Acaba de sair o ‘Instrumento de Trabalho’ para a próxima assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos, a qual decorrerá durante o próximo mês de outubro, em Roma. O texto, do qual faço eco, não é um texto conclusivo, não indica o fim duma iniciativa. Assinala, isso sim, mais uma etapa de todo um processo sinodal em marcha. Não é o resumo do que se passou a partir da escuta do Povo de Deus. No entanto, dá-nos uma compreensão progressiva da sinodalidade, a partir de dentro, num processo dinâmico em que se falou, escutou e dialogou, de forma construtiva, respeitosa e orante, sem impor opiniões, sem decidir por maiorias, sem dizer por dizer. É fruto do que se foi expondo sobre a natureza da Igreja sinodal, como se foram abordando as questões e as tensões que é preciso enfrentar, explorar e discernir para que a conversão sinodal da Igreja aconteça, de forma visível e permanente. O texto dá-nos a perceber como se realiza, hoje, em diferentes níveis, aquele ‘caminhar juntos’ que permite à Igreja não só anunciar o Evangelho mas também discernir os passos que o Espírito Santo, o seu verdadeiro protagonista e guia, a convida a dar, infundindo-lhe confiança. Este estilo e experiência sinodal rasgam horizontes de esperança, são um sinal claro da presença e da ação do Espírito a conduzir a Igreja através da história, tornam praticável o modo evangélico de lidar com as mais diversas situações, de as acolher e discernir.

Tudo começou com a consulta ao povo de Deus a nível das paróquias e das dioceses, com sínteses elaboradas a nível nacional. Estas ideias, reações e sugestões de quem quis colaborar, foram reunidas por cada uma das Conferências Episcopais e por cada um dos Sínodos das Igrejas Orientais, que, chamados a refletir e discernir, elaboraram um texto, captando adequadamente as contribuições dos participantes a nível das suas dioceses e eparquias, ou mesmo a nível online, textos que foram enviados à Secretaria-Geral do Sínodo, em Roma. A partir da leitura e análise de todos estes contributos, um grande grupo de especialistas redigiu o primeiro ‘Documento de Trabalho’ que serviu de base às reuniões das sete instâncias da Etapa Continental: África, Oceânia, Ásia, Médio Oriente, América Latina, Europa e América do Norte. O objetivo era concentrarem-se nas intuições e tensões que ressoaram mais fortemente na experiência da Igreja em cada continente e identificar aquelas que, da perspetiva de cada continente, representam as prioridades a serem abordadas na Assembleia Ordinária do Sínodo, em outubro. Desta forma, cada Assembleia Continental produziu, consensualmente, um Documento Final que, enviado à Secretaria-Geral do Sínodo, em Roma, deu origem ao segundo ‘Instrumento de Trabalho’, documento que, esse sim, vai servir de base à reflexão, oração e discernimento dos participantes na XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2023. Alimenta-se a esperança de que esta experiência universal dê origem a uma nova primavera para a escuta, o discernimento, o diálogo e a tomada de decisões na Igreja, de modo que todo o Povo de Deus possa caminhar melhor em conjunto, entre si, e com toda a família humana, sob a orientação do Espírito Santo.

Este documento em causa não sugere respostas, apenas aponta e articula algumas intuições que surgiram no processo, abre perguntas e convida a um maior aprofundamento e discernimento. Como é suposto, é fruto dum trabalho que envolveu um grande número de pessoas de diferentes partes do mundo e com diferentes competências. É um documento da Igreja que foi capaz de dialogar com várias sensibilidades e campos pastorais de todo o mundo, destacando as características da Igreja sinodal que emergiram da experiência desses dois anos e o modo de proceder que foi identificado como um elemento-chave para se tornar cada vez mais uma Igreja sinodal. E logo surgem prioridades que emergem de todo o processo, exigem um discernimento mais aprofundado, como, por exemplo, a comunhão, um sinal e um instrumento de união com Deus e da unidade de toda a humanidade, na qual é preciso crescer, acolhendo a todos, sem excluir ninguém, em fidelidade ao Evangelho; a corresponsabilidade e participação, uma exigência da fé batismal que desafia a compartilhar os dons e as tarefas ao serviço do Evangelho, de forma criativa e concreta, reconhecendo e valorizando a contribuição de cada pessoa em prol da missão comum, com estruturas e instituições, dinâmicas e estilo de autoridade que sejam capazes de fomentar uma Igreja verdadeiramente sinodal missionária; a necessidade de uma cultura e de uma espiritualidade sinodais, um desejo de conversão, uma formação adequada e uma linguagem renovada quer na liturgia, na pregação, na catequese e na arte sacra, quer em todas as formas de comunicação dirigidas tanto aos seus membros quanto ao público em geral.

Uma Igreja sinodal é fundada no reconhecimento de uma dignidade comum derivada do Batismo, é uma Igreja que ouve e uma Igreja que escuta, é uma Igreja que deseja ser humilde e sabe que tem muito a aprender. É uma Igreja de encontro e diálogo, que não tem medo da diversidade, mas a valoriza sem a forçar à uniformidade. É uma Igreja aberta e acolhedora, que abraça toda a gente e tem a capacidade de gerir as tensões sem ser vencida por elas. Como ressalta do Documento, a sinodalidade, se é um caminho privilegiado de conversão, reconstitui a Igreja na unidade, cura as suas feridas, reconcilia a sua memória, acolhe as diferenças, tem consciência de que é vulnerável e incompleta, permanece aberta às surpresas de Deus enquanto caminha pela história em direção à pátria definitiva. É também uma Igreja de discernimento, na riqueza de significados que esse termo assume dentro das diferentes tradições espirituais. Ser uma Igreja de discernimento significa ser o espaço para a ação do Espírito, que nos convida a crescer na capacidade de reconhecer os seus sinais.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 23-06-2023.

 

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