Algum tempo depois de eu ter chegado a esta cidade de Portalegre, já lá vão mais de doze anos, um grupo restrito de pessoas, com convidados influentes nas estruturas da cidade, convidou-me a fazer uma palestra sobre como é que eu, recentemente chegado, via a cidade de Portalegre. Disse o que disse, ao meu jeito, como não podia deixar de ser. No dia seguinte, ou já nessa noite, um dos meios de comunicação social ali presente, com certeza que muito distraído durante o bate papo, fez ecoar que eu tinha ridicularizado a Estátua do Semeador. Fui enxovalhado tanto quanto bastasse nas redes sociais. Como lá disse e está publicado, eu não conhecia a cidade, vinha de Braga. Porque estava nevoeiro cerrado e era por volta das 9,30 da manhã, depois de umas voltas na cidade sem saber por onde andava, senti necessidade de perguntar o caminho para chegar à catedral. Indicaram-me por aqui, por acolá e por mais ali até chegar à Rotunda do Semeador. Quando cheguei junto daquilo que me pareceu ser a dita cuja, duvidei, mas era mesmo aquela a Rotunda do Semeador. Eu que vinha lá do Alto Minho, da zona dos minifúndios, a cogitar na grandeza do Alentejo e a pensar encontrar uma estátua robusta dum lavrador hercúleo e de alma alentejana, esbarrei com aquela estátua que descrevi como de um homenzinho, escondido debaixo de um chapéu, cansado e de saca sementeira às costas, sem aparência de garbo ou orgulho de o ser. Naquele contexto, e tornando a palestra mais leve e agradável, não deixei de dizer as minhas impressões, foi para isso que fui convidado. É evidente que não quis nem estou a defender que o brio duma terra deve estar nas rotundas que tem ou tenciona fazer. Trago isto agora à baila, porque, de facto, o Alentejo não pode pensar pequenino. Infelizmente, por quase todo o lado, os agricultores, na sua maioria, continuam a ser pequeninos, sem grandes posses, sem poder económico e reivindicativo, sem muito quem os defenda, reconheça o seu trabalho e os ajude a conquistar algum conforto. Mas o que se diz do agricultor, diz-se de muitos outros setores da atividade humana. Para virar o bico ao prego, é preciso acabar com aquele jeito de apenas se gostar de ouvir o que sempre se ouviu e se quer continuar a ouvir, pensando que, quem destoa na forma de ver e dizer, é inimigo, despreza a terra e deve ser descartado quanto antes. É preciso ouvir os outros com atenção, é preciso ouvir o diferente e as suas achegas, e, nesse laboratório do debate de ideias, aprender, rasgar horizontes e apostar no essencial. Pode, depois de analisadas e debatidas essas ideias, concluir-se, até colegialmente, que estas ou aquelas não são úteis nem realizáveis, mas é do bom senso abrir espaço e tempo para ouvir, confrontar e decidir com os dados de todos aqueles que entram no debate de boa fé e desejam o melhor. Esses mesquinhos preconceitos que levam a recusar de imediato e a deitar fora o que diz este ou aquele só porque vê e pensa diferente, é tremendamente negativo, uma pedra na engrenagem do próprio desenvolvimento. E há linhas mestras, estruturantes, que, depois de se darem as mãos e serem refletidas e debatidas, são verdadeiros alicerces sobre os quais se apoia a construção do desenvolvimento e do progresso local e regional. Por consequência dessa metodologia, deveriam ser assumidas e implementadas com toda a prioridade por quem, nos turnos de sucessão governativa, deveria sentir o dever de os continuar e não os arrumar na gaveta só porque não são dele ou dos dele. Aqui há anos, em conversa com um Presidente da CCDR, ele me dizia que não há união programática entre os responsáveis políticos e autárquicos sobre o que seria essencial. Cada um quer mostrar trabalho e apenas procura resolver as bagatelas da sua terra, qual cemitério de Sucupira. Aí se gastam as verbas, mas não há projetos de fundo para abranger a coesão territorial. Não é que não se devam resolver essas nicas ou bagatelas locais, pois também elas serão importantes, mas não de forma a sacrificar o estruturante, o principal e prioritário de que todos, por tabela, podem beneficiar.

