Dia Mundial das Missões: “reflectir acerca da urgência que subsiste em anunciar o Evangelho”

 

Celebramos hoje o Dia Mundial das Missões em que o Santo Padre nos convida a “reflectir acerca da urgência que subsiste em anunciar o Evangelho” e que “o mandato missionário continua a constituir uma prioridade absoluta para todos os baptizados”.

Como modelo deste compromisso apostólico, Bento XVI aponta-nos São Paulo que tendo experimentado e compreendido que a redenção e a missão são obra de Deus e do seu amor, recebeu a vocação de proclamar o Evangelho aos gentios e assim percorreu os caminhos do Império Romano como arauto, apóstolo, anunciador e Mestre do Evangelho, do qual se proclamava “embaixador aprisionado”.

Ainda na sua mensagem para este dia, o Santo Padre tem uma palavra para os bispos e também para os Sacerdotes, Consagrados e Leigos. A dirigida aos bispos quero-a repetir em vós alta para voz a saberdes e, sobretudo, para que eu também a possa ouvir bem alto e a deixar fazer eco dentro de mim. Diz o Santo Padre: “O Bispo é consagrado não apenas para a sua diocese, mas para a salvação do mundo inteiro. Como o Apóstolo Paulo, ele é chamado a ir ao encontro daqueles que estão distantes, dos que ainda não conhecem Cristo, ou que ainda não experimentaram o seu amor libertador; o seu compromisso consiste em tornar missionária toda a comunidade diocesana, contribuindo de bom grado, em conformidade com as possibilidades, para destinar presbíteros e leigos a outras Igrejas, para o serviço de evangelização. Assim, a missão ad gentes torna-se o princípio unificador e convergente de toda a sua actividade pastoral e caritativa”.

Para que o bispo possa cumprir esta tarefa, o bispo terá de contar com a colaboração e o entusiasmo dos presbíteros, dos Diáconos, dos membros da Vida Consagrada e de todos os leigos, incluindo os jovens. São elucidativas as palavras de Bento XVI que assim afirma: “Vós, queridos presbíteros, primeiros colaboradores dos bispos, sede pastores generosos e evangelizadores entusiastas! Não poucos de vós, ao longo destas décadas partiram para os territórios de missão, (…). Que não definhe esta tensão missionária nas igrejas locais, apesar da escassez de clero que aflige não poucas delas.

E vós, amados religiosos e religiosas, caracterizados por uma forte vocação missionária, levai o anúncio do evangelho a todos, especialmente aos que estão distantes, mediante um testemunho coerente de Cristo e um seguimento radical do seu evangelho.

Mas se o Bispo conta com todo o Clero e Consagrados para o desempenho desta missão, conta sobretudo convosco, caros leigos. Sem vós, a nossa acção não terá grandes pernas para caminhar. E Bento XVI dirige-se a vós com muito carinho e apreço ao dizer que “todos vós, prezados fiéis leigos que trabalhais nos diversos âmbitos da sociedade, sois chamados a participar na difusão do Evangelho de maneira cada vez mais relevante. Assim, abre-se diante de vós um areópago complexo e multifacetado a ser evangelizado: o mundo. Dai testemunho com a vossa própria vida de que pertenceis a uma sociedade nova, rumo à qual caminhais e que na vossa peregrinação antecipais[1].

Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, ao falar do papel dos leigos afirmava que “o campo da sua actividade evangelizadora é o vasto e complicado mundo da política, da realidade social, da economia; e assim também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos instrumentos da comunicação social; e ainda outras realidades particularmente abertas à evangelização, como o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional, o sofrimento. Quanto mais leigos houver que estejam penetrados do espírito evangélico, responsáveis destas realidades e explicitamente empenhados nelas, competentes em promovê-las e conscientes de dever desenvolver todas as suas capacidades cristãs, muitas vezes escondidas e sufocadas, tanto mais estas realidades, sem nada perder nem sacrificar do seu coeficiente humano, mas manifestando uma dimensão transcendente muitas vezes desconhecida, se encontrarão ao serviço da edificação do Reino de Deus, e portanto da salvação em Jesus Cristo”[2].

