Em hora de sesta alentejana sem chaparro por perto, molengamente puxei pelas gavetas da memória à cata de assunto que não fosse a descarbonização da economia, a espanholização da banca ou coisa de grande monta sugerida pelos infuencers, para, sem grande trabalheira ou cuidado, cumprir esta minha presença semanal. O que importa aos alentejanos, aliás, fica quase sempre sem tempo nos tempos da governança mais distante. Ora, para que não seja um falar para não estar calado, quero que saibam que ver Braga por um canudo é cadeira académica que eu, desde menino e moço, tenho no meu currículo. Há currículos que, para se fazerem valer, apresentam coisas de muito menos valia que ver Braga por um canudo, logo se constatando que a realidade é muito superior à ideia. No Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, há um monóculo, um telescópio! O da primeira hora, o lá prantado pelo ano de 1862, encantou o lápis e o humor de Rafael Bordalo Pinheiro, o qual veio a imortalizar o dito de ver Braga por um canudo. Não sei se desgostoso com os amores e dissabores da vida, esse, o da primeira hora, sumiu, não deixando rasto da sua fuga. O malfadado instrumento, sem carpideiras de xaile negro pela cabeça nem funérea à altura, talvez fosse arremessado às urtigas por gente desprendida de afetos e pouco dada a velharias. Em fidelidade ao adágio – ‘rei morto, rei posto’ -, lá colocaram outro, o qual já tem idade para ter juízo, pois orça mais de um século de existência. Devido a desgaste, a vandalismos e às intempéries, foi consertado ao longo dos tempos. Ao que li, os técnicos que o foram reparando, porém, se não todos, alguns seriam da alta escola dos predadores, isto é, iguais àqueles que, com grande mestria e sabença, ainda hoje restauram imagens preciosas com tinta cisne ou robbialac, ihihihih…

Depois de ter estado uns anos a um canto, de braços cruzados, mui triste e amuado nas suas maleitas, o canudo foi intervencionado a capricho, tendo ressurgido, com pompa e circunstância, para servir por mais algum tempo. Porque exigia cuidados de idoso apaparicado, retirou-se para se preservar, sendo agora uma espécie de objeto de museu. Ocupava um lugar estratégico com rasgado horizonte em direção ao infinito, um infinito muitíssimo para além de baixo de Braga. À distância, permitia ter a cidade ali à mão, observar a sua globalidade e alguns dos seus cantos preferidos por quem, naquele meu tempo, não se importava de dizer adeus a uns centavos que lhe pesassem no bolso, sempre magricelas e carente dessas vitaminas. Não raro, mesmo que os centavos sumissem e o mar não se visse lá nas lonjuras, corria-se o risco de ficar a ver navios. De observação terrestre, não dava para ver mosquitos na Índia, isso não. Também não dava para ver estrelas, galáxias, sistemas protoplanetários e planetários, nem para descobrir a origem da vida. Mas satisfazia curiosas curiosidades e afins. Como veem, até deu para eu, com elevação e garbo, inserir tal façanha telescópica no meu currículo, mesmo que não possa garantir, pois não me lembro, se alguma vez consegui distinguir a cara de pessoas na Arcada ou ler as matrículas de carros pelas ruas da cidade, como dizem que a sua qualidade o permitia. Sem evocar René Descartes, e pedindo perdão por esta minha incerteza, prefiro ficar pela dúvida metódica, em jeito de São Tomé e de outros que tais. Há uns tempos, este centenário telescópio foi substituído por um novo. Agora, ao que dizem e também li, muito mais à frente e muito mais capaz de tal espionagem, aguçando também a minha curiosidade ainda não satisfeita. “Se o meu sangue não me engana, como engana a fantasia, havemos de ir a Viana, ó meu amor de algum dia”, e dar um pulinho a rever Braga por um canudo, atualizando assim o meu velho look académico. Seja como for, a quem se me vem orgulhar de ter feito fantásticas viagens, inclusive por essa instância romântica do Bom Jesus do Monte, palco de devaneios e de confidências para minimizar solidões e dramas existenciais – como, aliás, o foi para Camilo Castelo Branco -, a esses, eu deito água na fervura do seu opado entusiasmo e lhes digo com substância e peito feito de turista mui viajado: “Eu também já vi Braga por um canudo!”.

E toda esta introdução para dizer ao meu paciente leitor que, durante este mês de junho, na Escola de Verão do Observatório Astronómico do Vaticano, 24 jovens astrónomos de 22 países, todos eles com capacidade fora do comum, assistem a aulas ministradas por alguns dos maiores especialistas em astronomia do mundo. É a 19ª edição desta iniciativa do Vaticano. A participação é gratuita, os benfeitores da Fundação Observatório Vaticano apoiam a iniciativa, a qual, este ano, tem como tema: “Explorando o Universo com o Telescópio Espacial James Webb: os três primeiros anos”. Este Telescópio Espacial foi inaugurado no dia de Natal de 2021. Desde que começou a divulgar dados, em julho do ano seguinte, revolucionou a compreensão do cosmos. A Escola fornece uma visão completa dos principais resultados desses três anos, divididos em quatro áreas – Luz primordial e Reionização; Formação e Evolução de Galáxias; Nascimento Estelar e Sistemas Protoplanetários; Sistemas Planetários e a Origem da Vida -, oferecendo também comunicações e exercícios práticos sobre o processamento e análise de dados. Assim se atualiza os alunos sobre as últimas descobertas astronómicas, constrói-se comunidade científica e promove-se a colaboração entre as próximas gerações de astrónomos. Os participantes deste ano são da Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Egito, Índia, Itália, Alemanha, Grécia, Lituânia, Marrocos, Polónia, Peru, Nova Zelândia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Estados Unidos e Uruguai.,

A ciência e a fé andam de braço dado, sentam-se à mesma mesa, e embora cada uma coma no seu prato, servem-se e caminham juntas, completam-se, amam-se, dão-se as mãos. A verdadeira ciência abre-se ao mistério e a verdadeira fé à investigação científica. Contrariamente ao que muitos sabões e sabichões querem fazer crer, a história da ciência sempre contou com a colaboração da Igreja. Só a desonestidade intelectual e moral pode afirmar o contrário. Há erros graves, com certeza. Esses erros, porém, são os únicos trunfos, do imenso baralho de colaboração e avanço, a bater na mesa por quem apenas quer denegrir e minimizar o papel da Igreja. Para além de tanta gente com fé e fiel à Igreja, alguns dos grandes cientistas da história da humanidade até foram sacerdotes e hoje também há quem se envolva nessa área. As histórias da História, se umas são feitas por gente preparada, imparcial e séria, outras são escritas por quem é escravo de ódios e preconceitos ou por quem fuzilou ou quer fuzilar os adversários. Fulton Sheen escreveu uma frase que não se pode esquecer: “Não existem cem pessoas que odeiam a Igreja católica, mas existem milhões que odeiam aquilo que elas pensam que a Igreja católica é”.

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 13-06-2025.

 

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