Neste sonhar conjunto e debate necessário, têm importância capital as academias, mas sobretudo o ensino superior. São eles que produzem conhecimento. Com esse conhecimento surge a inovação. Com conhecimento e inovação é que se promove o desenvolvimento, as empresas evoluem necessariamente, outras serão atraídas, os empregos aumentarão, o definhamento da população inverter-se-á, os talentos locais que abalaram terão vontade de regressar, haverá massa crítica, o futuro será melhor. Foi isso que esteve presente há dias numa interessante mesa redonda que, para dar resposta aos desafios da Comissão Europeia, o Centro de Informação Europe Direct do Alto Alentejo – Politécnico de Portalegre organizou sobre a política de coesão no Alentejo, e da qual faço eco tanto quanto a minha atenção conseguiu captar. Constituíam a mesa do debate, o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, António Ceia da Silva, o Deputado na Assembleia da República pelo Círculo de Portalegre, Luís Moreira Testa, e o Vice-Presidente do Instituto Politécnico de Portalegre, Luís Carlos Loures. Trataram de expor e ajudar a refletir sobre o impacto que os fundos de coesão tiveram no Alentejo, particularmente no Alto Alentejo, e de tentar saber quais as oportunidades futuras para o desenvolvimento e sustentabilidade desta região, que, se representa um terço do território nacional, só tem oito por cento da população, o que, se poderá com isso ter algumas vantagens, tem muitas mais desvantagens, a começar pelos poucos votos, e, como consequência, pouco ou nenhum peso político. De facto, é bom saber-se como é que se olham esses impactos se é que neles se tropeça. Como é que foram geridos os fundos comunitários da política de coesão. Qual foi a sua importância na requalificação do território. O que se fez, o que não se fez e deveria ter sido feito, o que ainda é preciso fazer mas já passou a ocasião, e, agora, para que se faça o que não se fez e devia ter sido feito, vai dar muita água pela barba ou nem se fará, pois já são consideradas prioridades negativas pela União Europeia. Pelo que se ouviu, constata-se que fomos penalizados pela lentidão, perdeu-se a ocasião, a velocidade e o comboio para captar verbas disponíveis para investimentos em áreas determinantes para o desenvolvimento social e económico da região e o desfazer de assimetrias. Resgatar o tempo e os apoios para fazer o que já devia estar feito e não se fez, não é tarefa fácil, embora seja preciso voltar a isso em vários sectores, sobretudo em âmbitos supramunicipais, isto é, fora do canteiro de cada município, pois esses investimentos trariam, por contágio, repercussões e benefícios para todos. Os prazos estabelecidos para isso são agora muito curtos. Uns, até 2026, outros, quer dentro do Programa de Renovação e Resiliência, quer do quadro de financiamentos 20-30. E isto, não para chorar sobre leite derramado, bem ou mal derramado, mas para que se ande ligeiro da perna e se projete o futuro, decidindo quais os empreendimentos verdadeiramente importantes e passíveis de novos financiamentos, não se tornando a perder esta nova oportunidade. 

