontas, que simboliza a Ordem, representa também as oito bem-aventuranças, é o sinal concreto e exterior da sua espiritualidade. Reconhecida como Estado Soberano de Direito Internacional, mantém relações diplomáticas com 115 países, além de ser reconhecida por grande número de organizações internacionais, como as Nações Unidas e a União Europeia. Está presente na Europa, África, Ásia, América e Oceania. Tem uma estrutura similar à dos governos estaduais, mas inclui características específicas associadas à sua natureza como Ordem religiosa leiga, bem como conserva uma terminologia desenvolvida ao longo dos seus nove séculos de história.

Preside à Ordem de Malta, com sede no Palácio Magistral, em Roma, o Grão-Mestre, eleito entre os Cavaleiros Professos com votos perpétuos. Atualmente, Fra' John Dunlap, canadiano, é o Grão-Mestre da Ordem, o primeiro Cavaleiro Professo das Américas a ser eleito para a liderar. Como tal, é chefe de uma entidade soberana, com reconhecimento das prerrogativas, imunidades e honras reservadas aos Chefes de Estado por aqueles países com os quais a Ordem mantém relações diplomáticas. É também chefe da Ordem religiosa, gozando, no protocolo oficial, do grau de cardeal. É auxiliado pelo Soberano Conselho eleito por um período determinado, cabendo-lhes o poder legislativo para assuntos não-constitucionais e o poder executivo. O judicial cabe aos Tribunais da Ordem e o que diz respeito às regras constitucionais, ao Capítulo Geral. Já conta 81 Grão-Mestres, 8 Lugar-Tenentes do Grão-Magistério, 5 Lugar-Tenentes do Grão-Mestre e 5 Lugar-Tenentes Ad Interim. A sua Carta Constitucional e o Código Melitense, contêm o essencial da sua organização jurídica e funcional. Sendo considerada um Estado sem fronteiras, segue a legislação dos países em que está instalada. Em Portugal, começou por estar presente em Leça do Balio, possivelmente desde 1122, tendo prestado importantes serviços à fundação da nacionalidade. Depois da sua sede em Leça do Balio, teve grande importância o Priorado do Crato. O Superior da Ordem dos Hospitalários, denominado Prior do Hospital, a partir de D. Afonso IV passou a ser denominado ‘Prior do Crato’, com dignidade quase episcopal e com jurisdição civil e criminal.

Da extinção e arresto dos bens das Ordens religiosas em Portugal, em 1834, renasceu, mais tarde, em 1899, a Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana e Militar de Malta, a única herdeira das tradições hospitalárias e assistenciais dos Hospitalários em Portugal. É presidida por Dr. António Luís Calheiros de Noronha de Almeida Ferraz e o seu Conselho. Tem membros em todos os seus graus ou classes, sendo leigos a maioria dos cavaleiros e damas. No plano nacional, esta ‘Associação’, é uma pessoa coletiva de Direito Privado Português. No plano internacional faz parte da Ordem Soberana e Militar de Malta, pessoa jurídica que goza de qualidade de sujeito de Direito Internacional e da condição de Ente Soberano, com a qual Portugal mantém relações diplomáticas, sendo o Dr. Giuseppe Maria Nigra o atual Embaixador. Associa ainda um dedicado Corpo de Voluntários em trabalho humanitário, assistencial e caritativo, sendo bem conhecido, sobretudo pelo apoio dado, na estrada, aos peregrinos de Fátima e de Santiago de Compostela. Desde a sua fundação, a Associação tem desenvolvido permanentes esforços no sentido de desenvolver iniciativas assistenciais em território português, bem como nos países africanos de língua oficial portuguesa. Há um Acordo bilateral de Cooperação entre Portugal e a Ordem Soberana e Militar de Malta, em que se estabelecem as bases de cooperação entre os dois sujeitos de Direito Internacional. Existem ainda os Estatutos da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem, reconhecidos e confirmados pelo Soberano Conselho, em Roma, e redigidos também segundo a lei portuguesa, enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social. Estão publicados no Diário da República. Tem a  sua sede na igreja, e anexos, de Santa Luzia e São Brás, em Lisboa. A Revista Filermo é o seu órgão cultural e informativo.

Quatro portugueses foram importantes Grão-Mestres: Fernando Afonso de Portugal, de Coimbra, 1203-1206; Luís Mendes de Vasconcelos, de Évora, 1622-1623; António Manuel de Vilhena, de Lisboa, 1722-1736; e Manuel Pinto da Fonseca, de Lamego, 1741-1773. Por duas vezes (2020 e 2022), Fra’ Ruy Gonçalo do Valle Peixoto de Villas Boas, de formação em Engenharia Química-Industrial, exerceu, em Roma, o cargo de Lugar-Tenente Ad Interim. Devido ao apreço que a Ordem por ele nutre, pela sua dedicação e serviço, tem sido eleito pelo Soberano Conselho para o exercício de vários cargos, tendo recebido a Ordem pro-Mérito Melitense nos graus de Comendador, de Grande-Oficial e de Grã-Cruz. Em novembro de 2021, foi elevado à categoria de Bailio Grã-Cruz de Justiça. De sua autoria, a Ordem acaba de publicar uma apreciável obra, em que, para além de outros dados importantes, nos apresenta o Rol dos Cavaleiros ou Membros Inscritos na Língua Portuguesa da Ordem, do século XII ao XIX; o Rol das Maltesas inscritas na Língua Portuguesa, desde 1519 a 1878; o Rol dos Governadores do Hospital do Priorado de Portugal, que foram 73, terminando por um decreto logo após a convenção de Évora Monte, em maio de 1834; o Rol dos Grão-Mestres Portugueses da Ordem, que foram quatro; o Rol das várias Comendas da Ordem em Portugal e uma numerosa bibliografia.

Voltando ao título deste texto, Santa Toscana nasceu em Zevio, Verona, em finais do século XIII. Contraiu matrimónio e ficou viúva muito jovem. Dedicou-se, com todas as suas forças e bens, a cuidar dos doentes, a prestar assistência aos pobres e aos abandonados. Conhecedora da Ordem de São João de Jerusalém, é nela aceite. Extenuada, mas de consciência tranquila  e feliz, faleceu em Verona a 14 de julho de 1343, dia em que é celebrada. Foi sepultada na igreja do Santo Sepulcro de Verona, ao lado do hospital onde trabalhou com grande dedicação e ternura. Faz parte do vasto número de Beatos e Santos da Ordem de Malta, que tem como propósito, em comunhão com o Santo Padre, a promoção da glória de Deus através da santificação dos seus membros, do serviço à fé e ao próximo.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 11-07-2025.

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