A Semana Cáritas é um despertador da Igreja para dentro de si própria, mas ecoando também no seio da sociedade em que vivemos. Todos somos convidados a acordar e a levantar animados pela vontade de fazer o bem. A ecologia integral implica um verdadeiro equilíbrio entre a atividade económica, o bem-estar social, as condições de vida digna e a preservação da natureza. Se tudo está assim tão interligado, há que tornar muito mais alta e mais forte a voz dos pobres e excluídos, sofrendo com eles, com eles lutando pelos seus direitos, denunciando as injustiças de que são vítimas e dando as mãos para que venham a ter uma vida mais digna, menos sofrida, tantas vezes desesperada. O grito dos pobres é o grito da terra. O grito da terra é o grito dos pobres a reclamarem mais atenção nas programações pastorais, nas decisões políticas e dinâmicas sociais, procurando que tudo seja centralizado no bem e na dignidade das pessoas.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a taxa de risco de pobreza em Portugal aumentou em 2022 para 17%, abrangendo todos os grupos etários. Tal percentagem da população viveu abaixo da linha de pobreza. São 1,78 milhões de pessoas, mais 81 mil do que no ano 2021, num ano marcado pela inflação, pela subida de preços, pela crise na habitação, pela desigualdade de rendimentos. Estes dados são de 2022, mas a Cáritas Portuguesa fala que a realidade diária que se vive na rede Cáritas, no terreno, é bem mais séria e preocupante. Os pobres são os protagonistas do caminho da Igreja, assim se acentuou, mais uma vez, na XVI Assembleia Geral do Sínodo, de cujo entendimento nos dá conta o Relatório Síntese da mesma, aproveitando esta oportunidade para tornar presente o que foi dito:

– ‘À Igreja os pobres pedem amor. Por amor entende-se respeito, acolhimento e reconhecimento, sem os quais dar alimentos, dinheiro ou prestar serviços sociais representa uma forma de assistência certamente importante, mas que não se encarrega plenamente da dignidade da pessoa. sRespeito e reconhecimento são instrumentos poderosos de ativação das capacidades pessoais, de modo que cada um seja sujeito do seu próprio percurso de crescimento e não objeto da ação assistencial de outros.

– A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica: Jesus, pobre e humilde, travou amizade com os pobres, caminhou com os pobres, partilhou a mesa com os pobres e denunciou as causas da pobreza. Para a Igreja, a opção pelos pobres e descartados é uma categoria teológica ainda antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica. Para São João Paulo II, é aos pobres que Deus concede em primeiro lugar a sua misericórdia. Esta preferência divina tem consequências na vida de todos os cristãos, chamados a nutrir «os mesmos sentimentos de Cristo Jesus» (Flp 2,5).

– Não há apenas um tipo de pobreza. Entre os múltiplos rostos dos pobres há os de todos aqueles que não têm o necessário para levar uma vida com dignidade. Depois, há os dos migrantes e refugiados; povos indígenas, originários e afrodescendentes; os que sofrem violência e abuso, de modo particular as mulheres; pessoas com dependências; minorias às quais é sistematicamente negado o direito a ter voz; idosos abandonados; vítimas do racismo, da exploração e do tráfico, de modo particular menores de idade; trabalhadores explorados; pessoas economicamente excluídas e outras que vivem nas periferias. Os mais vulneráveis entre os vulneráveis, a favor dos quais é necessária uma constante ação de defesa, são as crianças no ventre materno e as suas mães. A Assembleia está consciente do clamor dos “novos pobres”, produto das guerras e do terrorismo que martirizam muitos países em diferentes continentes, e condena os sistemas políticos e económicos corruptos que são a sua causa.

– A par das múltiplas formas de pobreza material, o nosso mundo conhece também as formas da pobreza espiritual, entendida como falta de sentido para a vida. Uma excessiva preocupação consigo mesmo pode levar a encarar os outros como uma ameaça e a fechar-se no individualismo. Como foi notado, as pobrezas materiais e as pobrezas espirituais, quando se aliam, podem encontrar as respostas às necessidades uma da outra. Este é um modo de caminhar juntos que torna concreta a perspetiva da Igreja sinodal que nos revelará o sentido mais pleno da bem-aventurança evangélica: «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3).

– Estar ao lado dos pobres significa comprometer-se com eles também no cuidado da nossa casa comum: o clamor da terra e o clamor dos pobres são o mesmo clamor. A falta de reações faz da crise ecológica e, particularmente, das alterações climáticas uma ameaça para a sobrevivência da humanidade, como sublinha a Exortação apostólica Laudate Deum, publicada pelo Papa Francisco em concomitância com a abertura dos trabalhos da Assembleia sinodal. As Igrejas dos países expostos às consequências das alterações climáticas têm consciência viva da urgência de uma mudança de rumo e isto representa um seu contributo para o caminho das outras Igrejas do planeta.

– O compromisso da Igreja deve chegar às causas da pobreza e da exclusão. Isto engloba a ação para tutelar os direitos dos pobres e dos excluídos, e pode exigir a denúncia pública das injustiças, sejam elas perpetradas por indivíduos, governos, empresas ou estruturas da sociedade. É por isso que é fundamental a escuta das suas instâncias e do seu ponto de vista, para lhes emprestar a voz, usando as suas palavras.

– Os cristãos têm o dever de esforçar-se por participar ativamente na construção do bem comum e na defesa da dignidade da vida, inspirando-se na doutrina social da Igreja e agindo de diversas formas (compromisso nas organizações da sociedade civil, nos sindicatos, nos movimentos populares, no associativismo de base, no campo da política, etc.). A Igreja exprime uma profunda gratidão pela sua ação. As comunidades sustentam todos os que atuam nestes campos num autêntico espírito de caridade e de serviço. A sua ação é parte da missão da Igreja de anunciar o Evangelho e de colaborar para o advento do Reino de Deus.

– Nos pobres a comunidade cristã encontra o rosto e a carne de Cristo, que sendo rico fez-se pobre por nossa causa, para que, pela sua pobreza, nos tornássemos ricos (cf. 2Cor 8,9). Ela é chamada não apenas a tornar-se próxima deles, mas a aprender com eles. Se fazer sínodo significa caminhar juntamente com Aquele que é o caminho, uma Igreja sinodal precisa de colocar os pobres no centro de todos os aspetos da sua própria vida: através dos seus sofrimentos têm um conhecimento direto de Cristo que sofre (cf. Evangelii gaudium, n. 198). A semelhança da sua vida com a do Senhor torna os pobres anunciadores de uma salvação recebida em oferta e testemunhas da alegria do Evangelho”.

 

Antonino Dias

Portalegre-castelo Branco, 25-02-2024.

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