Há dois mil anos o acontecimento não foi notícia, mas foi um grande acontecimento. Hoje, ao contrário, tornou-se notícia e causa frenesi cansativo, mas sem causar grande alegria nem ter grande importância como acontecimento. Interessa muito, isso sim, para servir de pretexto ao consumo e à promoção do comércio. Não quero dizer que isso seja mau, apenas quero realçar que não é o acontecimento que mexe com grande parte das pessoas.

Senhor Presidente do Cabido da Catedral

Reverendo Pároco desta paróquia da Sé

Senhores Padres e Diáconos

Senhora Presidente da Câmara Municipal de Portalegre

Digníssimas autoridades

Caros fiéis aqui presentes nesta Catedral, igreja mãe da Diocese

E todos quantos nos acompanham através da Rádio Portalegre

Exultemos de alegria no Senhor, porque nasceu na terra o nosso Salvador”. Esta antífona do Cântico de Entrada dá o tom a toda a solenidade do Natal. E os Evangelhos que iremos proclamar neste dia, agora e durante o dia de amanhã, chamam-nos a atenção para a grandeza do acontecimento, o anúncio do mesmo e o acolhimento que lhe devemos prestar. Há dois mil anos o acontecimento não foi notícia, mas foi um grande acontecimento. Hoje, ao contrário, tornou-se notícia e causa frenesi cansativo, mas sem causar grande alegria nem ter grande importância como acontecimento. Interessa muito, isso sim, para servir de pretexto ao consumo e à promoção do comércio. Não quero dizer que isso seja mau, apenas quero realçar que não é o acontecimento que mexe com grande parte das pessoas. O desvio das atenções, os preconceitos, o medo da verdade e a indiferença com que se vive fazem descentralizar a Festa da sua causa, isto é, do Festejado, d’Aquele que é o princípio e o fim, o alfa e o ómega, a fonte da vida e a referência obrigatória do pensamento e dos valores quando se deseja e espera uma Humanidade mais justa e reconciliada no amor.

São Lucas dá a este acontecimento um relevo extraordinário. No seu relato, este acontecimento tem data precisa, dá-se num contexto histórico e geográfico muito preciso, com autoridades concretas e conhecidas, com pessoas identificadas e circunstâncias bem definidas e pormenorizadas. Foi por altura do recenseamento de César Augusto, quando Quirino era governador da Síria.

O anúncio deste grande evento foi feito, não às elites da sociedade, não aos que sabiam as leis e conheciam as escrituras, não aos sábios nem às pessoas consideradas “pessoas de bem”. O anúncio foi feito aos pastores dos campos de Belém, os últimos da sociedade, os que eram proibidos de entrar no templo para rezar e não podiam ser admitidos no tribunal como testemunhas. Eram pobres e rudes, explorados e indignos de confiança. Mas é precisamente a eles que o mensageiro celeste anuncia a alegria do nascimento de um Salvador para todo o povo. Um Salvador que, desde o seu nascimento, é sempre visto no meio dos rejeitados pela sociedade. É a eles que se manifesta durante toda a sua vida terrena com palavras cheias de amor, compreensão e esperança. É para eles que o Senhor estende os olhos e diz: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30).

Na vida pública de Jesus encontramos muitos episódios, alguns geridos no meio de forte tensão entre os poderosos e importantes do seu tempo. O que Jesus fazia ou dizia, se em muitas ocasiões provocava espanto e assombro, noutras, porém, gerava mal-estar e contestação. Doutores da lei e fariseus, outros curiosos e intrigados quanto à pessoa de Jesus, sentindo-se abalados no seu prestígio e autoridade, abeiravam-se d’Ele para lhe pedirem um sinal: “Mestre, queremos ver um sinal realizado por ti…” (Mt 12,38). Para os saduceus e fariseus e todos quantos se apresentavam com ideias feitas e inquestionáveis, ressuscitar mortos ou curar doentes, não era um sinal que chegasse. Queriam ver um sinal mais claro, um sinal à sua medida, pelo qual pudessem acreditar que Jesus era verdadeiramente o Messias, Aquele que estava prometido há muitos anos. João Batista, da cadeia onde se encontrava, também começou a duvidar e pediu para perguntarem a Jesus se era Ele o que havia de vir ou se teriam de esperar outro. Também João pedia um sinal, um sinal da manifestação de Deus. No relato do nascimento de Jesus que acabámos de ouvir no Evangelho desta noite, quando os anjos anunciam aos pastores que nasceu o Redentor, deram-lhes um sinal: “Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoira…”. Este é o sinal: “… um menino envolto em panos e deitado numa manjedoira…”.

