Pelo facto de vivermos em paz, não podemos ser indiferentes a esses cenários de guerra e ao povo que sofre as suas consequências, como sejam, por exemplo, os refugiados.

Celebramos a Solenidade de Santa Maria, Mãe do Menino Deus cujo nascimento acabamos de festejar. Celebramos também o primeiro dia do ano civil. E, desde 1968, o Dia Mundial da Paz. Foi o Papa Paulo VI que, há cinquenta anos, propôs que, neste dia, se rezasse pela paz, exaltando «o sentido e o amor da paz baseada na verdade, na justiça, na liberdade, no amor”. Cada ano tem tido o seu tema, dado pelo Papa. Neste ano, o Papa Francisco convida a refletir sobre a “não-violência como estilo duma política de paz”, e que seja ela, “a não-violência, a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros”.

A falta de paz tem sido uma constante em muitos lugares da terra. Na verdade, “enquanto o século passado foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, hoje, infelizmente, encontramo-nos a braços com uma terrível guerra mundial aos pedaços”. E esta violência que se exerce «aos pedaços», de maneiras diferentes e a variados níveis, “provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental”.

A par, assistimos a esta terrível consequência: a de responder à violência com a violência. Isto “leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra. No pior dos casos, pode levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos”.

Jesus viveu em tempos de violência, mas ensinou “que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a paz, é o coração humano: «Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Marcos 7, 21)”. Na verdade, “Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele percorreu até ao fim, até à cruz, tendo assim estabelecido a paz e destruído a hostilidade (cf. Efésios 2, 14-16). E ensinou os seus discípulos a amar os próprios inimigos (cf. Mt 5, 44). Por isso, o Papa diz-nos que “quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de reconciliação, como exortava São Francisco de Assis: «A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos vossos corações». Importa responder ao mal com o bem (cf. Romanos 12, 17-21), quebrando dessa forma a corrente da injustiça».

É pelo coração que o homem se torna sensível aos valores absolutos do bem, à justiça, à fraternidade e à paz. O desregramento do coração, é desregramento da consciência. E mesmo considerando a complexidade do exercício do poder, há sempre uma responsabilidade da consciência individual. E esta consciência é muitas vezes escravizada por sistemas sociopolíticos e ideológicos que são também eles obra do espírito humano, levam às manipulações ideológicas provocadas por um desejo agressivo, geram uma espécie de idolatria do poder, da força ou da riqueza, levam à autossuficiência racial e ao ódio dos outros, levam à inveja, à cobiça da terra ou dos bens dos outros; ou ainda, de uma maneira geral, leva à ambição do poder e desejo de estender o próprio domínio sobre os outros povos que eles desprezam (cf. Paulo VI, 1984).

Pelo facto de vivermos em paz, não podemos ser indiferentes a esses cenários de guerra e ao povo que sofre as suas consequências, como sejam, por exemplo, os refugiados.

“Se a origem donde brota a violência é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da não-violência dentro da família”. Faz parte da alegria do amor da família, educar para a paz e a tolerância, para a não violência. Na família, “cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão. A partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade”.

Ao celebrarmos o primeiro dia do ano civil e aguardando que seja um ano com muita alegria e muita paz para todos e com todos, acolhemos para nós a bênção que os Sacerdotes davam ao Povo de Deus enquanto caminhava em direção à terra prometida, estabelecida que foi a aliança entre Deus e o seu povo, entre o povo e o seu Deus. O povo não esquecia que tudo era dom do amor de Deus, desse Deus da aliança que sempre estava com ele e lhe oferecia o dom da vida e tudo quanto ia preenchendo o seu dia-a-dia.

A bênção, como ouvimos, pronuncia três vezes o nome de Deus. Dá atualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências. A cada uma das invocações correspondem dois pedidos de bênção que agora eu invoco sobre cada um de vós aqui presente para que ao longo deste ano que hoje começa, “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz’.

Começamos assim o ano, recordando o começo da aliança nova e da nova relação dos homens com Deus. Os votos contidos nesta bênção do livro dos Números, realizaram-se plenamente em Maria, enquanto destinada a tornar-se a Mãe de Deus e nela se realizaram antes de em todas as criaturas. Mãe de Deus é o título principal e essencial de Nossa Senhora. Trata-se duma qualidade, duma função que a fé do povo cristão, na sua terna e genuína devoção à Mãe celeste, desde sempre lhe reconheceu. Desde sempre m Maria está presente no coração, na devoção e sobretudo no caminho de fé do povo de Deus. E o nosso caminho de fé está indissoluvelmente ligado a Maria, desde o momento em que Jesus, quando estava para morrer na cruz, no-la deu como Mãe (cf. Francisco 1/12014).

O Evangelho de hoje, faz-nos regressar a Belém, acompanhando os pastores. A oitava do Natal culmina com este regresso até ao lugar onde acaba de nascer o Filho de Deus, para contemplarmos de novo o mistério, compreendermos melhor quem é esse Menino e qual a sua missão. É Deus que vem ao nosso encontro com uma proposta libertadora. E esta “boa notícia” foi dada, em primeiro lugar, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Jesus vem dizer-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.

Os pastores, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, dirigem-se “apressadamente” ao encontro do menino, ansiosos que estavam pela ação libertadora de Deus em seu favor. São aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão que primeiro recebem a notícia e reconhecem Jesus como o único salvador e se apressam a ir ao seu encontro. É d’Ele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede. E os pastores reagem ao encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador.

E assim tem sido ao longo dos séculos. Esta cultura do encontro com Cristo e de uns com os outros, gera alegria e atitude de ação de graças. Muda a vida. Mas esta vida mudada, convertida, precisa de vigilância.

São Paulo na segunda leitura manifesta a sua tristeza e firmeza pelo facto de os Gálatas se estarem a desviar da verdadeira doutrina, dando ouvidos a falsos pregadores. E pergunta-lhes, aos cristãos da Galácia, o que é que pretendem. Pede-lhes que se decidam: ou pela escravidão, ou pela liberdade. No entanto, adverte que é pouco inteligente ter experimentado a liberdade trazida por Cristo e querer voltar à escravidão. Recorda-lhes que a incarnação de Cristo e o objetivo da sua vinda ao mundo é fazer de cada um “filho de Deus” livre, capaz de partilhar a sua vida. Capaz de chamar a Deus “abbá”, numa experiência de filhos, livres e amados de Deus, não escravos, não meros cumpridores de regras e leis, mas filhos, em fraternidade universal, filhos, irmãos.

Tal como os pastores de belém, contemplando o amor de Deus para connosco, glorifiquemos e louvemos a Deus por tudo quanto Ele fez e faz por nós, e permaneçamos fortes e firmes na fé, com alegria e esperança.

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