Lá para as bandas da Cochinchina, no sudoeste asiático, lá onde o vento faz a curva e Judas perdeu as botas, foi ali, no que é hoje o Vietnam, e mais propriamente no delta do rio Mecong, foi ali que Luís de Camões, em jeito de Michael Phelps, terá heroicamente bracejado em prol da vida e dos épicos manuscritos. O navio naufragou, segredos muitos se foram por água abaixo, Dinamene também… talvez!… Coisas da vida, de vidas geniais e ousadas, mal-amadas no seu tempo mas sempre admiradas e a picar a curiosidade!

Pois também foi por lá, em  Phú Yên, no Vietnam, que nasceu o André, em 1624. É um dos jovens citados pelo Papa Francisco no documento conclusivo do Sínodo sobre os Jovens. Ainda bebé, André ficou órfão de pai. Sua mãe educou-o com zelo de mãe. Era o seu filho mais novo e cedo manifestou apreciadas qualidades humanas. A pedido de sua mãe, foi aluno do Padre Alexandre de Rhodes, missionário Jesuíta. Este jesuíta francês foi quem se associou à ideia e trabalho de Francisco de Pina, missionário jesuíta da cidade da Guarda, na romanização da escrita da língua vietnamita. Até então, essa língua era apresentada em ideogramas de inspiração chinesa. Terá chegado à Cochinchina por volta de 1618 e por aí viveu até à morte, na cidade de Da Nang. Mas voltemos ao jovem André, que, mais tarde, se tornou catequista. Ele fez parte de um pequeno grupo de convertidos donde saiu o primeiro clero do Vietnam. O futuro, porém, ir-lhe-ia ser bravo e sofrido. O rei de Annam, enviou um mandarim à província onde André vivia. Para quê? O Padre Rhodes, dado o bom ambiente que existia, e sem saber o que é que o mandarim trazia na cartola, foi-lhe fazer uma visita de cortesia. Os salamaleques foram curtos. O mandarim não demorou a desembrulhar uma notícia que trazia debaixo do braço. Pelos vistos, o rei estava com o avental do avesso, estava de mau humor e muito irritado com  o grande número de chineses que se convertiam ao cristianismo. O mandarim vinha, pois, proibir a ação dos missionários. Ordenou que o Padre Rhodes jamais evangelizasse os chineses, deixasse o Vietnam, regressasse a Macau. E se os cristãos locais teimassem em perseverar na fé cristã iriam passar as passinhas do Algarve. O Padre, ouviu o que ouviu, saboreou e engoliu como pôde, deixou o palácio, foi ter com a comunidade e os catequistas, seus colaboradores. E logo foi também à prisão visitar um deles, de 73 anos, que tinha sido preso dias antes. Entretanto, os guardas do mandarim, armados em fortes e confiantes na captura, foram à sede da Missão procurar Inácio. Inácio era o que presidia ao grupo dos catequistas. Inácio, porém, não estava na Missão, estava fora da cidade. Então, como mais vale um pássaro na mão do que dois a voar, amarraram, espancaram e levaram o jovem André, de dezoito anos de idade. Este jovem catequista era de fibra e de garra, de antes quebrar que torcer. Tendo sido levado ao palácio do Governador para que renunciasse ao cristianismo e negasse a sua fé, resistiu forte e firme. O mandarim foi aos arames. A firmeza de André fez-lhe subir os azeites e agravar a azia. Mandou então que lhe ripassem a cruz do pescoço e o levassem para a prisão, onde já se encontrava o idoso catequista de 73 anos de idade.

A seu tempo, os dois foram levados da prisão, como criminosos e vexatoriamente,  a uma audiência pública. A coisa foi séria e seletiva. Atendendo ao apelo dos mercadores portugueses e dada a sua idade, o catequista mais idoso foi libertado. Mas o jovem André acabou por ser condenado à morte e regressou ao calabouço. Sem grande esforço, poderemos imaginar o estado de espírito daquele jovenzinho em tão dura situação. No dia determinado, foi levado ao local da execução. O Padre Rhodes e vários cristãos portugueses e vietnamitas, e até alguns pagãos, acompanharam-no no percurso e testemunharam a tragédia. Diz a história que André ia sereno, exortava os cristãos a permanecerem firmes na fé, a não se entristecerem com a sua morte e a que rezassem para que ele permanecesse fiel até o fim. Enquanto era martirizado a golpes de lança e punhal, ia repetindo o nome de Jesus. E assim, com apenas 19 anos, aceitou o sacrifício da sua vida pela fé e amor a Cristo. Foi o primeiro mártir do Vietnam. O seu corpo foi transferido para Macau, donde partiam os missionários para os países da Cochinchina, Cochim-China, como os portugueses batizaram esta zona para a distinguir de Cochim da Índia, onde tiveram a sua sede. Algumas relíquias corporais de André foram mais tarde enviadas para a sede dos jesuítas, em Roma. O Padre Rhodes também acabou por ser condenado à morte por um rei vietnamita. A pena, porém, foi-lhe comutada. Regressou a Roma, passou à Pérsia.

Na Eucaristia da beatificação de André, São João Paulo II, afirmava: “Todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, também Eu darei testemunho dele diante o meu Pai que está no céu” (Mt 10, 32). André de Phú Yên, no Vietnam, fez suas estas palavras do Senhor com uma intensidade heroica. Desde o dia em que recebeu o Batismo, quando tinha 16 anos, dedicou-se ao desenvolvimento de uma profunda vida espiritual (…) viveu como fiel testemunha de Cristo ressuscitado (…) dedicou todas as forças ao serviço da Igreja (…) até à dádiva do próprio sangue, para permanecer fiel ao amor d’Aquele a que se tinha consagrado totalmente”. 

Os católicos do Vietnam jamais esqueceram o André. Recordam-no como um jovem ativo ao serviço do evangelho, um jovem de fé serena e de sólida espiritualidade, de amor a Cristo e à sua Igreja. E São João Paulo II, na celebração citada, fazia votos para que o seu zelo e testemunho provocasse em “todos os catequistas a audácia de serem autênticas testemunhas da fé, através duma vida inteiramente dedicada a Cristo e aos irmãos!”.

Com enorme gratidão pela sua dedicação à causa do Evangelho, saudamos todos os e as catequistas, na esperança de que não desistam de o ser, não só pela palavra, mas também pelo testemunho de vida e de alegria, gerando empatia e adesão a Cristo no seio das comunidades. Bem hajam!…

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 07-08-2020.

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