Os pastores sabem que Deus é maior do que nós, sabem que Deus nos surpreende sempre. E perante o anúncio desta alegria extraordinária, “uma alegria para todo o povo”, uma alegria que vai ao encontro das mais profundas aspirações do coração humano, eles tomam imediatamente uma decisão: «Vamos a Belém, para vermos o que aconteceu e o que o Senhor nos deu a conhecer». É uma cena grandiosa, eloquente e única: aqueles que não contavam para nada nem para ninguém, aqueles cujo nome não se conhecia em qualquer lista de importantes, eis que vão, apressadamente, verificar tais acontecimentos, acontecimentos que não podem calar nem podem deixar de dar a conhecer a quem quer que seja. Os senhores do mundo, César Augusto e a Quirino, por exemplo, saem logo de cena. São os pastores, que assumem o papel de verdadeiros protagonistas. Maria, José e o Menino, também lá estão mas não dizem uma única palavra. A palavra é toda dos Anjos e dos pastores.

Pessoas há que ainda hoje reclamam mais evidências, continuam a exigir sinais, outros sinais, querem milagres, exigem manifestações extraordinárias, correm daqui para ali, dali para acolá e dacolá para aqui, à procura de milagres e parece que encapricham e voltam as costas se, no seu entender, nada de extraordinário e palpável acontece nas suas vidas ou na história do seu quotidiano. Ora, o maior milagre, o fascinante milagre, o sinal grandioso que Deus nos dá continua a ser aquele que o Anjo, hoje, anuncia aos pastores: “Não temais … anuncio-vos uma grande alegria … nasceu-vos hoje, na cidade de David, o Salvador … ”. Este é o sinal: “… um menino envolto em panos e deitado numa manjedoira…”.

 Esta é a boa nova desta noite que mais uma vez temos a graça de ouvir e conhecer e desejamos que ela continue a ressoar pelos quatro cantos do muno iluminando a escuridão de tantas vidas e derretendo o gelo de tantos corações e de tantas famílias.

Como refere o nosso Papa Francisco, “Este é o sinal: o rebaixamento total de Deus. O sinal deu-se quando nessa noite, Deus amou a nossa pequenez e se fez ternura; ternura para toda a fragilidade, para todo o sofrimento para toda a angústia, procura e limite. O sinal é o amor de Deus. A mensagem que esperavam todos os que pediam sinais a Jesus, os desorientados e os seus inimigos, era esta: procurem o amor de Deus, Deus feito amor, Deus que acalma a nossa miséria e que ama a nossa pequenez. Hoje proclama-se o amor de Deus. O mundo não para, os homens continuam à procura de Deus, mas o sinal é este” (F. 2004), o Filho de Deus feito homem.

Reconhecendo o sinal e juntando-nos ao coro dos Anjos também nós, numa atitude de gratidão e de extrema alegria, haveremos de cantar por toda a nossa vida aquele celestial e humano Glória in excelsis Deo e Paz na terra aos homens por Ele amados.

Caros amigos, o Natal, como alguém escreve, não é uma história de embalar meninos. É o maior e mais excelente acontecimento da história. Para celebrar verdadeiramente o Natal de Jesus, é preciso estar vigilante, com humildade e abertura interior às surpresas de Deus. É preciso saber escutar, neste silêncio da noite, esta bela e  amorosa serenata de Deus. Deus, pedinte, pede licença para entrar no que é seu. Deus, humilde, suplica o que lhe pertence: o nosso próprio coração. Deus, despojado da sua própria grandeza e feito Menino, implora que nos amemos uns aos outros como Ele nos amou. Deus, libertador, não conquista pela força, nem com artimanhas de cacique experimentado ou de proselitista interesseiro. Deus, delicado e Pai, investe pessoalmente em cada um de nós para nos salvar, não com poder e malabarismos, mas com amor e em liberdade, gradualmente e em provada pedagogia, a pedagogia do amor.

