O princípio da subsidiariedade é um princípio fundamental da filosofia social. Tal princípio proclama que é tão injusto subtrair aos indivíduos o que eles, com a sua própria iniciativa e trabalho, podem fazer para o bem comum, como é igualmente injusto que uma instância superior assuma aquilo que as inferiores podem fazer. O fim natural de quem preside, coordena ou governa, não é para absorver e substituir. É para favorecer a participação, incrementar, elevar, estimular, apoiar, confiar….

Esta maneira de estar é inteligente, pedagógica e sensata. Favorece a comunhão, forma e faz crescer, gera interesse e maturidade, é a base sobre a qual se constrói uma verdadeira sociedade de pessoas adultas, seja um país, uma instituição, uma associação, um clube, uma família… A centralização, a negação da subsidiariedade ou a sua limitação, mata o espírito de iniciativa e de liberdade, desmotiva, empobrece, infantiliza.

A sua aplicabilidade deveria constituir conteúdo diário de avaliação. Se ela não acontece, porque é que não acontece, quais os obstáculos e como removê-los. E se acontece, como é que acontece e como se poderia melhorar. É certo que, em muitos lados, isso já é regra de ouro, e nota-se, a vida é diferente. Mas também é certo, que, por outros lados, é muito mais fácil o camelo passar pelo fundo duma agulha. Há quem centralize tudo em si. Há quem não confie nos outros e os tenha como incapazes de assumir seja o que for. Há quem não corra nem deixe correr riscos, o que será um risco ainda maior. Há quem deseje o ideal, mas como o ideal não existe, cruzam-se os braços, centraliza-se ainda mais e tudo se nivela por baixo ao arrepio da responsabilidade do cargo. Há muitas maleitas na forma de ser e estar nesta panóplia de funções que fazem girar as sociedades, onde este respeito de uns pelos outros nem sempre se vê.

Esta é também uma fatura que na Igreja estamos a pagar. E vai continuar a exigir muito suor e lágrimas até que seja liquidada. Com boas exceções, durante muito tempo contribuiu-se para a desresponsabilização das pessoas. Ignorou-se ou não havia qualquer perceção das consequências de tal facto, fossem quais fossem as causas. Programava-se para elas, sem elas. Dispensava-se a sua participação nas decisões, eram apenas destinatárias do que se pensava e programava. Os próprios órgãos sociais disto ou daquilo, eram nomeados como se impunha, mas, não raro, logo esquecidos no seu direito ao exercício da função. Tudo foi contribuindo para que se fosse perdendo o brio de pertença a uma Igreja toda ela corresponsável e em missão. Ela somos nós, os batizados. Não é uma instituição qualquer, fora de nós, onde apenas vamos reivindicar serviços.

As campainhas, porém, há muito que soaram. As coisas têm de mudar, seja contra as resistências de quem não tem consciência da situação, ou não a quer ter para não se revolucionar a si próprio, seja antecipando-nos no processo, com alegria e esperança, assumindo a nossa responsabilidade de fermento no meio da massa…

Sabemos que, por estas e outras circunstâncias e razões, as pessoas, se umas rejeitam qualquer espécie de compromisso, outras não se chegam à frente, não se sentem à-vontade, pensam que será colocar-se em ponta de pés ou que tudo será com os outros. Sabemos que tudo isto é difícil, no terreno, todos temos experiência disso. Mas também sabemos que muitas ficariam felizes se alguém fosse ao seu encontro, se fizesse encontrado e as convidasse…

Tantos recursos desperdiçados pelas nossas comunidades fora! Pessoas do professorado, do terciário e de outros setores sociais e profissionais, gente de fé e de valores, aposentada ou não, que, até alternando pessoas e assuntos, tanto poderiam ajudar a fazer crescer as comunidades na cultura da fé, e não só. Têm facilidade em preparar um tema, em o expor, em criar empatia e grupo, constituindo escola que se frequentasse com gosto, alegria e proveito! Há dias, alguém dizia que, se uns veem solução para os problemas, outros só veem problemas em cada solução!

É, faltam-nos profetas! Faltam-nos profetas e comunidades proféticas com a loucura dos santos a chegarem-se à frente para denunciar o perigo dos atalhos e rasgar autoestradas para alcançar a meta e subir ao pódio, vitoriosos, porque humildes e comprometidos na construção dum mundo de justiça e verdade, de amor e de paz. É verdade que pelo batismo somos todos profetas, participamos do profetismo de Cristo Jesus. Estamos-lhe muito gratos pela confiança que em nós depositou. Mas temos dificuldade em ver o mundo com os olhos de Deus. Vive-se mais à superfície e de aparências que de verdade e coerência. Mas só a verdade nos libertará!

Como escreve Joan Chittister no seu livro “O tempo é agora – um chamamento para uma coragem invulgar”, os verdadeiros profetas ‘são sempre incomodamente diferentes, desafiam sempre a consciência dos que ficam para trás, fazem sempre frente a um mundo que levanta obstáculos, estão sempre a caminho do Reino, não do palácio’.

O caminho do palácio não convém mesmo, ameaça vida palaciana!…

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 09-09-2022.

 

 

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