Conta-se que iam dois sacerdotes, estrada fora, em franca e animada cavaqueira. Um era franciscano, jesuíta era o outro. Vendo-os, saiu-lhes a caminho um jovem, da aldeia próxima, que, mui respeitosamente, lhes pergunta: Senhores Padres, por favor, poder-me-ão dizer que novena devo fazer para obter a graça de um BMW? Arregalando os olhos em tom de acolhimento e solicitude, cada um dos Padres logo deitou mão aos arquivos do seu largo e enciclopédico sótão. E eis senão quando, pendurado no silêncio de quem ignora, pergunta o Padre franciscano: ‘mas, ó jovem, o que é isso de um BMW?’ E logo, não menos intrigado, sem grande demora, pergunta também o Jesuíta: ‘e que coisa é essa de uma novena?’ E assim, a piedade tão piedosa e a ambição tão ambicionada daquele jovem esbarraram com toda esta iliteracia automobilística e devocional!… Paciência!…

É certo que somos uns eternos perguntadores. E se todas as perguntas são legítimas, concordamos que umas são inteligentes e sérias, outras, assim e assim, e outras são mesmo conversa de chacha. No 'Línguas de Perguntador', um Restaurante na Vila de Oleiros, fazem-se outras perguntas, recomenda-se!

A Bíblia também nos apresenta muitos fazedores de perguntas, quer por curiosidade, quer para esclarecimento, quer em busca da verdade, quer em jeito de método para ensinar, quer porque boas ou más circunstâncias as reclamam. Algumas são mesmo muito incómodas, fazem mossa e doem muito mais que as feitas nas Comissões Parlamentares de Inquérito da Assembleia da República. Ali, no Livro Sagrado, Deus faz perguntas, Cristo faz perguntas, os Anjos fazem perguntas, pessoas diversas fazem perguntas, a burra de Balaão faz perguntas, o próprio demónio faz perguntas…

A primeira pergunta que lá nos aparece a fazer entornar o caldo é a da mafiosa serpente: “É verdade que Deus disse que não deveis comer de nenhuma árvore do jardim?” (Gn 3,1). E porque Adão e Eva foram totós, esconderam-se, mas logo Deus pergunta a Adão: “onde estás?”, e a Eva “que fizeste?” (Gn 3, 8.13). A Caim, que havia morto o irmão, Deus pergunta: “onde está o teu irmão Abel?” (Gn 4,9). E pergunta Caim, respondendo: “Sou, porventura, o guarda do meu irmão Abel?” (Gn 4,9). “Saulo, Saulo, porque Me persegues?”, pergunta Cristo a Saulo que ia perseguir os cristãos. E pergunta Saulo: “Quem és Tu, Senhor?”. “Eu sou Jesus a quem tu persegues” (cf. At 9,4-5).

O que fizermos ou não fizermos aos outros é a Jesus que o fazemos ou deixamos de fazer (cf. Mt 25, 40.45). Jesus tudo fez por nós, deu a própria vida, identificou-se com todos e cada um, sobretudo com os mais pobres e excluídos, mandou que nos amássemos uns aos outros e que todos fizéssemos como Ele fez, pois seria por esse sinal que todos nos haveriam de conhecer. Não se manifestou indiferente para com ninguém. E porque quis que nós fizéssemos o mesmo, Ele continua a perguntar a cada um de nós: "Onde está o teu irmão?". Recordemos o que já no século IV, afirmava S. João Crisóstomo:

“Deus entregou o seu Filho; e tu nem sequer dás pão Àquele que por ti Se entregou à morte. O Pai, por amor de ti, não poupou o seu próprio Filho; e tu, vendo-O desfalecer de fome, não O socorres, enquanto te aproprias do que é d’Ele só para teu benefício. Haverá iniquidade maior do que esta? Por amor de ti foi entregue, por amor de ti foi morto, por amor de ti anda faminto; o que tu darias é seu, mas o ganho seria teu; e nem assim te resolves a dar. Não serão mais insensíveis do que as pedras aqueles que, apesar de tão fortes imperativos, continuam na sua diabólica desumanidade? Cristo não se contentou com sofrer a cruz e a morte; quis também ser pobre e peregrino, andar errante e padecer frio, ser lançado no cárcere e suportar a enfermidade: tudo isso para te chamar. Se não te sentes obrigado pelo que Eu sofri por ti, compadece-te ao menos da minha pobreza. E se não queres compadecer-te da minha pobreza, dobra-te ao menos perante a minha enfermidade ou a minha prisão; se nem isto te move a sentimentos de humanidade, rende-te então pela insignificância do que se te pede. O que te peço não custa muito: pão, abrigo, palavras de conforto. Se apesar disso permaneces insensível, decide-te ao menos a ser melhor por causa dos prémios que prometi: o reino dos Céus. Mas nem sequer isto te convence? Deixa-te comover ao menos pelo sentimento natural ao veres um nu e lembra-te da nudez que Eu sofri na cruz por teu amor. Se não te move a nudez do teu próximo, compadece-te ao menos, vendo nele a minha nudez e pobreza. Estive outrora preso por causa de ti, e também por causa de ti o estou agora, para que tu, movido por aqueles ou estas cadeias, tenhas por Mim algum sentimento de compaixão. Jejuei por causa de ti, e de novo passo fome por causa de ti; tive sede quando estava suspenso na cruz, e agora tenho sede na pessoa dos pobres: oxalá o meu passado ou o meu presente pudesse atrair-te a Mim e tornar-te compassivo parta bem da tua alma. Obrigado assim por mil benefícios, peço-te que mos pagues; não to exijo como a devedor, antes quero recompensar-te como a doador; e pelo pouco que Me deres, dar-te-ei o reino. Não te digo: “Põe fim à minha pobreza”; nem te digo: “Dá-me riquezas”, ainda que seja por causa de ti que sou pobre. Só te peço algum pão, alguma roupa e um pouco de consolação na minha necessidade. Se Eu estiver na cadeia, não te obrigo a que Me livres e faças sair; só te peço que Me venhas visitar, a Mim, preso por amor de ti. Este favor bastará para que Eu te conceda o reino dos Céus. É verdade que te libertei de pesadíssimas cadeias; mas dar-me-ei por satisfeito se, estando Eu preso, Me vieres visitar. Eu poderia certamente, mesmo sem nada disso, dar-te o prémio; mas quero ficar a ser teu devedor, para que esperes o prémio com maior confiança”.

De facto, "Nem todo aquele que Me diz 'Senhor, Senhor, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade de Meu Pai que está no Céu" (Mt 7,21).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 5-5-2023.

 

 

 

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