Será Natal dentro de ti, dentro de mim, dentro de cada um de nós e das nossas famílias, se formos percebendo o alcance deste sinal que hoje nos é dado e se prestarmos atenção aos apelos do presépio e do Evangelho. Será Natal se formos interiormente livres e humildes como os pastores de Belém. Nesta noite santa, também eles nos desafiam a que nos deixemos surpreender por este Deus que se desfez da sua grandeza para chegar até nós e nos levar até Ele. Deixemo-nos, pois, desafiar, demos, um passo em frente, vamos até Belém ver o Menino envolto em faixas e deposto na manjedoura, contemplemo-lo, olhemos para Ele também à luz da Páscoa, como quem diz, olhemo-lo, não apenas envolto em faixas e deposto numa manjedoura, mas também envolto num lençol e deposto no sepulcro, a “Páscoa do Natal” (como refere a liturgia do Oriente), o supremo gesto de amor por cada um de nós e do qual fazemos memória na Eucaristia que celebramos. Deixemo-nos de importâncias, despojemo-nos das nossas pretensas grandezas e prostremo-nos, adorando O Menino. Tenhamos a coragem de crer, a delicadeza de lhe abrir a porta do coração a Ele que chama e bate, deixemo-nos guiar por Ele, escutemo-lo para que possamos exclamar: “Meu Deus, como sois grande no sinal deste Menino, como sois grande na minha vida, como sois grande, em tantos minúsculos sinais da minha história. Abri os meus olhos para que seja capaz de perceber estes pequenos sinais da minha fé, do meu escondido caminho na Igreja, da minha simples caminhada na paróquia. Abri meus olhos para que leia em tudo a vossa salvação que sai ao meu encontro”. Faz com que a minha família, as nossas famílias se sintam estimuladas pela Tua família, a Sagrada Família de Nazaré. Que elas sejam verdadeiros espaços onde se fomente a cultura do amor, do perdão, da delicadeza, do acolhimento, da alegria, da paz, da sadia convivência, da inserção gradual na sociedade civil e eclesial, na vida.

Que o Menino nasça na vida interior de ti que me ouves e de cada homem. Que Ele nasça na história da nossa Diocese, da nossa cidade, dos nossos Hospitais, das nossas escolas, das nossas instituições e associações, dos nossos governantes, das nossas famílias, de toda a humanidade.

O nascimento de Jesus é hoje o sinal, o acontecimento mais importante para todos nós. Ele bate e chama uma vez mais, outra vez ainda… não sentes?, Ele bate e chama à nossa porta, quer lugar na nossa vida. Chama-nos com todo o seu amor valendo-se até da insatisfação que, tantas vezes, percorre a nossa existência vazia, superficial e contraditória; da pena sentida dos nossos pecados; do nosso desejo de perdão, de limpeza, de transparência, de honestidade; chama-nos, enfim, através do nosso desejo de sermos melhores, de rezarmos mais, de nos abrirmos a todos os irmãos, de amar a todos os povos…

Feliz Natal para todos!

 

Bibliografia:

D. António Couto, Quando Ele nos abre as Escrituras–Domingo após Domingo, Ano B, Ed. Paulus, 2014.

Vários, Comentários à Bíblia Litúrgica, Ed. Gráfica de Coimbra 2, 2007.

Vários, Sementes de Evangelho–Leitura orante do Evangelho, Ano AeB, Sec. Nac. Liturgia, 2013 e 2014.

www.dehonianos.org/portal/liturgia. Natal do Senhor – Missa da Meia-noite – Ano B.

www.abcdacatequese.com/index.php/evangelizacao/homilia-de-natal.

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