Na Jornada Mundial da Juventude de 1997, em Paris, São João Paulo II fez questão de visitar o seu túmulo. Bento XVI iniciou o seu processo de beatificação. Francisco, em janeiro de 2021, autorizou a promulgação do decreto que reconhece as virtudes heroicas deste médico, a primeira etapa para que o processo da sua beatificação e canonização prossiga os seus trâmites. Servindo-me do Portal da Família, divulgo um pouco da vida deste médico que, em fidelidade ao Juramento de Hipócrates, sempre lutou pelo reconhecimento dos direitos dos mais pequeninos e indefesos, não tendo medo de sacrificar a sua própria carreira por essa causa. Apesar da sua adolescência ter sido marcada pela guerra, ele cresceu no seio de uma família muito unida, mas na qual cada filho desenvolvia as suas capacidades intelectuais com toda a liberdade e da qual ele afirmava: “A minha família foi a maior recompensa recebida na minha vida”.

Estamos a falar do médico e professor francês Jérome Lejeune, nascido em 1926 e falecido em 1994, juntando-se ao número de médicos santos como José Moscati, Paul Dochier, Gianna Beretta Molla, Ladislau Batthyány-Strattmann, Jacques-Désiré Laval e tantos outros que souberam marcar a diferença como fiéis servidores na medicina.

Desejava ser médico de zona rural, mas logo se interessou pelo mongolismo, pelos seus mecanismos e pela caracterização da doença. Descobriu a trissomia do par de cromossomos 21, o que leva à síndrome de Down, uma doença causada por um acidente genético no qual os pais não têm nenhuma responsabilidade. Estabeleceu a ligação entre o índice de capacidade mental e a anomalia cromossómica, abriu as portas à citogenética e à genética moderna. Convencido de que qualquer avanço rumo à cura de uma certa doença cromossómica permitiria curar outras doenças, abriu várias pistas terapêuticas. Revolucionou o mundo da medicina genética com um verdadeiro salto de qualidade.

Investigador de reputação mundial sobretudo no Centro Nacional de Pesquisas Científicas de França e perito internacional para os assuntos relacionados com os efeitos biológicos da radioatividade atómica, estudou mais de 30 mil dossiês cromossómicos e tratou mais de 9 mil portadores de disfunção da inteligência. Foi professor de genética humana na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Beneficiando do Código de Napoleão que abre a possibilidade da carreira universitária a quem faz avançar os conhecimentos de forma notável, ensinou na Faculdade de Medicina de Paris e na Faculdade de Medicina de Necker, ajudou na formação de centenas de pesquisadores de mais de 30 países.

Membro da Academia de Ciências Morais e Políticas de França e da Academia Nacional da Medicina, recebeu o doutoramento honoris causa pelas Universidades de Navarra, de Dusseldorf, de Buenos Aires e do Chile. Foi membro da Academia de Medicina de França, da Academia Real da Suécia, da Academia Pontifícia do Vaticano, da American Academy of Arts and Sciences, da Academia de Lincei (Roma) entre outras. Participou e presidiu a várias comissões internacionais da Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde. Foi o primeiro presidente da Academia Pontifícia para a Vida. Recebeu numerosos prémios, entre eles, o prémio Kennedy, o prémio William Allen Memorial Award e o prémio Griffuel pelos seus trabalhos pioneiros sobre as anomalias cromossómicas no câncer.

Quando desejava ver os frutos das suas pesquisas tornarem possível o avanço da medicina rumo à cura, constata que o seu trabalho estava a ser utilizado para fins que ele desaprovava, como a interrupção da gravidez a quem fosse detetada essa doença. Torna-se então defensor da vida desde a sua conceção, defendendo essas crianças doentes: "Logo que os 23 cromossomos paternos trazidos pelos espermatozoides e os 23 cromossomos maternos trazidos pelo óvulo se unem, está reunida toda a informação necessária e suficiente para a constituição genética do novo ser humano". “O facto de a criança se desenvolver em seguida durante 9 meses no seio da sua mãe, em nada modifica a sua condição humana". Uma vez concebida, é uma pessoa, nada se acrescenta, apenas se desenvolve. “Aceitar o facto de que, após a fecundação, um novo indivíduo começou a existir já não é questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a conceção até a velhice, não é uma hipótese metafísica, mas sim uma evidência experimental". Referia que «Não é a medicina que se deve temer, mas a loucura dos homens”, e acrescentava: “hoje somos mais poderosos do que outrora, porém menos sensatos: a tecnologia é cumulativa, a sabedoria não é». A qualidade duma civilização mede-se “pelo respeito que ela tem pelos seus membros mais frágeis. Não há outros critérios de julgamento». Pensava "que diante de um feto que corre um risco, não há outra solução senão deixá-lo correr esse risco. Porque, se se mata, transforma-se o risco de 50% em 100% e não se poderá salvar em caso nenhum. Um feto é um paciente, e a medicina é feita para curar… Toda a discussão técnica, moral ou jurídica é supérflua: é preciso simplesmente escolher entre a medicina que cura e a medicina que mata". Não se luta contra a doença suprimindo o doente, devendo a medicina, na sua mais nobre missão e única razão de ser, colocar ao serviço dos pacientes os seus progressos científicos e técnicos.

As suas posições éticas e morais, em defesa da vida e dos indefesos, fizeram-no odiado por aqueles que se atribuem o direito de vida e de morte sobre os seus semelhantes, fizeram-no sofrer e provocaram boicotes na sua carreira. Negaram-lhe os apoios económicos para continuar nas suas pesquisas, os grandes meios de comunicação social deixaram de publicar os seus artigos, foi abandonada a sua participação em programas televisivos, congressos e outras iniciativas da área, até pelos próprios amigos. A ideologia ao serviço da cultura da morte venceu. Hoje, países há que 100% dos bebés com a síndrome são abortados.

Faleceu no sábado da Páscoa de 1994. A sua pessoa foi objeto de numerosas manifestações, de elogios em várias academias de ciência, de discursos de autoridades políticas, científicas e culturais. Milhares de cartas chegaram do mundo inteiro, incluindo uma longa carta do Papa João Paulo II à sua família. Muitos testemunhos chegaram de pais maravilhados com a forma como ele recebia e olhava para essas crianças, levando os pais a olhá-las com um amor renovado: “Ele ensinou-nos a amar a nossa criança”.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 12-08-2022.

 

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