Os norte-coreanos estão obrigados a demonstrar total devoção à dinastia Kim Jong-un. Os cristãos são tidos como hostis, como agentes estrangeiros. A sua prática cristã é considerada crime político e os missionários são comparados a vampiros. Quem for identificado como cristão é deportado para campos de trabalho, como criminoso político, e as suas famílias não ficam para trás. Apesar desta brutal perseguição, os católicos continuam a crescer na clandestinidade. Tal como das “árvores brotam novos rebentos em cada galho a cada ano, assim também crescem os católicos que se escondem em algum lugar no norte”. Disto nos dá conta a “Boa Nova”, uma revista mensal de atualidade missionária. Saltando para outras lugares do mundo, a revista também volta a informar que a província moçambicana de Cabo Delgado continua a ser assolada pela violência dos jihadistas e que o massacre, no domingo do Pentecostes, em 5 de junho, na igreja de São Francisco Xavier de Owo, na Nigéria, ascende a 40 pessoas, e, no mesmo dia, em Kaduna, mais 32 foram mortas. Infelizmente, todos os dias nos chegam notícias destas. A Organização Internacional Portas Abertas de França e Bélgica afirma num Relatório que, em 2021, mais de 360 milhões de cristãos, de várias Igrejas cristãs, foram “fortemente perseguidos e discriminados”, desde a “opressão diária discreta” até à “violência mais extrema”. No ano passado, 5.898 cristãos foram mortos, oito em cada 10 estavam na Nigéria. O número de igrejas fechadas, atacadas e destruídas subiu para 5.110 e o número dos cristãos detidos cresceu para 6.175. No Afeganistão, com o regresso dos talibãs ao poder, os cristãos são mortos, as mulheres, as meninas e as jovens são violadas ou casadas à força com talibãs. Este país lidera o ‘ranking’ de cristãos detidos, seguindo-se a Coreia do Norte, a Somália, a Líbia, o Iémen, a Eritreia e a Nigéria.

Cristo Jesus havia prevenido: “vai chegar a hora em que alguém, ao matar-vos, pensará prestar um serviço a Deus” (Jo 16,2). Sendo do coração que brotam as más intenções, quando os homens se julgam donos e senhores do mundo e dos outros, tornam-se predadores abominábeis, julgam-se no direito e dever de agir a seu bel-prazer sem olhar a meios para atingirem os seus fins. E – mais estranho ainda! -, fazem-no com grande aplauso de quem os rodeia, subservientes a tiritar de medo perante o chefe ou já contagiados por igual cegueira. Não são capazes de reconhecer a gravidade e as consequências dos seus atos nem se comovem com os apelos e o sofrimento das suas vítimas. Cegos, insensíveis, de coração embrulhado na sua ambição, “não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Dois mil anos depois, pouco ou nada se aprendeu, Cristo continua a ser morto: “o que fizerdes aos outros é a Mim que o fazeis” (cf. Mt 25, 40). Na segurança ilusória de poderes absolutos ou em obediência a ideologias pouco ou nada saudáveis, controla-se o pensamento e a própria liberdade, incluindo a religiosa. Com violência e propaganda agressiva e pidesca, a todos se faz saber e crer que quem manda aqui são eles, só eles pensam e sabem pensar, só eles são dignos e têm direitos, só eles podem e sabem mandar. Mais grave ainda quando dizem que tudo fazem em nome de Deus e para bem de todos!… As origens destes terríveis atores são muitas e diversas, até donde menos se pensa e nem seria de esperar!… Putin, por exemplo, faz saber que é cristão. Ele e a Igreja ortodoxa russa (não sei se amordaçada!) pegam certinhos ao pálio, são um para o outro o suporte mais ignóbil de uma das mais bárbaras atrocidades de hoje no mundo. Apesar de tantos erros na história do cristianismo por infidelidade ao Evangelho, desvios que a todos nos envergonham, era de esperar que, dois mil anos depois, tudo fosse diferente, para melhor. Infelizmente não é! Medo ou hipocrisia de uns, fingimento, fanatismo ou interesses inconfessáveis de outros, frieza ou indiferença cristã de todos, tudo continua pecha humana a ferir de morte a fraternidade que a todos nos deve unir, temos o mesmo Pai.

