Desde que Adão e Eva partiram os pratos e foram expulsos daquele jardim à beira rios plantado, a humanidade jamais correu sobre rodas. Segundo a mensagem do Génesis, Adão e Eva não tiveram pai nem mãe, mas foram os primeiros pais a sofrer a morte de um filho: Caim matou Abel, eram irmãos. O Papa João Paulo I, o “Papa do sorriso”, afirmou que “Deus é Pai, mas também é Mãe”. Foi Ele quem criou o homem e a mulher. Foi Ele quem esteve junto deles nessas horas difíceis e trágicas da sua vida familiar. Apesar de todo aquele mercadejar entre a serpente, Eva e Adão, apesar de não se poder provar bem bem qual o conteúdo concreto desse ato de corrupção, apesar de ninguém colocar em dúvida a sua existência, apesar de todos estarmos a sofrer as suas pesadas consequências, nunca houve rosas que fizessem esquecer tais espinhos nem tempo que fizesse prescrever esse delito. No entanto, se os penalizou, nunca Deus os abandonou, nem a eles nem a nós, seus descendentes, que apanhamos por tabela. Deus foi-nos falando ao longos dos tempos, como a amigos, para nos reconvidar à comunhão com Ele, ao ponto de nos enviar o seu Filho. A morte de Cristo na cruz é uma morte expiatória, cobre a multidão das corrupções humanas. É uma morte propiciatória, Deus perdoa, torna-se favorável. É um sacrifício vicário, uma morte substitutiva, Jesus morre por todos nós, em nosso lugar. É uma morte redentora, Jesus resgata-nos, reconcilia-nos com Deus, traz vida nova aos que n’Ele creem e vivem em conformidade. Viver em conformidade, é ter consciência daquela fragilidade humana que, se foi original, acabou por ser originante de todas as corrupções humanas. No entanto, mesmo que nem sempre seja fácil fugir aos hábeis truques do mafarrico, sabemos que Deus é fiel e ninguém é tentado acima das suas próprias forças, desde que aceite os meios e a força para suportar e sair da tentação (cf. 1Cor 10, 13). Com a formação humana e a força que brota da cruz, o agir humano é sempre passível de aperfeiçoamento nos caminhos do bem e do respeito pelos outros. 

Na reflexão passada, realcei a força da oração do pai, apresentando exemplos de pais que nos aparecem nos Evangelhos. Hoje realçarei sobretudo a importância da oração da mãe, e o seu testemunho, também a partir do Evangelho. Se é importante a presença ativa do pai para o bem da família, não o é menos a da mãe, sem prejuízo, como é evidente, da sua vida social e laboral (cf. GS52). 

Embora por lá se encontrem perfis de mães para muitos gostos, a Bíblia apresenta-nos grandes figuras de mães, exemplos de fé, confiança em Deus e oração. A mais importante de todas é, sem dúvida, Maria, esposa de José, a Mãe de Jesus. Nessas grandes figuras de mãe, a fé, a escuta e a aceitação da vontade de Deus na vida, não significou que a vida lhes fosse isenta de problemas, sofrimento e aflições, inclusive à Mãe de Jesus. No entanto, se a fé e a oração não evitam nem minimizam as vergastadas da vida sofridas por tantas pessoas e famílias, essas famílias e pessoas sabem olhar e enfrentar de modo diferente o sofrimento. Acabam por ter uma força interior capaz de tudo ultrapassar e transformar em caminho de santificação, gerando empatia, contagiando. 

Todos conhecemos a reação de Jesus tocado pela tristeza e dor da viúva de Naim que levava a sepultar o seu único filho, com grande presença e consternação da comunidade envolvente (Lc 7,11-17). Mas não vou falar dessa mãe. Prefiro apresentar o testemunho orante duma outra mãe, uma mãe sofrida com a grave doença da sua filha. Na linguagem de São Marcos, era uma mulher sirofenícia. São Mateus diz que era cananeia. 

Tanto para um como para outro, era uma mulher não judia, pagã. Para mim, é uma das mais belas e comoventes atitudes dum coração de mãe sofrida com a falta de saúde da sua filha. Ela reconhece em Jesus não só uma personalidade humana excecional, mas Alguém que traz algo de novo com autoridade e verdade. E confia plenamente que Ele lhe pode valer, por isso, embora sempre humilde e perseverante, ela dá luta a Jesus. Apesar de ser estrangeira, ela chama-lhe “filho de David”, um título messiânico dado ao futuro “rei de Israel”. Apresenta-se com uma fé inabalável, com uma confiança total em Jesus a quem pede, com humildade e perseverança, a cura da sua filha: “Senhor, filho de David, tem piedade de mim”. 

