E porque só a fraternidade extingue a guerra, Francisco insiste na necessidade de “uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão que deve cuidar e com o qual deve trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude.

O Evangelho facilmente coloca o nosso pensamento em Belém. Aí, como os pastores, também nós admiramos e contemplamos as pessoas e o local: São José, Maria e o Menino Deus deitado na manjedoura dum curral. Descansando neste silêncio curioso e contemplativo, saberemos contar, tal como os pastores, muito daquilo que nos tem sido dito acerca deste Menino, “o Príncipe da paz”, o “Messias prometido”, o “Deus connosco”, “o Filho de Deus”, o “Salvador”.

Ao iniciarmos este novo ano, pobres e humildes, prostramo-nos aos pés do Deus Menino e pedimos-lhe que nos abençoe e proteja, que faça brilhar sobre nós a sua face e nos seja favorável, que volte para nós o Seu olhar e nos conceda a sua paz! Paz no interior de cada um, de cada família, de cada instituição, do país, em toda a comunidade humana. Paz que é Ele, Jesus Cristo, luz do mundo, caminho, verdade e vida. Paz que é Deus à imagem do qual fomos criados, que nos gerou como filhos e nos tornou irmãos e herdeiros, como refere a 2ª Leitura. Esta fraternidade universal alicerçada neste Pai comum que é Deus, esta aspiração irreprimível de fraternidade “é uma dimensão essencial do homem” e “leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão”. Só ela torna possível “a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura”. O Papa Francisco sujeitou a sua primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz que hoje celebramos ao tema da fraternidade: “Fraternidade, fundamento e caminho para a paz”. “Ainda hoje, esta vocação (da fraternidade) é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos. Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas. A globalização, como afirmou, Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis»”.

O Santo Padre, atira com o nosso pensamento para as origens, pois, diz ele, que para “compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta na Sagrada Escritura. Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta primeira família, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos. Abel é pastor, Caim agricultor. A sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua atividade e cultura. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predileção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho, (…) mata Abel por inveja. Recusa reconhecer-se irmão e relacionar-se positivamente com ele. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua ação, responde: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16). Esta narração “ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças”.

Francisco apresenta como fundamento da fraternidade, a paternidade de Deus. “Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz”, mas “de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha ativa. (…) Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos”.

É apoiado nestes argumentos que o Papa afirma ser “fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz” (…) cujas obrigações radicam “na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspeto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais corretos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros”.

Desenvolvendo o tema da fraternidade como premissa para vencer a pobreza, o Papa, chama a atenção para a descoberta da fraternidade na economia, pois, segundo ele, “as graves crises financeiras e económicas dos nossos dias (…) impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma economia saudável”.

E porque só a fraternidade extingue a guerra, Francisco insiste na necessidade de “uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão que deve cuidar e com o qual deve trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude.

Além disso, não deixa de referir que a fraternidade “gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Por isso, diz que uma comunidade política deve agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Mas denuncia que, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito. Só um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, promovendo a possibilidade das pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se, socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global”. E afirma: “Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. (…) No contexto alargado da sociabilidade humana, considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate …”.

Divagando por muitos outros lugares, o Santo Padre conclui, afirmando que há “necessidade que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a fraternidade. O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a atividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objeto passível de exploração”.

Caros fiéis, porque temos um Pai comum que é Deus, sintamo-nos verdadeiramente irmãos, dêmos as mãos e ajudemos a construir a paz, com verdade e coerência, pedindo a Deus que nos abençoe e proteja, que faça brilhar sobre nós a sua face e nos seja favorável, que volte para nós o Seu olhar e nos conceda a sua paz!

Partilhar:
Comments are closed.