Vamos viver um novo Domingo da Palavra, da Palavra de Deus. As pessoas de bem, conscientes das consequências funestas que as palavras podem ter, sabem usá-las com prudência, e, muitas vezes, como excelente meio para tocar a mente e o coração das pessoas, para lhes potenciar respostas e ações positivas, para lhes provocar mudança de rumo. Com a palavra, partilham-se e expressam-se ideias e sentimentos, conhecimentos e preocupações, provocam-se atitudes e bons comportamentos, transforma-se o mundo. Usada como instrumento ao serviço da paz e do bem fazer, a boa palavra marca a diferença e produz efeito: ‘onde há ódio, leva o amor, onde há ofensa, leva o perdão, onde há discórdia, leva a união, onde há dúvida, leva a fé, onde há erro leva a verdade, onde há desespero, leva a esperança, onde há tristeza, leva a alegria, onde há trevas, leva a luz’.

A atitude de quem usa a palavra para difamar, caluniar, ofender, minimizar, manipular, dividir, destruir pessoas e famílias tem consequências terríveis. Semeia ventos e tempestades, colhe a satisfação de sentir os outros a sofrer pelo mal que lhes faz, um mal, do qual, não raro, jamais se conseguem libertar. São Paulo adverte: “exorto-vos a que tenhais cautela com os que provocam divisões e escândalos…; desviai-vos deles…com palavras lindas e lisonjeiras enganam os corações dos ingénuos” (Rm 16, 17-18).

Deus também se quis comunicar connosco, por amor. Ele próprio fez-se Palavra e boa notícia. Na sua bondade e sabedoria, depois de ter comunicado muitas vezes e de muitos modos, pela criação, pelos profetas, pela história da salvação vivida pelo povo de Israel, falou-nos através de Seu Filho, o verbo eterno, que nos revelou o Pai e deu a conhecer o mistério da sua bondade e misericórdia. Deus falou e continua a falar aos homens como amigo. A todos e a cada um Ele fala na sua própria língua e circunstâncias, na sua história e cultura, em todos os tempos. Assim como o Verbo de Deus se assemelhou aos homens, fazendo-se homem pela encarnação, assim a linguagem de Deus se torna intimamente semelhante à linguagem humana (cf. DV13…).

À luz da razão, o homem pode chegar a ter algum conhecimento de Deus. No entanto, através da revelação de si mesmo, Deus quis transformar esse conhecimento, pela fé e pelo Espírito Santo, numa relação de amor. Por meio de palavras, obras, sinais e prodígios, intimamente relacionados entre si, o Filho de Deus quis viver e conviver com os homens. Caminhando com eles, fazendo-se companheiro de viagem, convidou-os à comunhão com Ele e entre si, manifestou-lhes a vida íntima de Deus – quem o vê, vê o Pai -, consumou a obra de salvação em obediência ao Pai. N’Ele, em Jesus, tudo fala de Deus. A sua humanidade torna visível o mistério de Deus invisível, é o Deus connosco. Com a sua doação na cruz e gloriosa ressurreição venceu a morte, deu-nos a vida, libertou-nos das trevas do pecado e da morte, ressuscitou. Como Ele e por Ele, também nós haveremos de ressuscitar para a vida eterna. Pelos tempos fora, o dom do Espírito Santo que Ele nos enviou, ajuda-nos a entender o mistério de Deus por Ele revelado e o sentido da nossa vida, para que possamos viver como seus irmãos e filhos de Deus, herdeiros dos bens do Pai, agradecidos e fiéis.

Somos criados pela Palavra e destinatários da mesma, à qual devemos abrir o nosso coração. Não nos podemos compreender nem perceber a nossa missão sem a escuta da palavra divina que precisa da nossa resposta livre para que Deus entre na nossa vida.

Por isso, a Palavra de Deus é indispensável na liturgia, na catequese, na oração pessoal e comunitária, na dinâmica da conversão, em toda a ação eclesial e pastoral. É uma fonte inesgotável de crescimento espiritual e de encontro com Deus. “É viva e eficaz, mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração” (Hb 4,12). Torna-nos verdadeiramente livres, levando-nos a fazer o bem que queremos e a evitar o mal que não queremos (cf. Rm 7,19-20). Quando acompanhada de oração, do diálogo entre Deus e o homem, a Palavra de Deus aperfeiçoa, liberta, limpa a mente, a alma e o coração, purifica, santifica, ajuda a discernir o que é bom, o que é perfeito. “É adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa” (2Tim 3, 14-17). Por isso, a forte exortação de São Paulo a Timóteo continua atual para todos: “proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência. Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos de acordo com os próprios desejos. Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão aos sabor das fábulas. Quanto a ti, sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faz o trabalho de um anunciador do Evangelho, realiza plenamente o teu ministério” (2Tim 4, 1-5).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 19-01-2024.

 

 

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