Ai se eu soubesse o que sei hoje!… Usa-se esta expressão para dizer que, se soubéssemos isto ou aquilo que hoje sabemos, não teríamos metido, tantas vezes, a pata na poça ou o pé na argola, teríamos sido e agido de forma diferente. No entanto, hoje sabemos muita coisa de coisas muitas, mas agimos como se nada soubéssemos. Isso atribui-nos mais responsabilidade e faz-nos carregar maior culpa quando não agimos em conformidade.

Ora, a semana que se aproxima, vai-nos ajudar a entrar progressivamente na celebração dum acontecimento levado a cabo pela prepotência de quem fechou os ouvidos e o coração à verdade e à justiça. De quem teimou em não querer saber mais, pensando que tudo sabia e agia mais que bem. Aliás, o injustiçado não se cansou de lhes dizer quem era, de onde vinha, porque é que vinha e para o que é que vinha. Chamou-lhes a atenção para tudo o que estava dito e escrito sobre o que haveria de acontecer, sobre aquilo que eles, doutores de tal ciência, sabiam, esperavam e ensinavam, e para o que Ele próprio – o injustiçado – dizia e fazia como concretização disso mesmo. Pois vamos recordar como é que eles fizeram orelhas moucas. Vamos celebrar o mistério pascal de Jesus, a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Senhor, o Filho de Deus. Vamos viver a Semana Santa, a Semana Maior! Se puder, não deixe de participar e celebrar.

Começamos com a Bênção e a Procissão de Ramos. Segundo uma pormenorizada descrição de uma peregrina do século IV, já nesse tempo se celebrava esta procissão em Jerusalém. Começava com a leitura da passagem do Evangelho que recorda o acontecimento, e, em seguida, o bispo e todo o povo caminhavam a pé, saindo do alto do Monte das Oliveiras até ao Santo Sepulcro, com hinos e antífonas, respondendo sempre: ‘Bendito Aquele que vem em nome do Senhor’. O mesmo testemunho refere a elevada participação do povo nessa Procissão, incluindo crianças, mesmo de tenra idade aos ombros dos pais. Toda a gente participava, uns com folhas de palmeiras, outros, com ramos de oliveira. De Jerusalém, com o tempo, esta Procissão foi-se estendendo a toda a Igreja. Ela recorda a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a cidade de David, a cidade centro e símbolo duma humanidade cheia de esperança nas promessas que lhe haviam sido feitas, uma cidade a vibrar de alegria porque soavam os alarmes a anunciar que tinha chegado a hora de tudo se concretizar: “Dança de alegria, cidade de Sião; grita de alegria, cidade de Jerusalém! Eis que o teu Rei, vem ao teu encontro, Ele é justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta” (Zac 9,9). Nesta feliz hora, há tanto tempo anunciada e desejada, neste momento tal solene e alegremente ruidoso e aplaudido, “numerosa multidão estendia as capas no caminho; outros cortavam ramos de árvores e espalhavam-nos pelo chão. E tanto as multidões que vinham à frente de Jesus como as que o seguiam, diziam em altos brados: ‘Hossana ao Filho de David! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!’. Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou em alvoroço. “Quem é Ele?” – perguntavam. E a multidão respondia: “É Jesus, o profeta de Nazaré da Galileia” (Mt 21, 1-11).

A entrada dos peregrinos em Jerusalém fazia-se a pé. Jesus, porém, desta vez, faz questão em entrar a cavalo. Não com aquele espetáculo de um rei a caminho do seu trono no palácio real, cheio de pompa e circunstância, de pajens e continências, altivo e dominador. Jesus, o Rei dos reis, o Messias esperado, apresenta-se manso, humilde e pobre, despojado de toda a sua grandeza, montado num jumentinho. Sendo de condição divina, “não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz” (Fil 2, 6-11).

Sete séculos antes disto ter acontecido, o profeta Isaías descreve a atitude deste Servo sofredor de forma realista: “Apresentei as costas àqueles que me batiam, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido” (Is 50, 5-7). Foi por tudo isto, por esta obediência ao projeto de salvação sonhado no seio da Trindade, que “Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fil 2, 6-11).

Amor com amor se paga! No entanto, todos nós, pecadores, sempre que recaímos nos vícios e no pecado, sempre que mergulhamos na desordem e no mal, o Filho de Deus é crucificado de novo no nosso coração, expondo-o à ignomínia. A nossa responsabilidade, afirma São Paulo (1 Cor 2, 8), é muito maior do que a daqueles que o levaram ao Calvário. Nós sabemos quem Ele é, o que Ele disse e fez. Se aqueles que o condenaram à morte “tivessem conhecido a Sabedoria de Deus, não teriam crucificado o Senhor da glória” (cf. CIgC598).

A indiferença para com Deus é grande! Ele, que nos criou para interagirmos no amor, é tratado como se não existisse ou nada tivesse feito ou faça por nós. O mundo, porém, precisa de o conhecer cada vez mais. Precisa de conhecer a pessoa de Jesus Cristo, o estilo de vida que anunciou, as suas palavras e as suas ações, o seu projeto profundamente humanizante, a sua história e testemunho de vida, a sua linguagem simples e acessível, a sua preocupação e ação pela bem de todos, a sua proximidade e empatia com os mais frágeis e sofridos, as suas prioridades em benefício da justiça e da paz, da tolerância e do respeito mútuo, o seu compromisso com a história, a sua mensagem de esperança.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 31-03-2023.

 

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