Concluímos hoje a oitava do Natal: uma grande Solenidade com oito dias de celebração festiva! Nela contemplamos Deus incarnado, Deus despojado de si próprio e feito Menino, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 

Se Filho de Deus, também filho de Maria. Por isso, ao terminarmos o oitavário de celebração do nascimento de Jesus, celebramos Maria como Mãe de Deus. É este o seu maior título de glória e privilégio sem igual: ser Mãe de Deus.

A par, e com muita esperança no futuro, abrimos as portas a um novo ano civil com a marca de Dia Mundial da Paz. 

Neste raiar do novo ano, a primeira leitura que ouvimos, apresenta-nos uma bênção própria da liturgia judaica, ainda hoje em uso. É uma tríplice invocação do Senhor a fazer-nos lembrar a bênção da Igreja em nome da Santíssima Trindade. Com essas mesmas palavras, a Igreja implora a Deus para todos nós, para todas as famílias, para todas as instâncias de poder ao serviço da promoção do bem comum, para ti e para mim, essa bênção, rezando: “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz”. 

Com certeza que esta mensagem de bênção ecoa no silêncio de nós mesmos quando partilhamos uns com os outros os votos sinceros de Bom Ano. Se desejamos o melhor para todos e cada um no campo da saúde, dos êxitos familiares, profissionais e sociais, não devemos dispensar esta outra dimensão tão importante da vida, a graça de Deus. Sem as bênçãos e graça de Deus, por mais importante que seja tudo o resto, é sempre muito curto e balofo. E esta é também uma maneira de fomentar a cultura do cuidado de uns para com os outros, pois é bom que todos despertem e sintam a proximidade de Deus, o seu amor e proteção. Se estes sentimentos não estivessem presentes, seria sinal de que não se entendeu bem ou se esqueceu o sentido do Natal: Deus que vem ao nosso encontro, o Deus connosco, o Deus próximo e amigo que nos acompanha, abençoa e protege. 

São Paulo, na segunda Leitura, lembra-nos que Deus de tal forma nos amou que, na plenitude dos tempos enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, para nos resgatar e libertar. Para nos tornar seus filhos adotivos e seus herdeiros pela força da sua graça. Ora, se somos filhos de Deus, podê-lo-emos tratar com aquela mesma expressão familiar e carinhosa com que Cristo se dirigia ao Pai: ‘abbá’, palavra que podemos traduzir por ‘papá’ ou ‘paizinho’. Sabemos que nenhum judeu se atrevia a invocar Deus desta maneira. É de prever que os próprios discípulos também tivessem sofrido alguma estranheza em chamar Pai a Deus. Mas foi o próprio Jesus, quando lhes ensinou o Pai nosso, que os ensinou a dirigirem-se ao Pai que está nos Céus. 

São Paulo acrescenta que não só nos tornamos filhos de Deus, também somos herdeiros. E podemos perguntar: mas herdeiros de quê? 

Perante tanta grandeza, complexidade e maravilha da criação, perante tanta bondade de Deus manifestada nas suas criaturas, perante o amor de Deus revelado através de Cristo Jesus, nada de tudo isso se pode comparar ao que Deus ainda tem preparado para aqueles que o amam. É São Paulo que o diz desta forma. “Nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem jamais passou pelo coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2, 9).

Mas hoje também celebramos o Dia Mundial da paz. O Papa Francisco escolheu como tema para a sua Mensagem deste Dia, «a cultura do cuidado como percurso de paz». 

O Papa entende que a cultura do cuidado, “enquanto compromisso comum, solidário e participativo (…) constitui uma via privilegiada para a construção da paz”. Ajuda a erradicar “a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer (…). Tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros», acentua Francisco. Para quem “o auge da compreensão bíblica da justiça manifesta-se na forma como uma comunidade trata os mais frágeis no seu seio”. 

Desenvolvendo os vários campos em que a cultura do cuidado se pode promover, ao jeito de Jesus, ele afirma que as obras de misericórdia espirituais e corporais e o serviço social da Igreja, serviço esse que existe desde as origens e tem sido enriquecido ao longo dos tempos, proporcionam “a todas as pessoas de boa vontade um precioso património de princípios, critérios e indicações, donde se pode haurir a ‘gramática’ do cuidado: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação”. Lembra que “o conceito de pessoa, que surgiu e amadureceu no cristianismo, ajuda a promover um desenvolvimento plenamente humano. Porque a pessoa exige sempre a relação e não o individualismo, afirma a inclusão e não a exclusão, a dignidade singular, inviolável e não a exploração”. 

O Santo Padre apela aos “responsáveis das Organizações internacionais e dos Governos, dos mundos económico e científico, da comunicação social e das instituições educativas a pegarem nesta ‘bússola’ dos princípios acima lembrados para dar um rumo comum ao processo de globalização, ‘um rumo verdadeiramente humano’. Um rumo que “permitiria estimar o valor e a dignidade de cada pessoa, agir conjunta e solidariamente em prol do bem comum, aliviando quantos padecem por causa da pobreza, da doença, da escravidão, da discriminação e dos conflitos”.

Se nos fixarmos na Evangelho de hoje, aí se diz que os pastores, animando-se uns aos outros, saíram apressadamente para Belém, deram a conhecer o que lhes tinham dito acerca daquele Menino, que todos ficaram admirados com o que eles diziam e que regressaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, sobre Jesus. 

Esta pressa dos pastores reflete a esperança viva de quem acredita, manifesta o interesse e a alegria da possibilidade do encontro com Jesus. E eles encontraram-no deitado na manjedoura de um curral que seus pais haviam transformado na humilde casa de Jesus. Aí estava Jesus, envolto nuns pobres panos, mas rodeado de montanhas de ternura e amor. Maria e José comtemplavam com os olhos do coração tão misterioso e recém-chegado hóspede.

Nesta pressa dos pastores também podemos reconhecer a urgência da Igreja em anunciar. Podemos reconhecer o modo feliz e entusiasta de quem escuta a boa notícia do Evangelho e logo procura encontrar-se e conhecer Jesus Cristo. Podemos reconhecer a característica de quem se torna discípulo do Senhor, de quem sente a necessidade de sair para dar a conhecer a sua Pessoa e o seu projeto de justiça e de paz, depegar na bússola dos princípios sociais de que falamos e os anunciar, inspirado pela fraternidade, pelo respeito mútuo, pelos valores da solidariedade, do respeito pelas diferenças, pelo acolhimento e cuidado dos outros, sobretudo dos mais frágeis. 

Este dever de promover a cultura do cuidado requer um processo educativo que nasce na família e se prolonga na catequese, na escola, nos grupos, nas associações e movimentos, no ensino superior, nos meios da comunicação social, em todas as instâncias de serviço ao bem comum.

Com os votos de um Bom Ano e pedindo a proteção de Santa Maria Mãe de Deus para todos e cada um, reitero a bênção da primeira leitura da Solenidade de hoje: “O Senhor te abençoe e proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz”.

 

Antonino Dias

Igreja de São Lourenço

Portalegre, 01-01-2021

 

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