Se nos fixarmos no Evangelho, a narrativa do nascimento do Filho eterno de Deus é deveras encantadora na sua simplicidade. S. Lucas depois de ter situado o acontecimento no tempo e no lugar, afirma: “E chegou o dia de Maria dar à luz, e teve o seu primogénito. Envolveu-o em panos e recostou-O numa manjedoura, por não terem lugar na hospedaria” (Lc 2, 6-7).

 

A 1ª Leitura é um belíssimo texto do chamado livro de Emanuel (Is 7-12). Em face da iminência de várias guerras, abrem-se horizontes de esperança que se projectam em tempos futuros, muito para além das soluções imediatas: é a utopia messiânica de paz e alegria que veio a ter o seu pleno cumprimento com a vinda de Cristo ao mundo. Esta leitura enquadra-se maravilhosamente nesta noite de Natal, em que “uma luz começou a brilhar”. Esta luz é o “Menino” que nasce para nós, “luz do mundo”. Como diz o profeta: “tem o poder sobre os ombros e será chamado Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz”.

Se nos fixarmos no Evangelho, a narrativa do nascimento do Filho eterno de Deus é deveras encantadora na sua simplicidade. S. Lucas depois de ter situado o acontecimento no tempo e no lugar, afirma: “E chegou o dia de Maria dar à luz, e teve o seu primogénito. Envolveu-o em panos e recostou-O numa manjedoura, por não terem lugar na hospedaria” (Lc 2, 6-7).

E chegou, assim, chegou o momento que Israel aguardava há muito tempo, o momento esperado por toda a humanidade. Chegou o momento da concretização daquilo que o Anjo tinha preanunciado, em Nazaré, a Maria: “Hás-de dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo” (Lc 1, 31-32).

E disse o Anjo aos pastores: “Anuncio-vos uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor”.

Caros amigos, hoje nasceu o nosso Salvador. Esta é a Boa Nova desta noite Santa de Natal. Os pastores vieram a toda a pressa e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura”.

Também nós quisemos vir aqui, a esta celebração do nascimento do Menino Deus. Alegremos e com o salmista, cantemos com toda a criação o nascimento deste Deus menino. Ele é o Deus forte e Poderoso, mas fez-se pequenino para que possamos compreendê-l’O, acolhê-l’O e amá-l’O.

O Evangelista tem o cuidado de nos dizer que na hospedaria não havia lugar para Ele. E São João refere que Ele “veio para o que era Seu e os Seus não O acolheram”.

Este facto do não acolhimento, se o podemos aplicar a Belém e a Israel, podê-lo-emos também aplicar a toda a humanidade e talvez a nós próprios.

Decorridos 20 séculos, qualquer pessoa que se aproxime interessada e honestamente da figura de Jesus, fica confrontada com esta pergunta: afinal, quem é este Menino.

A resposta tem de ser pessoal. Sou eu, és tu quem tem de responder. E temos de responder não com aquilo que os concílios disseram, nem com o que os teólogos explicaram, nem com as conclusões a que chegaram os exegetas e os investigadores acerca de Jesus. Mas é cada um de nós quem tem de responder. Dizemo-nos e somos cristãos. Mas será que Jesus está no centro do nosso cristianismo?

É essencial aos cristãos professar a fé em Jesus Cristo como “Filho de Deus”, “Salvador do mundo” ou “Redentor da humanidade”. Não será, porém, que reduzimos a sua pessoa a uma abstracção?

Não teremos nós, hoje, necessidade de o conhecer de uma maneira mais viva e concreta, de compreender melhor o seu projecto, de captar bem a sua intuição de fundo e de nos contagiarmos pela paixão que Ele tinha por Deus e pelo ser humano?

Todos temos de Jesus imagens muito diferentes. Nem todas são coincidentes com aquela que faziam d’Ele os primeiros homens e as primeiras mulheres que o conheceram de perto e o seguiram.

Cada um tem a sua ideia, a sua própria imagem de Jesus. Essa imagem forjada ao longo de anos, é aquela que actua como “mediação” da presença de Cristo na nossa vida. É a partir dessa imagem que lemos o evangelho, ouvimos o que nos pregam, alimentamos a nossa fé, celebramos os sacramentos e damos dimensão à nossa vida cristã. Se essa imagem de Jesus for pobre e parcial, a nossa fé será também pobre e parcial. Se ela for distorcida, é distorcidamente que viveremos a nossa experiência cristã. Entre nós há cristãos bons que crêem em Jesus e o amam sinceramente. Mas não precisaremos muitos de nós de “mudar” e de purificar essa nossa imagem de Jesus, a fim de descobrirmos com maior júbilo a grandeza da fé e darmos importância ao que é importante?

