Porque já o fiz nesta semana, hoje vou fugir às temáticas habituais para falar dum cientista e inventor que nasceu em Cendufe, Arcos de Valdevez, Viana do Castelo. Chamava-se Manuel António Gomes. Sem recursos próprios e parcos apoios, se os craques da ciência em Portugal não abundavam, ele esteve na linha da frente da investigação científica da época, com reconhecimento da comunidade científica internacional pelas suas visões pioneiras e revolucionárias, como precursor dos atuais equipamentos fotovoltaicos, das energias renováveis, do desenvolvimento sustentável. E já lá vão mais de cem anos!…

Foi um dos sete filhos de uma família de pequenos agricultores de minifúndio em socalcos. Como não podia fugir à sina do tempo, do lugar e das suas circunstâncias existenciais, trabalhou no campo e fez os primeiros estudos na escola local, mais propriamente em Souto. Aos 15 anos, em 1882, ingressou no Seminário de Braga. Sendo de elevada altura, os seus colegas logo lhe tiraram as medidas e o alcunharam de Himalaia, e assim ficou conhecido até hoje. No Seminário, para além das temáticas letivas, a biblioteca, que havia sido recheada pelo Arcebispo de então, era o seu refúgio. Vivia apaixonado por saber o mais possível sobre as ciências naturais, os avanços tecnológicos, magicar e fazer experiências. Era ave rara!… Presumo que o seu abanar de asas produzisse forte ventania nos nervos dos formadores que não lhe terão feito a vida fácil. E vice-versa, pois amor com amor se paga, diz quem sabe!… 

Chegou a Padre, foi ordenado em 26 de Julho de 1891. Aos 36 anos de idade, porém, o Padre Himalaia tornou-se uma celebridade badalado por esse mundo fora pelos seus inventos e artigos publicados nos principais jornais e revistas. Correu mundo, visitou algumas das principais universidades, laboratórios e instituições científicas do tempo. Contactou com professores de renome e com alguns dos principais cientistas. Frequentou universidades e tudo lhe interessava: matemática, química, medicina, botânica médica, técnicas de radiestesia, estruturas metálicas, unidades industriais de tecnologia avançada no domínio da metalomecânica e da fundição, fornos elétricos de altas temperaturas, fotometria, radiação solar e faíscas elétricas, temáticas relacionadas com a agricultura e a nutrição, a irrigação e barragens hidroelétricas. Interessou-se por explosivos, como a himalaíte, registou várias patentes, fez prospeção de minérios, dedicou-se à reciclagem no fabrico de fertilizantes derivados do aproveitamento de esgotos. Defendeu o naturismo e as medicinas naturais sobretudo à base da fitoterapia e da hidroterapia, desenvolveu o conceito de ecosofia, defendeu a saúde preventiva, uma espécie de “profilaxia social” à base do ser e não tanto do produzir e ter. Inventou, criou, ensinou, entrou em projetos nacionais e internacionais, apresentou numerosas comunicações, publicou trabalhos, desenvolveu teorias ecológicas, participou em múltiplos debates e proponha ideias inovadoras. 

Membro da Academia das Ciências, apresentou comunicações sobre as mais diversas matérias, desde a agricultura, a economia e a política energética até às questões de sismologia e construção antissísmica. Defendia um plano de aproveitamento das energias renováveis com a construção de açudes, represas e albufeiras para irrigação e hidroeletricidade, apontava o lugar para a construção de centrais hidroelétricas, o uso futuro da energia das marés e da energia eólica e o aproveitamento da energia geotérmica dos geysers. O ordenamento do território e a florestação também lhe mereceram atenção. Em tempos de estiagem, chegou a propor o uso de canhões para provocar a chuva e fez experiências, mas, devido aos custos e não sei se também pelos resultados, o projeto ficou pelo caminho. Sempre motivado pelas inovações no campo da energia solar, esteve em Paris quando se preparava a Exposição Universal e se construía a Torre Eiffel, onde também procurava apoios para construir o seu principal invento a que deu o nome de Pyrheliophoro, do grego: pyr (fogo) + helios (sol) + phoros (portador) = o que traz o fogo do sol. “O engenho consistia, num espelho parabólico, com uma superfície refletora de 80 metros quadrados, formado por 6177 pequenos espelhos que refletiam a luz do Sol numa cápsula refratária, que funcionava como um recipiente, e onde se colocavam os materiais a fundir. O conjunto estava montado numa enorme armação em aço de 13 metros de altura, que acompanhava os movimentos do Sol mediante um mecanismo de relojoaria”.

