No estábulo de Belém, deitado na manjedoura, surgiu esta grande luz que muitos aguardavam e muitos outros ainda esperam. Naquele Menino, luz do mundo, Deus mostra a sua glória, a glória do Seu amor, amor gratuito, simples e humilde, despojado de toda a grandeza e poder: “embora fosse de condição divina …

 

 “Para os que habitavam na terra da escuridão, uma luz começou a brilhar”, afirma o Profeta Isaías na primeira leitura. São Paulo, na segunda, escreve a Tito dizendo: “manifestou-se a Graça de Deus” (cf 2, 11). Este “manifestar-se” outra coisa não é senão a explosão da luz de Deus sobre o mundo, mundo cheio de trevas, injustiças, dores e problemas. O Evangelho, por sua vez, falando-nos dos pastores, diz que “O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz” (lc 2,9). Isto é, apareceu a glória de Deus, as trevas desapareceram, irradiou-se a luz: “Deus é luz e n´Ele não há trevas”, diz-nos S. João (1Jo1,5).

Este Mistério do Natal é-nos dado a conhecer, não só, mas também através de símbolos. Entre eles encontra-se a luz, um dos símbolos mais ricos de significado. Este símbolo da luz está relacionado com tudo o que é bom e positivo, com tudo o que é divino. O mundo divino é um mundo de felicidade e de luz. Há uma ligação muito estreita entre a vida do homem e a luz, não só com a vida física mas também com a vida moral e espiritual. Viver segundo a vontade de Deus é deixar-se iluminar pela sua luz. É a luz da vida que derrota a morte, é a luz do amor que supera o ódio, é a luz da humildade que destrói o orgulho, é a luz do bem que vence o mal. Cristo define-se a si próprio como a luz: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). E São João define Jesus como “a luz verdadeira que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9). As velas e as luzes que acendemos, e as iluminações que se multiplicam por esta ocasião, evocam esta luz, invisível aos olhos do corpo, mas não aos olhos do coração. As pessoas de boa vontade, iluminadas e fortalecidas por esta luz, são capazes de, como diz o salmo de hoje, são capazes de cantar ao Senhor um cântico novo, de anunciar dia a dia a sua salvação e de proclamar a toda a gente as suas maravilhas. Esta luz que é fonte de vida, de conhecimento, de verdade e de amor, faz-nos viver com alegria e esperança, aquece-nos a alma e indica-nos o caminho a trilhar. E enquanto produz calor e nos aquece a alma e o coração, esta luz significa também amor e onde há amor há alegria, entendimento, diálogo, delicadeza, solidariedade, perdão, respeito de uns pelos outros, paz.

No estábulo de Belém, deitado na manjedoura, surgiu esta grande luz que muitos aguardavam e muitos outros ainda esperam. Naquele Menino, luz do mundo, Deus mostra a sua glória, a glória do Seu amor, amor gratuito, simples e humilde, despojado de toda a grandeza e poder: “embora fosse de condição divina … aniquilou-se a Si próprio, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens” (Fl 2,6-7). No entanto, em toda esta sua fragilidade e dependência, Ele tem o poder sobre os ombros, é Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, como refere a leitura de Isaías. Ao longo de todos os séculos, esta luz encantadora e bela, nunca mais se apagou nem apagará, envolveu homens e mulheres de todas as idades, lugares e saberes, envolveu famílias que a acolheram e despontaram para a fé n’Aquele Menino que a todos cercou de luz e neles fez desabrochar a caridade, a bondade para com todos, a carinhosa atenção pelos frágeis da sociedade, pelos débeis e os doentes (cf. Bento XVI, 24/12/2005). São tantos e tantos os que se tornaram verdadeiros candelabros propagadores desta luz, incendiando o mundo de amor, anunciando e testemunhando!…