No último Congresso Missionário Nacional que decorreu em Fátima no passado mês, e que não devemos nem podemos ignorar, alguém perguntou ao Presidente da Comissão Episcopal das Missões sobre como é que ele classificava a situação missionária em Portugal. A resposta faz-nos pensar. Dizia ele: “É inegável que os Institutos Missionários continuam a escrever páginas selectas de vigor missionário, arrastando atrás de si muitos jovens e cooperadores. No que diz respeito às nossas dioceses e paróquias, a situação parece-me bastante sossegada, no mau sentido, como quem diz que isso não é connosco. É imperioso e absolutamente urgente que a Igreja Portuguesa se empenhe, no seu todo, numa vastíssima campanha de verdadeira formação de evangelizadores, para que se possa, logo que possível mas de forma sistemática, levar o evangelho a todas as camadas da população portuguesa (crianças, jovens, adultos e idosos) e pelo mundo fora. Não podemos mais ficar tranquilamente dentro das igrejas, sacristias e salões paroquiais, de braços cruzados, à espera que as pessoas venham ter connosco. Somos nós que devemos ir ao encontro das pessoas. E o paradigma é o anúncio ad gentes, e não uma pastoral de manutenção. Rasgar horizontes significa não ficar apenas a olhar para o umbigo, mas abrir-se ao diferente. Aprender outra vez a viver e a anunciar o Evangelho. Sei lá, vejo que quase todas as nossas paróquias assentam quase todas as baterias nas crianças, para as quais se orienta uma parte substancial dos esforços pastorais. A comparação pode ajudar. É como se, em Portugal, 90% dos médicos fossem pediatras. Restavam 10% para a população adulta. Vê-se bem que temos de mudar bastantes coisas. (…) É claro que são precisas directrizes (…). Mas eu acredito e sei que a aragem do Espírito anda por aí. O assunto diz respeito a todos os baptizados, que não precisam de pedir licença para evangelizar. Sobretudo os fiéis leigos, cuja acção pode e vai chegar a todos os recantos onde nasce e cresce a vida: na família, no bairro, na escola, na fábrica, no hospital (…). É importante sensibilizar os sacerdotes. Mas (…) a evangelização, ou a fazem os leigos ou não se faz. Eles estão e chegam melhor ao coração do mundo”. Num outro passo dessa mesma entrevista tornava presente que “os judeus piedosos ainda hoje dizem: se amanhã os meus filhos não seguirem a nossa religião, a culpa não é deles; a culpa é nossa, porque não soubemos transmitir-lhes toda a beleza do judaísmo. O mesmo podemos dizer do cristianismo. O mal não está sempre nos outros. Também está em nós. É, portanto, necessário amar este mundo e as pessoas e anunciar-lhes ou testemunhar-lhes Cristo, que não é uma ideia ou uma causa morta, mas uma pessoa viva no meio de nós (…)”[3].

E a vós, caros jovens, como vosso Bispo que muito vos prezo e estimo, quero-vos dizer que conto convosco. Com a vossa alegria, a vossa criatividade, a vossa maneira sincera de manifestardes o que sentis, a vossa irreverência sadia, a vossa participação para que sejais capazes de firmar cada vez mais e melhor a vossa amizade com Cristo e serdes seus discípulos e verdadeiros construtores do seu Reino, nas comunidades paroquiais a que pertenceis e na nossa querida Diocese que todos amamos para que sintamos também os apelos que nos chegam de irmãos ou de comunidades mais longínquas. E não esqueçais: A Igreja, que toda ela deve ser missionária, precisa, na verdade, de famílias cristãs que se afirmem e não tenham vergonha de o ser, mas também precisa de Padres, precisa de gente que aceite viver os caminhos da Vida Consagrada, precisa de Missionários, precisa de gente generosa ao serviço da evangelização nas comunidades paroquiais e diocesanas e que parta por esse mundo fora com o entusiasmo e a alegria de São Paulo. E se tantos jovens, rapazes e raparigas, ao longo destes dois mil anos… se tantos… aderiram a estes ideais com alegria e entusiasmo, por que não tu?… Por que não tu, caro jovem?…

 “Se hoje, como diz o Salmista, ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações”[4]. Que cada um de vós faça um pequenino stop na sua vida. Aprecie a beleza de Deus manifestada em Cristo, torne presente a grandeza da Sua seara, a necessidade de trabalhadores e a nobreza da missão. E no mais profundo silêncio de si mesmo, nesse possível momento de paragem e encontro consigo próprio e a sós com o Senhor, desta vez e noutras vezes mais, não lhe diga que O ama. Ele já sabe disso. Que cada um deixe fazer eco dentro de si daquilo que o Senhor lhe tem a dizer: olha, amigo, “antes que tu me amasses, eu te amei primeiro” e preciso de ti, tal como és. Não te esqueças: “Antes que tu me amasses eu te amei primeiro”! Neste silêncio amoroso de Deus, caro jovem, descobri-lo-ás cada vez mais como o verdadeiro amigo, das horas boas e menos boas, Aquele que te toca no ombro e te desafia a seguí-lo com alegria e esperança libertadora.