A grande paixão de Jesus era a de construir o Reino de Deus. Foi por essa causa que foi perseguido e executado. Para Ele só o Reino de Deus era absoluto. O resto era tudo relativo. Na sua vida, o essencial não era simplesmente Deus, mas Deus com o seu projecto para a história humana. Não falava de Deus sem mais, mas de Deus e do seu reino de paz, de compaixão e de justiça. Não chamava a gente para fazer penitência na presença de Deus, mas para “entrar” no seu reino. Não convidava por convidar a procurar Deus, mas a procurar o reino de Deus e a sua justiça. Quando deu início ao movimento de seguidores que haveriam de prolongar a sua missão, não os enviou para organizarem uma nova religião, mas para anunciarem e fortalecerem o reino de Deus. Para isso, era preciso fazer muitas coisas, mas há tarefas que Jesus sublinhou mais, como, por exemplo, introduzir no mundo a misericórdia de Deus, pôr a humanidade a preocupar-se com os últimos; construir um mundo mais justo, a começar pelos marginalizados; semear gestos de bondade para aliviar o sofrimento, ensinar a viver com toda a confiança em Deus Pai que só deseja uma vida feliz para todos os seus filhos e filhas.

Jesus deu início a este movimento de seguidores que se encarregariam de anunciar e desenvolver o projecto do “reino de Deus”. Foi daí que nasceu a Igreja de Jesus. Por isso não há nada tão importante para nós como renovar incessantemente, dentro da Igreja, o seguimento fiel da sua pessoa. Seguir Jesus é o que nos torna cristãos.

Jesus ao morrer, “lançou um forte brado”. Não era só o último grito de um moribundo. Naquele grito estavam a gritar todos os crucificados da história. Era um grito de indignação e protesto.

Era, ao mesmo tempo, um grito de esperança.

Os primeiros cristãos nunca esqueceram aquele grito de Jesus. No grito daquele homem rejeitado e executado por ter procurado a felicidade de todos, estava a derradeira verdade da vida. No amor daquele crucificado estava o próprio Deus identificado com todos os que sofrem gritando contra as injustiças, torturas e abusos de todos os tempos. Pode-se crer ou não crer nesse Deus, mas não é possível rir-se d’Ele. Esse Deus não é uma caricatura do Ser Supremo e Omnipotente, que não quer saber das suas criaturas. É o Deus incarnado em Jesus, que sofre com os que sofrem, morre com os que morrem injustamente e que procura connosco e para nós a Vida[i][1].

A 2ª Leitura é tirada da 2ª parte duma pequenina carta a Tito. Depois de lhe dar orientações pastorais para a organização da Igreja de Creta, S. Paulo passa a desenvolver o tema das exigências da vida cristã: renunciar à impiedade, aos desejos mundanos e viver com justiça, temperança e piedade. São exigências do nosso próprio Baptismo que implicam a escuta da Palavra, a dinâmica sacramental, a oração e o exercício da caridade.

Caros fiéis e amigos diocesanos, presentes nesta Assembleia celebrante ou que nos acompanhais através da Rádio Portalegre, pelo que me vou apercebendo, noto que sois gente delicada, acolhedora, respeitadora e amiga. E gente com fé. São, sem dúvida, valores evangélicos que devemos agradecer e estimular e que muito nos alegram. Mas gostaria de vos pedir, como bispo e como amigo que deseja o vosso crescimento na santidade e na cultura da fé, gostaria de vos pedir um pouco mais de atenção à participação na Eucaristia dominical que celebra este único acontecimento salvífico que começa com o nascimento de Jesus e termina na sua condenação, paixão, morte e ressurreição, que celebramos na Páscoa.

A participação na Eucaristia dominical é uma exigência de amor dos seguidores de Jesus. Com este compromisso assumido na celebração do nascimento do Menino Deus, tudo será diferente na vida de cada um. A educação dos vossos filhos na fé, será diferente. Ouvir a Palavra e fazer memória do que Jesus fez por nós, levar-nos-á a viver de outro modo a fé, a vida e a realidade de cada dia. Far-nos-á encontrar, verdadeiramente, o eixo, a verdade, a razão de viver, o caminho. Saberemos viver dando um conteúdo real à adesão a Jesus. Isto é, descobriremos e procuraremos cada vez mais, crer no que Ele cria; viver o que Ele vivia. Aprenderemos a dar importância àquilo que Ele dava. Interessar-nos-emos por aquilo que Ele se interessava. Trataremos as pessoas como ele as tratava. Veremos a vida como Ele a via; rezaremos como Ele rezava; contagiaremos as pessoas de esperança como Ele as conseguia contagiar. As famílias crescerão no amor, na paz, na tolerância, no acolhimento e na alegria de viver.

Assim, seremos capazes de incendiar o mundo e o coração dos homens com o fogo do amor que Jesus veio trazer e quis que ele se incendiasse com a colaboração de cada um de nós.

Que o Natal não seja uma espécie de beleza em fuga, nem uma palavra escrita na água ou na areia, que amanhã já não existe.

 

+Antonino Dias

Bispo de Portalegre-Castelo Branco

 


 

 


[i]cf. José António Pagola, Jesus – uma abordagem histórica, Gráfica de Coimbra 2, 2008

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