Jesus, porém, parece que tinha acordado mal disposto. Mostra-se duro, dá a entender que não ouve, não lhe dirige uma palavra nem um olhar. Os discípulos, impacientes, acabam por pedir a Jesus que mande aquela mulher embora. Não com pena dela nem da filha, com certeza, mas para se verem livres dela: “Manda embora essa mulher, porque ela vem a gritar atrás de nós”. Jesus, continuando com ares de pouca ou nenhuma graça, lembra que a sua missão se limita ao povo judeu: “Eu fui mandado somente para as ovelhas perdidas do povo de Israel”. A mulher, porém, é que não desarma, ela precisava de ajuda, a sua filha estava a morrer! Por isso, aproxima-se mais um pouco, ajoelha-se diante de Jesus e reitera o seu angustiante pedido: “Senhor, ajuda-me”. 

Para os israelitas, os estrangeiros e os pagãos eram considerados como “cachorros”, desconhecedores que eram da lei de Deus. Segundo os chefes israelitas, só Israel era a alegria do Senhor, tinham-se como as únicas pessoas dignas das atenções de Deus. Jesus permanece na sua e testa a senhora duma forma que, para a nossa sensibilidade, até nos parece tremendamente indelicado: “Não está certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. A mulher, porém, permanece firme e confiante, ela precisava de ajuda. E perante esta resposta tão forte de Jesus, ela responde com delicadeza: “Sim, Senhor, é verdade; mas também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos”. Para ela, uma migalhinha caída da mesa de Jesus significava tudo aquilo de que ela precisava naquele momento: o dom, a graça da cura da sua filha que estava às portas da morte. Perante a sua resposta e confiança, Jesus nada mais teve a dizer senão louvar-lhe a sua grande fé e atendê-la: “Mulher, é grande a tua fé! Seja feito como desejas”. E desde aquele momento a sua filha ficou curada” (Mt 15, 21-28; Mc 7, 24-30). 

A salvação trazida por Jesus, embora devesse ser anunciada em primeiro lugar ao povo de Israel, que, aliás, foi preparado para isso ao longo dos tempos, não era para ser seu monopólio ou privilégio. Nem tampouco bastava pertencer a esse povo para que alguém fosse considerado justo e bom. A salvação que Jesus trouxe é para todos os que acreditarem n’Ele e na sua missão, em qualquer tempo, em qualquer parte, seja quem for. Na atitude desta mulher, para além da sua fé em Jesus e num mundo novo por Ele anunciado, para além da sua oração, humildade, perseverança e confiança, aplica-se o que diz o Evangelho: “Pedi e ser-vos-á dado! Procurai e encontrareis! Batei e abrir-vos-ão a porta! Pois todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra; e a quem bate, a porta será aberta” (Mt 7, 7-8). Jesus elogiou a fé desta mulher não judia: “Mulher, é grande a tua fé!”. Mas também, noutra ocasião, reagiu perante a pouca fé dos seus discípulos quando a tempestade os assustou: “Porque tendes medo, homens de pouca fé?”. Os momentos de crise e dificuldade na vida são sempre uma espécie de termómetro a medir o grau de consciência que as pessoas ou as famílias têm da presença de Cristo entre elas, é um sintoma da sua maturidade ou infantilidade na fé.

A Exortação Apostólica sobre a Família Cristã afirma que um elemento fundamental e insubstituível da educação para a oração é o exemplo concreto, o testemunho vivo dos pais. Só rezando em conjunto com os filhos, o pai e a mãe, entram em profundidade no coração deles, deixando marcas que os acontecimentos futuros da vida não conseguirão fazer desaparecer. E se, no artigo passado, lembrei o apelo de Paulo VI ao pai de família, hoje lembro o seu apelo às mães: “Mães, ensinais aos vossos filhos as orações do cristão? Em consonância como os Sacerdotes, preparais os vossos filhos para os sacramentos da primeira idade: confissão, comunhão, crisma? Habituai-los, quando enfermos, a pensar em Cristo que sofre, a invocar o auxílio de Nossa Senhora e dos Santos? Rezais o terço em família?” (FC60). E afirma o Papa Francisco: “ser mãe não significa somente colocar um filho no mundo, mas é também uma escolha de vida. O que escolhe uma mãe, qual é a escolha de vida de uma mãe? A escolha de vida de uma mãe é a escolha de dar a vida. E isto é grande, é bonito”.

Como seria belo que a fé de cada filho fosse elogiada como São Paulo elogiou a de seu amigo Timóteo: “Lembro-me da fé sincera que há em ti, a mesma que havia antes na tua avó Loide, depois na tua mãe Eunice e que agora, estou convencido, também está em ti” (2Tm 1, 5). Como é bom entender a palavra de Jesus: “que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perde a própria vida?” (Mc 8, 36). 

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 16-04-2021.

 

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