E se cada um de nós e todos os leigos fizermos este mesmo exercício de oração, com certeza que, cada um pelo seu caminho, se sentirá mais responsabilizado por esta tarefa múltipla e articulada que é o serviço ao homem, que encontra a sua síntese e o seu significado em promover nele a sua verdade integral, no seu relacionamento com Deus, consigo próprio, com os outros e com as coisas[5].

Neste momento, em Roma, no Sínodo dos Bispos, reflecte-se sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. O mundo cristão, e não só, tem os olhos postos na aula sinodal na expectativa de que da reflexão nasça mais luz sobre a Palavra de Deus e o mundo se deixe iluminar e apaixonar por ela, pois ignorar as escrituras é ignorar Cristo.

Estamos também, na Igreja universal, a viver o Ano Paulino.

Na nossa Diocese também iremos ter as reuniões já agendadas para um arranque mais assumido da programação feita para a vivência desse mesmo Ano Paulino. Deixo uma palavra de muito apreço a todos os Movimentos de apostolado e a todos os Agentes da pastoral, a começar pelos Sacerdotes, Diáconos e Consagrados, e apelo a todos os diocesanos de boa vontade, à sua generosidade e consciência de pertença a esta Igreja de Jesus Cristo, que, quanto lhes for possível, marquem presença nas reuniões agendadas para o arranque deste ano pastoral para que nos animemos uns aos outros e trilhemos juntos os caminhos traçados pela Equipa responsável da pastoral diocesana a que preside o Senhor Cónego Bonifácio Bernardo. Se sou bispo para vós, como dizia Santo Agostinho, eu também quero ser cristão convosco nesta caminhada de crescimento em direcção à santidade que também passa pela comunhão na concretização dos programas pastorais delineados.

Ao olharmos para a primeira leitura de hoje, verificamos que Deus se serve dos acontecimentos normais da vida para nos conduzir e se revelar. Hoje, Ele ilumina as relações entre fé e política porque mostra como Deus se interessa e guia os acontecimentos da história de forma a que tudo seja conduzido ao bem e à felicidade do seu povo. E cada membro do povo de Deus, cada cristão, é, segundo o Evangelho, um cidadão como os outros, com os seus direitos e deveres de cidadania que o levam a colaborar na construção da sociedade civil inclusive através do pagamento dos impostos: “Dar a César o que é de César”. Como referia a Conferência Episcopal Portuguesa “O estado tem direito aos impostos e o dever de os gastar bem, com parcimónia e prudência, assumindo assim uma atitude responsável perante os dinheiros públicos. São dinheiros dos cidadãos, ganhos com esforço e pagos com dor (…). A confiança na economia passa pelo equilíbrio das contas públicas. Tal tarefa, específica do estado, exige a participação de todos os cidadãos, como no-lo recorda a doutrina do Concílio Vaticano II: “Há pessoas que, embora proclamando ideais largos e generosos, continuam a viver, na prática, sem se preocupar com os deveres sociais (…). Um grande número não hesita em subtrair-se, através de subterfúgios e fraudes várias, aos impostos justos e a outras concretizações do que é socialmente devido”. (…) A paz social depende, em grande parte, do desenvolvimento daquilo a que o Santo Padre chama a promoção de uma cultura da solidariedade. Não pagar impostos e outros contributos sociais é defraudar a sociedade, e manifesta ausência dessa cultura solidária e do sentido do bem comum…”[6].

Só vivendo de consciência tranquila e colaborante, seremos capazes de fazer frutificar em nós a Palavra de Deus, formando comunidades cristãs missionárias e exemplares, animadas pelo Espírito Santo, fortalecidas pela fé, operantes na caridade e caminhando na esperança que não engana, como vivia a comunidade de Tessalónica de quem ouvimos falar na segunda Leitura.

Que São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora, Mãe da Igreja, nos protejam.

Que Deus nos ajude e abençoe.

Castelo Branco, 19/10/2008.             

+Antonino Eugénio Fernandes Dias

Bispo de Portalegre-Castelo Branco

 


[1]cf.Bento XVI, Spe salvi,8

[2] Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi,nº 70

3 D. António Couto, Presidente da Comissão Episcopal das Missões, em entrevista, Missão Hoje, à edição especial da Revista Ecclesia, 14/10/2008

[4] Sal 94

[5] Lineamenta – Vocação e Missão dos leigos na Igreja e no mundo vinte anos depois do Concílio Vaticano II, nºs. 30 e 31

[6] Conferência Episcopal Portuguesa, Carta Pastoral sobre Responsabilidade solidária pelo bem comum, nº 22; ler Fernando Armellini, O Banquete da Palavra, Ano A.

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