Sendo a mais pequenina e a mais antiga das sociedades humanas, a família, constituída entre homem e mulher, seus ascendentes e descendentes, apesar dos solavancos que enfrenta e sofre, continua a ser a instituição que mais estabilidade e esperança oferece ao mundo prenhe de feridas e divisões. É a mais influente das instituições, no presente e no futuro da humanidade. É nela que a pessoa nasce, cresce e amadurece, em princípios e valores, em solidariedade e fraternidade, em bons e menos bons momentos. Se, porém, a família está doente, a sociedade doente está! Por isso, tudo quanto cada família possa fazer em prol de si mesma, tudo quanto possa ser feito por quem tem o dever de promover e defender a família, tudo isso, por mais que seja e se eleve à mais alta potência, é sempre muito pouco para enaltecer a família e lhe agradecer por tudo o que ela é, significa e faz. Cuidar da família devia ser a prioridade das prioridades, o ponto de honra de qualquer sociedade que se presa de o ser. A força e a vitalidade de cada país dependem da vitalidade e da força das suas famílias. É na família, diz Bento XVI, que “se plasma o rosto de um povo; é nela que os seus membros adquirem os ensinamentos fundamentais. Nela aprendem a amar, enquanto são amados gratuitamente; aprendem o respeito por qualquer outra pessoa, enquanto são respeitados; aprendem a conhecer o rosto de Deus, enquanto recebem a sua primeira revelação de um pai e de uma mãe cheios de atenção. Sempre que falham estas experiências basilares, a sociedade no seu conjunto sofre violência e torna-se, por sua vez, geradora de múltiplas violências” (AM42-46).

Em vésperas do Dia Mundial da Paz, também é bom lembrar que a família é, sem dúvida, o lugar propício para a aprendizagem e a prática da cultura do perdão, da paz e da reconciliação. “Numa vida familiar sã, experimentam-se algumas componentes fundamentais da paz: a justiça e o amor entre irmãos e irmãs, a função da autoridade manifestada pelos pais, o serviço carinhoso aos membros mais débeis porque pequenos, doentes ou idosos, a mútua ajuda nas necessidades da vida, a disponibilidade para acolher o outro e, se necessário, perdoá-lo. Por isso a família é a primeira e insubstituível educadora para a paz”.

Defender a família, não é, não pode ser, sabemos que não é apenas policiar as cidades, as vilas e aldeias, as ruas e os bairros para prender quem maltrata e mata. A defesa da família está a montante, está na formação dos jovens, nas políticas que se implementam, nos serviços que se lhe prestam, no apreço que por ela se tem e manifesta. E se a formação dos jovens para construir família começa, de facto, no seio da família pelo testemunho dos avós e dos pais, se outras instituições também se preocupam com a promoção, proteção e defesa da família e vão fazendo a sua parte, também a preocupação do Estado se deveria fazer sentir de forma mais eficiente e eficaz, para que, naturalmente, o tecido social de paz, harmonia e progresso fosse alicerçado em rocha firme.

Educar é muito mais do que ensinar. Implica objetivos definidos e claros, implica o testemunho e a coerência de quem educa, implica rejeitar colonizações ideológicas e preconceitos sem sentido, implica não desconstruir a linguagem nem distorcer o conceito de matrimónio e de família. Desvalorizar a maternidade, banalizar o aborto, descartar os mais frágeis, promover o divórcio sem pensar, inclusive, nas tristes e sofridas consequências para os filhos, tantas vezes fazendo deles objeto de disputa como se de partilhas de propriedade se tratasse, criar uma ‘nova ética’ em nome de saltos civilizacionais apadrinhados por egoísmos e quejandos, tudo isso acaba por conduzir ao endurecimento do coração, à cultura do provisório, do usa e deita fora, avilta a consciência, desumaniza. É certo que nas famílias nem tudo é linear. É certo que não se podem negar as crises e os problemas com múltiplas causas e origens. É certo que não se deve esconder ou relativizar a sua importância, prejudicando a comunicação. É certo que pode haver casos que se foram enrolando e crescendo e se manifestam agora de difícil superação, sim, é certo. No entanto, quando, nos tempos felizes e calmos, marido e esposa aprendem a verdadeira arte de comunicar, acabam por reconhecer que “cada crise é como um novo ‘sim’ que torna possível o amor renascer reforçado, transfigurado, amadurecido, iluminado” (AL238).

Celebramos a Festa da Sagrada Família. A todas, mas sobretudo às famílias cristãs, o Papa Francisco lembra que cada família “tem diante de si o ícone da família de Nazaré, com o seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados descartados e inermes. Como os Magos, as famílias são convidadas a contemplar o Menino com sua Mãe, a prostrar-se e adorá-Lo. Como Maria, são exortadas a viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus. No tesouro do coração de Maria, estão também todos os acontecimentos de cada uma das nossas famílias, que Ela guarda solicitamente. Por isso pode ajudar-nos a interpretá-los de modo a reconhecer a mensagem de Deus na história familiar (AL30).

O amor entre homem e mulher insere-se na Aliança definitiva entre Deus e o seu povo. Foi plenamente selada no sacrifício da cruz. Não sendo obra de um momento, mas um projeto paciente de toda uma vida, a família é chamada a viver diariamente o amor de Cristo, sem esquecer que é “um instrumento privilegiado da presença e missão da Igreja no mundo”. Sempre renovada com a força da Palavra de Deus e dos Sacramentos, será cada vez mais Igreja doméstica que educa para a fé e para a oração. Será cada vez mais berço de vocações ao matrimónio, à vida consagrada, ao ministério ordenado, escola natural de virtudes e de valores éticos, célula viva e basilar da sociedade. A Igreja convida todas as famílias a contemplar “a Família de Nazaré, que teve a alegria de acolher a vida e exprimir a sua piedade na observância da Lei e das práticas religiosas do seu tempo”. Convida-as a pôr “os olhos nesta Família que viveu também a provação da perda do Menino Jesus, a aflição da perseguição, da emigração e da dura labuta diária”. Convida-as a que ajudem os seus filhos “a crescerem em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (cf. EinMO58-59).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 30-12-2022.

 

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