Quem conta um conto aumenta-lhe um ponto, diz o povo. Sempre que se procura saber, por exemplo, a quem, ao longos dos tempos, se oferecia uma grinalda ou coroa de rosas ou de outras espécimes, jamais acertamos o passo, cada um diz ao seu jeito. Mas que estas grinaldas ou coroas se ofereciam, lá isso ofereciam, não há dúvida! No entanto, talvez acontecesse como hoje acontece. Quando os homens prestam homenagem uns aos outros, o bonito não está em receber as homenagens ou em prestá-las. Está em merecê-las e saber qual a intenção de quem as promove. Os cristãos, em circunstâncias diversas, sempre ofereceram rosas, sobretudo a Nossa Senhora, mas não só a ela. A palavra ‘rosário’, vem do latim, significa ‘coroa de rosas’. Conta-se que, na perseguição aos cristãos, as mulheres, quando se dirigiam para o Coliseu para serem martirizadas, também colocavam coroa de rosas na cabeça, simbolizando a alegria de morrerem por Cristo. Os outros cristãos, de noite, iam recolher essas rosas e rezavam uma oração ou um Salmo pelo seu eterno descanso. Com o tempo, a Igreja foi apontando que se rezassem os Salmos da Bíblia, são cento e cinquenta. No entanto, só as pessoas mais cultas ou que, pelo menos, soubessem ler, os poderiam rezar. Para dar resposta a estes, foi-se introduzindo o costume de, em vez dos Salmos, se rezar determinado número de vezes o Pai Nosso, usando pedrinhas ou um cordão com pedacinhos de madeira para contar as vezes que o repetiam. Contar o número da repetição das orações é costume antigo, de muitas religiões. O Islamismo, por exemplo, usa o “subha”. Consta de três grupos de trinta e três contas para recitar noventa e nove nomes de Deus.

A par desta iniciativa de repetir o ‘Pai Nosso’, também se foram substituindo os cento e cinquenta Salmos por cento e cinquenta ‘Ave Marias’, divididas por quinze dezenas a que se chamou ‘Saltério da Virgem”. Com o tempo, também este “Saltério da Virgem’ foi dividido em três partes, com cinquenta ‘Ave Marias’ cada uma, aquilo a que hoje chamamos ‘Terço’. As pessoas, não raro, chamam Rosário ao Terço e Terço ao Rosário, mas o Terço é a terça parte do Rosário, embora haja quem, todos os dias, reze o Rosário, isto é, os três terços, ou mais do que isso. Foi e é uma oração muito querida e muito recomendada, quer para ser rezada individualmente, quer em família ou em grupo.

Entre agosto de 1170 e agosto de 1221, viveu São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem dos Dominicanos. Por volta de 1202, a pedido do Papa Inocêncio III, foi a França, não só por causa dos erros doutrinais que por ali eram divulgados, sobretudo pelos albigenses, mas também devido à decadência social e moral em que se vivia. Os frutos do seu trabalho não se viam, a dificuldade era grande. Nesta situação, estando em Toulouse, resolve fazer uns dias de oração e penitencia a pedir a Deus que interviesse nesta situação que tanto o entristecia e fazia sofrer, sentindo-se incapaz de a debelar. Com a intensidade que colocou na oração, porém, acabou fragilizado. Entretanto, aparece-lhe a Virgem Maria, com um Rosário na mão, a dizer-lhe que a arma mais poderosa para combater os erros doutrinais e conseguir a conversão dos pecadores não eram tanto os sacrifícios que ele se impôs a si próprio na oração, mas sim a recitação do seu saltério, o ‘Saltério da Virgem’. E pediu-lhe que o divulgasse por todo o mundo, prometendo inúmeros benefícios a quem o rezasse e a conversão de muitos pecadores. Diz a história que São Domingos, após esta aparição, em 1208, ao tocarem os sinos para reunir os fiéis, entrou na Catedral de Toulouse e pregou com tanto zelo e força divina que os habitantes da cidade abraçaram quase todos a devoção ao Santo Rosário. Foi ele quem mais e melhor o divulgou, contando-se muitos episódios associados a esta pregação, inclusive com a intervenção da Virgem Maria.

Quando, porém, qualquer entusiasmo inicial não é alimentado pode, de facto, esmorecer. A oração do Rosário não fez exceção. Cerca de cem anos após a morte de São Domingos começou a ser esquecido por muita gente. Por meados do século XIV, a “peste negra” matou quase um terço da população da Europa, levando os fiéis a clamarem a Maria que os protegesse ‘agora e na hora da nossa morte’. O ‘agora’ e a ‘morte’ eram, nessa terrível epidemia, quase um só momento. No século XV, a Virgem voltou a aparecer, agora a Frei Alano de la Roche, um outro dominicano que viveu de 1428 a 1475. Pediu-lhe que fizesse reviver a devoção ao seu Saltério e anunciou-lhe quinze promessas para quem o rezasse. Foi sobretudo com ele que o Rosário tomou a forma que ainda hoje conserva, dividido em dezenas e contemplando os mistérios da vida de Jesus e Maria.

Em 7 de outubro de 1571, aconteceu a batalha naval de Lepanto. O Papa São Pio V pediu aos fiéis que rezassem o Rosário a pedir pelas forças cristãs que eram em muito menor número que as turcas otomanas. Quando soube que a frota cristã havia triunfado, mandou que tocassem os sinos e organizassem uma procissão. Posteriormente, instituiu a festa de Nossa Senhora das Vitórias, a celebrar em 7 de outubro. O Papa seguinte, Gregório XIII, alterou o nome de Festa de Nossa Senhora das Vitórias para Festa de Nossa Senhora do Rosário e determinou que fosse celebrada no primeiro domingo de outubro, dia da vitória. Atualmente, a Festa da Virgem Santa Maria do Rosário celebra-se a 7 de outubro, seja qual for o dia da semana, mas alguns dominicanos continuam a celebrá-la no primeiro domingo do mês. A Igreja, porém, celebra todo o mês de outubro como ‘Mês do Rosário’.

São Luís de Montfort seria quem, por volta de 1700, consagrou a forma de se ler a cena Bíblica que diz respeito a cada mistério, sugerindo atitudes práticas para cada dezena de Ave-Marias. Em outubro de 2002, São João Paulo II, na carta apostólica ‘Rosarium Virginis Mariae’, acrescentou aos Mistérios Gozosos, Dolorosos e Gloriosos, os Mistérios Luminosos, inspirados na vida pública de Jesus. É uma oração cristológica, contemplativa, serena, na qual se descansa em Deus com Maria, a qual, para além de ter pedido a sua divulgação a São Domingos e a Frei Alano, fez o mesmo em Lourdes, em 1858; em Fátima, em 1917; em Akita, no Japão, em 1973; na Argentina, em 1983. Mas há outras aparições ainda não aprovadas pela Igreja, mas a manifestarem o cuidado da Mãe pelos seus filhos, como, por exemplo, as de Campinas, Brasil, em 1930; as de La Salette, França, em 1846; as de Siracusa, Itália, em 1953; etc…

Neste Dia e Mês da Senhora do Rosário, ofereça uma ‘coroa de rosas’ à Senhora, isto é, reze o Terço, também pelas Missões e pelas intenções do Sínodo a decorrer em Roma durante este mês.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 06-10-2023.

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