O apelo, porém, continua de pé. Ao soar a hora do encerramento, e antes de partirem para os quatro cantos do mundo a levar a boa nova do Evangelho de Cristo e a renovação da Igreja, os participantes no XXI Concílio Ecuménico da Igreja Católica quiseram enviar, pela voz do Papa São Paulo VI, breves mensagens a alguns destinatários em concreto. Uma dessas mensagens, na plena consciência da sua missão para com a humanidade, foi dirigida, “com respeito e confiança àqueles que têm nas suas mãos o destino dos homens na terra, a todos os depositários do poder temporal”, dizendo-lhes:

“Nós proclamamos altamente: prestamos honra à vossa autoridade e à vossa soberania; respeitamos a vossa função; reconhecemos as vossas leis justas; estimamos aqueles que as fazem e aqueles que as aplicam. Mas temos uma palavra sagrada a dizer-vos, e é esta : só Deus é grande. Só Deus é o princípio e o fim. Só Deus é a fonte da vossa autoridade e o fundamento das vossas leis. É a vós que pertence ser na terra os promotores da ordem e da paz entre os homens. Mas não esqueçais: é Deus, o Deus vivo e verdadeiro, que é o Pai dos homens. E é Cristo, o seu Filho eterno, quem nos veio dizer e ensinar que somos todos irmãos. É Ele o grande artífice da ordem e da paz na terra, porque é Ele quem dirige a história humana e o único que pode levar os corações a renunciar às más paixões que geram a guerra e a infelicidade. É Ele quem abençoa o pão da humanidade, quem santifica o seu trabalho e o seu sofrimento, quem lhe dá alegrias que vós não podeis dar, quem a reconforta nas dores que vós não podeis consolar. 

Na vossa cidade terrestre e temporal, Ele constrói misteriosamente a sua cidade espiritual e eterna, a sua Igreja. E que pede a Igreja de vós, após quase dois mil anos de vicissitudes de toda a espécie nas suas relações convosco, que sois as potências da terra; que vos pede a Igreja neste momento? Ela vo-lo disse num dos documentos mais importantes deste Concílio: ela não vos pede senão a liberdade. A liberdade de crer e de pregar a sua fé, a liberdade de amar e servir o seu Deus, a liberdade de viver e de levar aos homens a sua mensagem de vida. Não tenhais medo: ela é à imagem do seu Senhor, cuja ação misteriosa não lesa as vossas prerrogativas, mas cura todo o ser humano da sua fatal caducidade, transfigura-o, enche-o de esperança, de verdade e de beleza. 

Deixai que Cristo exerça a sua ação purificadora na sociedade. Não o crucifiqueis de novo: seria sacrilégio, porque é Filho de Deus, e seria suicídio, porque é filho do Homem. E a nós, seus humildes ministros, deixai-nos propagar por toda a parte, sem entraves, a boa nova do Evangelho da paz, que meditámos neste Concílio. Os vossos povos serão os primeiros beneficiários, porque a Igreja forma para vós cidadãos leais, amigos da paz e do progresso. 

Neste dia solene, em que ela encerra o seu XXI Concílio Ecuménico, a Igreja oferece-vos pela nossa voz, a sua amizade, os seus serviços, as suas energias espirituais e morais. Ela dirige a vós todos a sua mensagem de salvação e de bênção. Acolhei-a tal qual ela vo-la oferece com coração alegre e sincero, e levai-a a todos os vossos povos!”

O HOJE da nossa vida joga-se no coração de cada um, diz-nos o Papa Francisco. E o autor da Carta aos Hebreus exorta a que não haja ninguém de coração perverso que se distancie do Deus vivo, bem como exorta a que nos animemos uns aos outros enquanto dura a proclamação desse hoje, o hoje da nossa vida (cf. Hb 3,13). Que bom seria se, de coração aberto às surpresas de Deus, todos escutassem o desafio do Salmista: “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações” (Sl 94).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 08-07-2022.

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