Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração, disse-nos Jesus, que passou pelo mundo a fazer o bem. Com humildade e confiança, pedimos-lhe que nos ajude a ter os mesmos sentimentos, a ter um coração semelhante ao seu para que nos amemos uns aos outros como ele nos amou, até ao fim.

Quem vive de consciência tranquila a pensar que pode amar a Deus, a quem não vê, descartando o irmão, a quem vê, adocica demasiadamente o Evangelho, a qual doçura ultrapassa bem para lá a do delicado pudim do abade de Priscos. Os níveis do colesterol espiritual, do ruim e bem ruim, ficarão mui altos, de braço dado com os triglicerídeos que também ninguém deseja por companhia. Ora vejam lá as coisas que eu sei!…

Ao celebrarmos a solenidade litúrgica do Sagrado Coração de Jesus e a sua entrega por todos, aprofundamos melhor quanto devemos, também nós, dar a vida uns pelos outros e quão distantes estamos de o fazer acontecer!

É no Coração de Jesus, trespassado pela lança e ardente de amor pela humanidade, símbolo da sua imensa caridade, divina e humana, é nele que se encontra a origem da nossa fé, a fonte de salvação para todos.

Por amor nasceu em Belém, percorreu a Galileia, falou com autoridade, não fez acessão de pessoas, fez-se próximo, revelou-nos a plenitude do amor do Pai, sensibilizou-se com os pobres e frágeis, foi perseguido, amou-nos até ao fim, morreu na cruz, ressuscitou e vive gloriosamente no meio de nós. Identificando-se com os outros, tudo quanto se faz ou não se faz seja a quem for, sobretudo aos pobres e humildes, aos doentes e desprezados, aos que sofrem no corpo e no espírito, é a ele que se deixa de fazer ou se faz.

Com a sua encarnação e presença, com o que disse e fez, com o que ensinou e testemunhou, Jesus estabeleceu o princípio mais revolucionário e inovador da História. Proclamou que o ser humano é tanto mais digno de respeito e de amor quanto mais fraco, pobre, sofredor e desprezado se encontra. E, pelos vistos, já no Império Romano isso fazia furor e suscitava invejas. Os cristãos tinham muito respeito e prestavam muita atenção e ajuda aos pobres e descartados da sociedade, fossem cristãos ou não. Isto criava borboletas na barriga do Imperador Juliano, o apóstata, o qual reconheceu que os cristãos eram muito respeitados por causa do seu cuidado com os pobres. Achando intolerável que os seus próprios pobres fossem apoiados pelos cristãos, toca a criar iniciativas e instituições que pudessem competir com os cristãos e também atrair o respeito da sociedade. Os objetivos, porém, não foram atingidos. Por detrás destas possíveis iniciativas faltava o amor cristão, o único capaz de os levar a ver em cada pessoa a sua própria dignidade.

É evidente que o contributo de Jesus para o reconhecimento e o desenvolvimento da noção atual de dignidade humana é indiscutível, como indiscutível é quanto continua a influenciar a história social e política, bem como o direito nacional e internacional dos povos, os direitos humanos. Com Jesus, que viveu e ensinou a não fazer acessão de pessoas, o rosto da humanidade muda. Para todos começa a olhar com outros olhos, sobretudo para aqueles que se encontram em condições mais desfavoráveis e sofridas, independentemente da sua origem, condição, raça, cultura e geografia atual. É certo que o amor aos outros não se dá nem se compra, não se reivindica nem se fabrica, não se pode medir nem obrigar. É por isso que, saindo da escura toca da sua ambição, do seu mesquinho pensar e desumana formação, há quem, ainda hoje, se sinta superior, dono de tudo e de todos, uma exceção por excelência, preferindo a lógica da arrogância, da força e da morte de inocentes à lógica do bom senso, da fraternidade e do amor, da diplomacia e da paz. Para legitimar ambições pessoais e pátrias, substitui-se a força da razão pela razão da força, a força do direito internacional e humanitário pelo suposto direito de obrigar só porque sim e lhe deu na gana. Leão XIV afirma que isso “é indigno do homem, é vergonhoso para a humanidade e para os responsáveis pelas nações".

Francisco, por sua vez, na ‘Dilexit Nos’, falava da necessidade de se recuperar a importância do coração, pois é no coração de cada pessoa que se “encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas”. Perverter o coração com ambições sem sentido, com aparências, dissimulações, mentiras, arrogâncias e equívocos, não é saudável, só traz vazio e barbárie. “Para além das muitas tentativas de mostrar ou exprimir o que não somos, é no coração que se decide tudo: ali não conta o que mostramos exteriormente ou o que ocultamos, ali conta o que somos. E esta é a base de qualquer projeto sólido para a nossa vida, porque nada que valha a pena pode ser construído sem o coração”. Como ideal, temos o Coração de Cristo, “a mais alta plenitude que a humanidade pode atingir”, pois, só o amor de Cristo “pode dar um coração ao nosso mundo e reavivar o amor onde quer que pensemos que a capacidade de amar foi definitivamente perdida”.

São João Paulo II, em 1995, instituiu, no Dia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o Dia Mundial de Oração pela Santificação do Clero. A sua missão, embora bela e imprescindível, nem sempre é fácil. Como em todas as atividades humanas, há altos e baixos, podendo arrastar ao cansaço, ao desencorajamento, a viver de aparências. Todavia, é importante ser e ter pastores à imagem de Cristo, para que, ungidos pelo Espírito, possam ungir e evangelizar a vida daqueles a quem são enviados. Rezar pelo clero para que se conforme cada vez mais com o coração do Bom Pastor é sinal de quem sente e ama a Igreja.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 27-06-2025.

 

 

Partilhar:
Comments are closed.