Os intervenientes no debate salientaram o que se fez de positivo. O país em geral, foi dito, aproveitou os principais desígnios dos fundos de coesão para diminuir as assimetrias, reestruturando equipamentos básicos, como seja a reabilitação do território para o turismo e visitantes, a agricultura e agropecuária, a paisagem, o ambiente, os saneamentos, a requalificação da rede escolar, do espaço público, a valorização do património, da dinamização cultural, dos equipamentos de saúde, dos serviços coletivos de proximidade, no apoio social, etc. Também se trouxe ao de cima a importância das Academias e do Ensino Superior em geral, que, se presentemente tem feito um trabalho de grande mérito nos esforços para a coesão territorial, nem sempre foi assim, sobretudo quando a investigação não era tão dirigida para o meio ou não tinha aplicação direta nas necessidades do território. De facto, sendo espaços de estudo e investigação, o ensino inova, produz conhecimento, mas o território só beneficiará desse conhecimento se ele for orientado, não só para se saber mais no plano científico, mas também, e sobretudo, para as necessidades existentes, tendo aplicação prática na promoção do desenvolvimento local, estando ao serviço de tudo o que é expressão de vida empresarial, económica e social. Se não há inovação, se não há conhecimento de aplicação prática, as empresas existentes não evoluem, não se atrairá outras, o emprego não crescerá, as pessoas deixarão de se fixar, os talentos locais irão à vida, a demografia, um grande quebra-cabeças do território, não inverterá a sua marcha, nem as empresas terão mão de obra capaz, mão de obra qualificada e menos qualificada, mas todas com justa retribuição. E como foi dito, não haverá grande interesse em desenvolver tecnologia muito avançada se não tem aplicação nem interesse empresarial, gerando riqueza, promovendo a produção.

Também veio ao de cima a Fábrica de aeronaves ligeiras a construir no aeródromo Municipal de Ponte do Sor. Irá criar cerca de 1200 empregos dentro do triângulo aeronáutico Ponte de Sor, Évora e Beja, sendo esta a primeira aeronave ligeira que se faz em Portugal. Envolve o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), sediada no Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia, em Évora, e uma empresa brasileira. Este projeto luso-brasileiro está integrado no Programa ATL-100, prevê quatro protótipos de aeronave, cuja construção do primeiro se presume em 2023 e a comercialização em finais de 2025 princípios de 2026. Prevê-se ainda o envolvimento de 30 empresa e universidades nacionais e internacionais, num investimento global estimado em cerca de 140 milhões de euros, lia-se há pouco nos jornais.

Outra iniciativa que se realçou foi a fixação do Fórum de Energia e Clima lançado no Instituto Politécnico de Portalegre e criado por entidades dos nove Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo financiamento, para além do Fundo Ambiental português, se prevê através de candidaturas aos fundos da União Europeia e das Nações Unidas, numa luta contra a crise climática e com projetos em cada país CPLP. Como sabemos, o Politécnico de Portalegre já investiga e valoriza a economia circular, as energias renováveis e outros programas para cuidar da casa comum. Se o Alentejo tem condições para a fixação deste Fórum, foi essencial que alguém andasse a tempo e horas para o atrair para cá, trazendo investimento e outros projetos. 

Há oportunidades que surgem e cujas decisões têm de ser rápidas, não se compadecem com o amanhã pensaremos nisso! Entre o importante e necessário, e para o qual é preciso continuar a ter olho fino e pé ligeiro, falou-se da Barragem do Pisão, dos investimentos na área da mobilidade e equipamentos da saúde, na ação social, na ligação Sines-Elvas-Caia-Madrid, na ligação A6-A23, na importância da linha férrea, na gestão da água, do reforço do sistema de digitalização, nas áreas de acolhimento empresarial com capacidade industrial e produtiva, numa casa comum mais verde, etc. etc. e etc. No entanto, tudo isto só poderá acontecer se não se voltar a perder o comboio, se se deixar de pensar pequenino, se se pensar o território de forma macro, se se derem as mãos, se as sinergias de inovação e dos conhecimentos académicos, dos poderes públicos e políticos, da sociedade civil e serviços de proximidade, se a política de influência, se todos convergirem, sem politiquices de caserna que nada resolvem e tudo atrasam ou impedem que se faça, lavando as mãos em águas turvas.

Parabéns ao Instituto Politécnico de Portalegre pela sua iniciativa, pelo notável trabalho que tem desenvolvido em favor do ensino e do desenvolvimento regional, pela sua dedicação, pelo seu entusiasmo e esperança no futuro. Bem haja!
 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 21-03-2021.

 

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