Não aconteceu onde o leitor está a pensar. Não, não foi nessa terra que a comunicação social sobejamente badalou há dias. Esses eram almoços de trabalho duro, duro mas pacífico! Por essas bandas, porém, mais para cá ou mais para lá, surgiu, isso sim, o nome de ‘papo-seco’. Papo-seco é o nome que damos àqueles pães que todos conhecemos. Apanhados ao sair do forno… oh, oh, como eles sabem bem se barrados com manteiga!… Os pobres da rua comiam o pão que lhes chegava às mãos, se chegava. O que verdadeiramente lhes fazia fervilhar a imaginação e criar rios de água na boca era o cheiro dos cozinhados que lhes vinha apetitoso das cozinhas ao redor. Dentro do pão, à falta de conduto que se visse e saboreasse, outra coisa não havia senão esse cheirinho a estrugido e a coisa boa para outros manducarem. Isso é que constituía, para eles, o banquete possível. E eis que surge assim o nome do dito cujo! Aquilo era mesmo um papo-seco, seco mesmo! Saiba o leitor que esta teoria se deve aos mais altos e conceituados cientistas na matéria! Cientistas nacionais e estrangeiros, convém dizer-se, para que o leitor, em férias ou mesmo sem o cheirinho a elas, se tire do sério e esboce um sorriso de escarninho a querer dizer-me que estas coisas, tal como tantas e tantas outras, são tão verdade enquanto não vem outro e diz o contrário! Por aí, não vamos declarar guerra um ao outro, estamos mesmo de acordo!

Mas voltando à vaca das cordas, isto é, voltando àquele outro opíparo e tétrico banquete, do qual vamos fazer memória no próximo dia 29, ninguém disse que, nessa altura, por esses lados onde tal vitamínico aconteceu, ninguém disse que as pessoas poderosas comiam sapateira, lavagante, lagosta, camarão-tigre, ostras, sushi, leitão e presunto pata negra. Também não nos chegaram ecos de que, para alimentar a folia, consumissem tabaco do melhor, nem que, para a sustentabilidade do regabofe, bebessem à tripa forra vinho, saké afrodisíaco, aguardente e Moet & Chadon.

O que sabemos é que houve um grande e solene banquete de aniversário com poderosos e banaboias. Ali, gerou-se a desgraça de um embravecido, sim, mas pobre inocente, prisioneiro acorrentado por ter cumprido o seu dever. Ali, qual cabecita ‘de palito fosfórico’, surgiu uma promissora jovenzinha, artista e bela, a incendiar a festa e os festeiros já de si mui animados. Ali, com ares de quem manda e pode, manifestou-se a safadeza do aniversariante, indeciso e corrupto. Ali, nesse triste espetáculo de fazer arrepiar peles, carnes, ossos e cabelos, esteve latente a conivência dos comensais, cujo silêncio ajudou a atrelar o burro à carroça. Ali, qual forcado a enfrentar o touro, saltou a alegria do verrinoso ódio de quem se quis vingar do arauto da verdade. Que conste, nenhum dos circunstantes deixou ferver a sua indignação ao ponto de lhe saltar a tampa. Nenhum arregaçou os olhos e os dentes com ganas de pôr os pontos nos is, massajando aqueles narizes!

Foi assim:

“Herodes tinha mandado prender João e pô-lo a ferros na prisão. Fez isso por causa de Herodíades, com quem tinha casado, apesar de ela ser a mulher de seu irmão Filipe. João dizia a Herodes: “Não te é permitido casar com a mulher do teu irmão”. Por isso, Herodíades ficou com raiva de João e queria matá-lo, mas não podia. Com efeito, Herodes temia João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava. Finalmente chegou o dia oportuno. Era o aniversário de Herodes. Ele ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos cidadãos importantes da Galileia. A filha de Herodíades entrou e dançou, agradando a Herodes e seus convidados. Então o rei disse à jovem: “pede-me o que quiseres e eu to darei”. E jurou: “juro que te darei qualquer coisa que me pedires, mesmo que seja metade do meu reino”. A jovem saiu e perguntou à mãe: “Que vou eu pedir?” A mãe respondeu: “A cabeça de João Batista”. A jovem correu para a sala e pediu ao rei: “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista”. O rei ficou muito triste, mas não pôde recusar, pois tinha feito o juramento na frente dos convidados. Imediatamente o rei mandou que um soldado fosse buscar a cabeça de João. O soldado saiu, foi à prisão e cortou a cabeça de João. Depois levou a cabeça num prato, deu-a à jovem, e esta entregou-a à sua mãe. Ao terem conhecimento disto, os discípulos de João foram, levaram o cadáver e sepultaram-no”.

E assim, São João Batista, é degolado por denunciar o adultério e defender a família. Condenado pela Sagrada Escritura e por Cristo, o adultério é deplorável pelo que significa e provoca. O bem-estar da pessoa e da sociedade está estritamente ligado a uma favorável situação da comunidade familiar e conjugal.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 25-08-2023.

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