Num mundo tão cheio de quiproquós a perturbar a beleza da vida e o desejo de viver, renasce uma nova esperança. As aves de arribação já começaram a chegar à lusa pátria, a paisagem ganha novo colorido. A primavera arrasta consigo uma abada cheia de promessas, qual delas a mais florida, encantadora e apetitosa, a nutrir até mais não os mais ansiosos pelo raiar desse nova aurora. Os seus abnegados construtores já se atropelam uns aos outros naquele frenesim de quem acha que deve e quer chegar primeiro. Cada um lá rabuja à porfia com o outro, a ver qual deles eleva mais alto a fasquia provocando vivas e aplausos.

Não sei é se será boa coisa. Não sei se será o melhor exercício da nobre arte de tocar a coisa pública para a frente. Isso, porém, não é de trazer à liça neste momento de tanto entusiasmo ateado, não se devem desmanchar prazeres. Ainda por cima, aparentemente, no imediato, não custa nada imaginar coisas e loisas e dizer loisas e coisas. Tudo isso espicaça sentimentos com gana de alinhar, solta emoções irresistíveis, responde à psicologia das multidões, sabe bem ao ouvido de quem escuta, suscita fascínio nas tropas e paixão pelas picardias, basta ter pulmões à Tarzan e microfones apontados… aí arrenegam uns e exaltam-se a si próprios… é um ver se te avias!…. É um leilão ao jeito do das festas populares, com charanga, sardinha em abundância, pimentos a condizer e carrascão a inundar. Ao mesmo tempo, na esquina da curva, o Zé, sempre inteligente e arguto, prepara-se para apanhar os vezeiros de tanto bem-fazer apregoado: deixem-nos andar, “quanto mais subirem, maior será o trambolhão!”

Eu sei que descer da cruz para agradar ao povaréu é estimulante. Eu sei que fazer da cabeça uma cabeça académica é muito mais difícil, dá muito trabalho. Pensar é mesmo uma trabalheira levada da breca, é tarefa medonha, enfadonha, tristonha e tudo o mais terminado em onha! Fácil e atrativo, porém, é dar aso à imaginação, é atirar com a realidade às malvas, é seguir em frente a espalhar benesses ao vento, esquecendo o terreno que se pisa e as suas cascas de banana!…. Mas a pressa em prometer anda no ar, há tratores de desilusão na rua, há caminhadas e acampamentos de protesto, há dormidas ao relento, há corredores de hospitais ensonados, há escolas sem ensino e justiça adiada, há tristeza hospedada em casa de tantas famílias sem tudo, há um interior do país a precisar de atenção continuada, não de salpicos, de repentes…

Também há quem tudo queira resolver complicando ainda mais. Se o sonho comanda a vida, é preciso sonhar com os pés bem assentes no chão e as mãos bem firmes no andarilho. Escorregar ou cair, além do triste espetáculo, pode causar um prejuízo incalculável ao quebrar as pedras da calçada com tantos narizes de Pinóquio. Acho que, se não se arrepiar caminho, Portugal vai continuar a ser mesmo uma verdadeira potência nuclear, ai vai vai. Disso já estamos experimentados e sobejamente avisados até mesmo pela sofrida experiência dos cidadãos do aquém e do além das urnas! Quando menos se pensa, o mar de rosas acaba em ribeirinho gretado pela seca, envergonhado e ressequido, mas cheio de terramotos, marmotos, furacões e tempestades a levar tudo de charola, com consequências para além da taprobana, por vezes, para trás das grades que fazem olhar o sol aos quadradinhos.

O Bartoon de Luís Afonso, de 28 de janeiro, no jornal Público, lembrava aos seus leitores que estamos debaixo de um perigo terrivelmente perigoso. Com um obrigado pelo seu humor e com a devida vénia, reproduzo o texto que ele colocou na boca dos dois perspicazes interlocutores. Entretanto, aguardamos que, com tanto bem-fazer anunciado, o futuro não arme mais desta borrasca nuclear lá por onde o povo jamais ordena. Coisa triste! o entusiasmo do voto cai na urna, logo fica pronto para o velório!

E diz o primeiro interlocutor: – “Sempre ouvi dizer que a dissolução do Parlamento é uma bomba atómica”. E confirma o segundo:  – “Sim, é verdade”. Volta o primeiro: – “Acontece que, nos últimos três anos, já houve duas dissoluções da Assembleia da República… Outra na Assembleia dos Açores e perspetiva-se mais uma na Assembleia da Madeira”. E, de novo, casquina o segundo: – “O que quer que lhe diga? Portugal é uma potência nuclear…”.

Nem mais! Como veem, estamos fritos e cozidos. Não sei até se, com medo de tão grande arsenal, já estará em curso uma alta cimeira a planear uma invasão lá para os lados do Belenenses, demovendo o árbitro que tem o poder de despoletar o botão dessas armas para expulsar os atletas do relvado.

Só a verdade vos libertará, disse o maior revolucionário de todos os tempos. Nunca prometeu coisas fáceis, nunca aliciou o povo com cantigas, mas com verdade e firmeza, com credibilidade, dando a vida, morrendo pelo povo!

Antonino Dias

Portalegre-castelo Branco, 02-02-2024.

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