Embora por pouco tempo, lá iremos, com alegria e proveito, assim o esperamos. Em Roma tropeça-se na história. As histórias da História de Roma são muito mais que muitas. Umas, escritas a letras de ouro, outras, fazendo do sangue humano a tinta das tiranias, outras ainda, feitas e escritas como Deus e os homens foram e continuam a ser servidos. Tudo interpela, tudo fala da inteligência, da capacidade, do empreendedorismo e também da prepotência dos homens e da centralidade de Deus, apesar de haver quem, por ali, ao longo dos tempos, tivesse agido a reivindicar para si ser deus, mesmo consciente dos seus pés de barro. Pelos tempos fora, sempre houve e há pobres tão pobres tão pobres tão pobres que só têm mesmo dinheiro e poder para sacrificar os outros! E ali, tudo lembra que a história, de facto, tem dessas ironias. A fraqueza de uns, porém, com a sua autoridade adquirida pelo saber ser e estar, pode bem mostrar como se é capaz de vencer a jactância de outros e de lhes testemunhar que o poder recebido não pode cifrar-se em termos de despotismo, mas de serviço humilde, em comunhão. Por aquela urbe, qualquer pedra se chega à frente a querer dizer-se. Em qualquer canto se escondem milénios e séculos de história, se aprecia arte e cultura, grandiosidade e excelência, heróis e mártires, artistas e estudiosos, ciência e saberes. Miséria e pedintes também por lá há, é verdade!

Alguém, das artes e da cultura, dizia-me que, de quando em vez, lhe apetece ir até à sua aldeia natal, para, de tamancos nos pés, e, se necessário, de calças rotas e camisa por fora das calças à maneira do snobismo de hoje e da triste pobreza de então, lhe apetece ir apanhar um ‘banho de estupidez’ no meio das galinhas, dos porcos, dos coelhos, dos cães e de toda aquela panóplia e tralha que ainda vai havendo paredes dentro os muros onde nasceu, cresceu e brincou saudavelmente. Estou um pouco assim, mas em direção oposta. Sabe bem apanhar um banho de beleza, arte e cultura naquela cidade, apesar do caos do trânsito e apressado frenesim daquele cruzamento de raças e culturas, de estilos e feitios, de afazeres e lazeres.

Em tempos idos, e talvez ainda hoje por algures, o sepulcro era visto como ‘a soleira’. A palavra soleira vem do latim: limen, liminis. Entre nós, a soleira é uma espécie de acabamento que também dá firmeza ao piso. Serve para entrar e sair de um edifício, é o limite, o limiar. É o liminar da porta, a soleira da porta, dizemos. O sepulcro era visto como a soleira, pelo qual se passava desta vida para a vida eterna.

Assim, a visita ao túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, em Roma, ficou conhecida como visita Ad Limina Apostolorum, ou seja, como uma visita à entrada do túmulo dos apóstolos, martirizados em Roma e pilares da Igreja. A Pedro, o primeiro de entre iguais, Jesus disse: “fortalece os teus irmãos na fé” (Lc 22,32). Pedro sempre foi reconhecido como o primeiro entre os iguais. Até Paulo tomou a decisão de ir, com Barnabé, encontrar-se com Pedro a Jerusalém, para esclarecer algumas dúvidas e confirmar a sua fé e a sua ação missionária (At 15,1-2). As comunidades cristãs constituídas logo após o Pentecostes, sempre viram em Pedro o vínculo de unidade de toda a Igreja, o que preside à comunhão universal. O Papa é o sucessor de Pedro, continua a ser ‘o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade da fé e comunhão” (LG18).

Embora não se conheça com exatidão quando a prática desta visita se terá iniciado, sabe-se que já no século II, se ia a Roma, em visita ao sucessor de Pedro. Com a expansão do cristianismo, tais visitas foram-se tornando sempre mais frequentes, até que, de um mero costume se tornou, com o passar dos tempos, uma obrigação canónica.

Pelos séculos XI e XII, sobretudo os bispos de mais perto, visitavam o papa anualmente, mas as dificuldades de uma viagem a Roma tornava essa prática impossível, até porque obrigava os bispos a permanecerem fora das suas dioceses por muito tempo. Já antes do Concílio de Trento (1545-1563), havia o desejo de que a periodicidade dessa visita fosse de três em três ou de cinco em cinco anos. Após o Concílio de Trento, foram-se dando passos mais determinados no modo e ritmo destas idas a Roma, quer para venerar os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo quer para visitar o Papa, apresentando também um relatório sobre o estado de cada diocese. A visita dos bispos de fora de Itália variava de acordo com a distância de Roma, sendo que os da Ásia, os da América e os do resto do mundo estavam obrigados a realizá-la a cada dez anos. Mas sempre foram surgindo documentos com outras determinações a modificar o modo e o ritmo destas visitas, bem como com indicações mais precisas sobre as temáticas a considerar nos relatórios a apresentar. A partir do Código de Direito Canónico de 1917, as visitas Ad Limina passaram a conter o relatório sobre o estado das dioceses, a veneração dos túmulos dos Apóstolos e a visita ao Santo Padre. Após o Concilio Vaticano II surgiram novas modificações a acentuar a comunhão com o Bispo de Roma, tendo o Código de Direito Canónico de 1983 mantido a obrigatoriedade aos bispos e aos ministros a eles equiparados, de realizarem esta visita a cada cinco anos (c. 399).

A visita ad limina, ou visita ad limina apostolorum, é, pois, uma obrigação dos bispos ao túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, em Roma. Acontece, geralmente, de 5 em 5 anos, segundo a forma e o tempo determinados pela Sé Apostólica. Inclui um relatório sobre o estado da Diocese confiada a cada Bispo, um encontro com o Santo Padre, reuniões de trabalho com os representantes dos diversos dicastérios e comissões pontifícias, e visita a algumas das Basílicas mais significativas, conforme o tempo disponível.

A Visita ‘Ad Limina Apostolorum’ dos Bispos portugueses decorre na semana de 19 a 26 deste mês de maio.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 17-05-2024.

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