Uma das versões do invento foi apresentada na Tapada da Ajuda, em Lisboa. Foi visitada pela fina flor da sociedade científica de Portugal, pouca, pelos vistos. O próprio rei e os espiões do fracasso, não do futuro, lá se apresentaram com olhos de lince a apreciar a geringonça solar já que a política nem sonhada era. A coisa, porém, não correu bem! E quem não era capaz de nada, não soube apreciar o alcance daquele embrião, logo o desvalorizou com tesouradas viperinas na casaca do seu angustiado autor. No entanto, se o aparelho encaprichou e não trouxe o fogo do sol, o homem não desistiu, bem haja por isso. 

Em 1904 carrega com o invento para o Pavilhão Português na Exposição Universal de Saint-Louis, nos Estados Unidos. O aparelho logo se tornou o centro das atenções daquela feira mundial com cerca de 500 pavilhões e visitada por milhares de pessoas. Mais do que isso: mereceu o grande prémio e mais duas medalhas de ouro e uma de prata, com um diploma assinado pelo Presidente Theodore Roosevelt. A imprensa mundial destacou e elogiou o invento, alguns deram-lhe a primeira página. Aos interessados na compra, entre os quais haveria japoneses, Himalaia não quis vender o aparelho, mas também não o trouxe de regresso a casa. Talvez assolapados sob a capa de sérias e boas pessoas, também por lá se passeariam os amigos do alheio que, de dedo em riste, deram jus à frase de James Flagg na nova versão do tio Sam: “I Want You”, eu quero-te, eu quero você!… E foi-se, adeus geringonça!… Não sei se serão os descendentes dessa estirpe aqueles de quem o agora Presidente se queixa de o terem afastado do solário da Casa Branca, ahahahah!…

O pobre Padre regressou triste, nunca mais se dedicou à energia solar e ao Pirelióforo. É de prever que outros o tivessem feito… Li, e vá-se lá saber a verdade!, mas li que, depois da primeira Grande Guerra também correu (boato, com certeza!?), mas correu que os planos do seu invento para “bombardear as nuvens” e fazer chover, também teriam sido “desviados” e usados pelos alemães na construção de armas de guerra para bombardear noutro sentido, um sentido nada agrícola nem ecológico nem sustentável.

Depois de todas estas andanças, com encontros e desencontros, o Padre Himalaia, porque o sonho lhe comandava a vida, ainda se empenhou noutras aventuras. No entanto, doente, sem apoios pátrios e recursos financeiros, em finais de 1932, veio para junto do seu irmão Gaspar, também sacerdote e Pároco na vizinha paróquia da sua terra natal, em São Paio de Jolda, onde ainda se conservam alguns dos seus manuscritos. Finalmente, acabou por aceitar o lugar de capelão do Asilo de Velhos e Entrevados da Caridade, na cidade de Viana do Castelo. E se nasceu a 9 de dezembro de 1868, em dezembro faleceu, no dia 21 de 1933, aos 65 anos de idade. A fama já tinha passado, a sua morte não provocou notícia em que se tropeçasse, e se foi a sepultar no cemitério da sua terra natal, em Cendufe, não houve palmas nem flores da sua lusitana pátria.

Embora haja alguns estudos sobre ele, Jacinto Rodrigues, Professor da Universidade do Porto, publicou, em 1999, “A Conspiração Solar do Padre Himalaia”, um estudo atento que veio trazer ao de cima o talento deste homem, a importância dos seus inventos e aquela verdade que Cristo nos lembrou: um profeta só não é estimado na sua pátria. Um grupo de amigos – a Associação Padre Himalaya – continua a soprar as cinzas do esquecimento a que este cientista foi votado para que surja qual fénix renascida e seja reconhecido o seu génio e transmitida a sua obra. Há também um filme documentário de 2004, “A Utopia do Padre Himalaya”, do realizador Jorge António, baseado na obra de Jacinto Rodrigues. Na vila dos Arcos de Valdevez existe um monumento em sua homenagem da autoria do escultor José Rodrigues, e, na marginal urbana do Rio Vez, um busto, da autoria de Eduardo Tavares. No centenário do seu nascimento, houve comemorações a que presidiu o Arcebispo de Braga, Dom Francisco Maria da Silva, tendo-se inclusive deslocado ao cemitério de Cendufe onde também foi descerrado um busto do Padre Himalaia. São, de facto, os conterrâneos e amigos a bracejar para que este cientista e visionário itinerante não seja esquecido na história pátria. Também estou a dar o meu empurrãozinho para aguçar o apetite do leitor a que, pelo menos, abra a Wikipédia ou outras fontes à mão do teclado, pois irá gostar de ler.

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 27-11-2020.

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