A este Menino Luz do Mundo, o Profeta Isaías que O anuncia cerca de 740 anos antes de Ele ter nascido, chama-Lhe “Príncipe da paz”. E a propósito do Seu reino, diz-se que esta “paz não terá fim”. No Evangelho, São Lucas anuncia aos pastores “Glória a Deus e paz na terra aos homens de boa vontade”. Mas que paz é esta? Não é tanto a ausência de guerra, é sim a presença de amor: “Deus é amor”, Jesus Cristo é “o Príncipe da paz”, onde habita Deus, aí há caridade e o amor, respeito pela pessoa e sua dignidade. E quem são as pessoas de boa vontade? O Evangelho mostra-nos algumas individualmente consideradas e também grupos de pessoas. Fixemo-nos nos pastores. Os pastores eram pessoas sem-abrigo e desprezadas no seu meio, eram tidos como pouco sérios, rejeitados como testemunhas, ninguém acreditava neles. O Evangelho, porém, chama a atenção para uma caraterística que, mais tarde, Jesus, aconselhou como importante nos seus discípulos. Os pastores eram pessoas vigilantes. Vigiavam as suas ovelhas, sim, mas também viviam na expectativa do Messias anunciado pelos Profetas, isto é, estavam disponíveis para ver e escutar a palavra de Deus que em Cristo se tornara breve e simples no meio de um emaranhado de tantas leis e preceitos que os homens inventaram e impuseram uns aos outros. Os pastores viviam com esperança e a sua vida não estava fechada em si mesma, o seu coração estava aberto à novidade do futuro que traz valores novos que, uma vez acolhidos, transformam o homem e a sociedade. A sua vigilância consistia nesta abertura e disponibilidade: disponibilidade para ouvirem; disponibilidade para se porem a caminho; disponibilidade para enfrentarem o cansaço e as dificuldades; disponibilidade para reconhecerem o sinal de Deus num Menino pobre que, como qualquer menino, precisava, quis precisar, da nossa atenção, cuidados e amor; disponibilidade para se deixarem tocar pela grandeza deste Deus que nos desconcerta pelo modo simples como vem até nós e nos concerta levando-nos a mudar a forma de viver (cf. Id). Esta maneira, pobre e humilde, de Jesus vir até nós, é, na verdade, a luz que nos indica a forma e o caminho que cada um de nós há de encontrar para ser e agir como Jesus agiu e fez. Vendo a atitude dos pastores, olhamos agora para nós. Deus ama-nos a todos por igual, sim, todos somos Suas criaturas. Mas talvez que alguns de nós estejam pouco vigilantes! Talvez que alguns de nós estejam demasiadamente fechados em si próprios, seguros das suas razões e certezas. Certezas e razões tantas vezes apoiadas em pés de barro ou construídas ao sabor das modas e dos caprichos. Há tantos conflitos em família ou de uns com os outros que se devem ao facto de as pessoas se fecharem nos seus próprios interesses e opiniões quase sempre eivadas de profundo egoísmo e mesquinhez, de trevas e não de luz. Continuando a ceder à tentação das origens, ou queremos ser como Deus, ou, orgulhosamente, prescindimos dele e voltamos-Lhe as costas. Não agimos como os pastores, de forma atenta e vigilante e entendemos que Deus pode ser descartado da nossa vida. E quais são as consequências deste voltar as costas a Deus? A experiência histórica de povos, famílias e pessoas, diz-nos que o esquecimento de Deus arrasta consigo a indiferença, o abandono, o desprezo e o aniquilamento dos outros. Quem ama a Deus e permanece vigilante não age assim, sofre com o mal que faz e sofre com o bem que deixa de fazer. Mas quer mudar, reconhece que não está bem, vive nesta tensão interior à espera de a conseguir minimizar, pois sabe que amor com amor se paga. Sabe que é mentiroso aquele que diz amar a Deus a quem não vê e despreza o irmão a quem vê. Reconhece que a luz divina torna as nódoas humanas mais visíveis. Por isso, no seu íntimo, reconhece que tem necessidade de mudar, vive na esperança de mudar, quer mudar, quer ser diferente para melhor e, assim, vai escancarando as portas do coração, para que a luz de Deus possa entrar, e, com ela, a Sua paz. Deus persegue-nos, assim, amorosamente, e procura pessoas que o deem a conhecer, levem e comuniquem a Sua paz, para que todos vivam na Sua luz, no Seu amor.

Ninguém vai à festa de aniversário de alguém, se não está em paz com o aniversariante ou com aqueles que lá se vão encontrar, alegre e festivamente. Também não seria de bom-tom celebrar a festa de aniversário esquecendo-nos do próprio aniversariante. Nós viemos aqui, uns e outros, para celebrar com alegria, em assembleia cristã, o aniversário de nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus, Aquele que veio para o que era seu e muitos dos seus não conheceram.

É por isso que a verdadeira celebração do Natal de Jesus nos encosta à parede, coloca-nos de joelhos, faz-nos olhar para o mais íntimo de nós mesmos e bater com a mão no peito ao sentirmos quão longe estamos de corresponder a este amor de Deus manifestado em Jesus, pobre e humilde, alegre e feliz por estar connosco. Ele veio para selar, com o Seu sangue, uma nova aliança entre Deus e os homens. “Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação do homem com Deus e dos homens entre si” (Francisco, Mensagem do Dia da Paz). Porque temos todos um só Pai, que é Deus, somos todos irmãos em Cristo. Ora, como afirma o Papa Francisco na sua primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, é preciso que esta “fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada”, para sabermos sentir como nossos os sofrimentos, angústias, tristezas e alegrias de todos os outros e nos empenharmos em deitar mãos à construção de um mundo mais justo e mais humano. “As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura da solidariedade” (id).  

Juntamente com Maria, a Virgem do silêncio contemplativo e da escuta atenta da Palavra, adoremos o Menino, por uns instantes, em silêncio: Ele está no meio de nós, conhece cada um de nós muito melhor do que cada um a si próprio, chama-nos pelo nome, envia-nos, confiando em nós o anúncio do Seu Reino de luz, de amor, de justiça e de paz. Conversemos com Ele em silêncio. Renovemos junto d’Ele a nossa condição de discípulos e de irmãos para que, sentindo a alegria dos pastores, nos deixemos envolver, com todas as suas consequências, por esta luz que é o Menino Deus.

 

Antonino Dias

Bispo de Portalegre-Castelo Branco

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