Se esse desmancha-prazeres que é o convi19 não nos deixa viver as festas, não deixemos de brindar à festa, as festas fazem falta. Não porque nos devam ser impostas a partir de fora, mas porque elas partem de dentro, fazem parte de nós. Embora cada um as possa viver de forma diferente, não há recanto, pequeno ou grande, com muita ou pouca gente, que não faça festa. A pessoa tem uma dimensão naturalmente festiva. No entanto, mesmo que alguém possa ser multifacetado em saberes, palhaçadas, talentos, acrobacias, pífaros e adufes, ninguém consegue fazer festa sozinho. Umas serão espontâneas e com pouca gente, outras há que reclamam organização responsável e concertada, para que, de facto, o maior número dos participantes se sinta envolvido, sem atropelos nem chinfrins. 

Continuando o texto anterior, hoje, para além de tudo o que pode engrandecer uma festa, hoje vou falar daquilo que é o ponto alto de qualquer festa cristã, refiro-me à festa cristã. A festa implica gente. E se as festas podem ter várias origens, causas e pretextos e, porventura, na mente de quem as organiza, possam ter objetivos concretos a alcançar, a festa cristã também não se faz sem gente, e tem alguns objetivos. Precisa de gente que dance, ria, conviva, se divirta, aprecie a arte, a beleza e tudo o que envolve a festa. Mas a festa cristã também tem objetivos importantes: avivar a comunhão com Deus, adorar, louvar, pedir perdão, renovar-se na alegria de viver, agradecer o dom da vida e tudo quanto nela tem acontecido de bom e menos bom, reforçar a vontade de tocar a vida para a frente, com esperança, em comunhão com os outros, na justiça e na verdade, sentindo-se amado por Deus. Quem tem queimado as pestanas nesses estudos diz que a Bíblia nunca condena as festas, sejam elas quais forem, nem sequer as festas do mundo pagão ou extra bíblico. Condena, sim, e de que maneira! os abusos e as contradições que possam existir a pretexto ou por ocasião das festas. O próprio rei David e toda a casa de Israel, a título de exemplo, “dançavam diante do Senhor com todo o entusiasmo e cantavam ao som de liras, cítaras, tamborins, sistros e címbalos” (2Sm 6, 5). Se algum leitor pretender aprofundar este tema das festas, posso aconselhar, de momento, o número 4 da Série Científica da Revista Bíblica de novembro de 1995, da Difusora Bíblica, com a participação de vários colaboradores e que tem como título “A Festa e as Festas na Bíblia e na Vida”.
Na Bíblia, as festas tinham sempre origem em Deus e partiam normalmente de uma realidade do passado. Aliás, assim acontece, ainda hoje, com quase todas as festas. Mas a Festa por excelência do povo judeu era a Páscoa. Essa era a Festa das festas! O povo israelita sentia necessidade de celebrar, cantar e agradecer as maravilhas que Deus tinha realizado em seu favor, chamando-o, da escravidão do Egito, a ser nação livre e povo da Aliança. No entanto, se a Páscoa era a sua Festa por excelência, ela continha em si um alcance muito maior, uma esperança para toda a humanidade. Deus, que através de Moisés salvara o povo da escravidão, assim haveria de chegar uma nova e verdadeira salvação através do Messias esperado. Se fazia memória desse acontecimento do passado, a Páscoa apontava sobretudo para uma outra realidade muito mais promissora e de importância capital na História da Salvação. Apontava sobretudo para a pessoa do Messias, verdadeiro Cordeiro Pascal, sem defeito. Só Ele seria o verdadeiro protagonista, só Ele revelaria o plano de salvação de Deus para a humanidade, só Ele daria sentido ao presente e ao futuro, só Ele concretizaria verdadeiramente todas as promessas bíblicas e daria um sentido muito mais profundo às esperanças da humanidade. E assim aconteceu!… Ao mesmo tempo que se imolavam os cordeiros no Templo, Jesus, no alto do calvário, cumpria o ritual do cordeiro sacrificado. A prefiguração dava lugar à realidade de forma definitiva. Pelo sangue da sua Cruz, Ele trouxe ao mundo a luz e a vida, expiou os pecados da humanidade, libertou a todos da escravidão do pecado, estabeleceu uma nova e eterna Aliança com uma nova Lei, não escrita em tábuas como no Monte Sinai, mas escrita no coração de cada um de nós pelo Espírito Santo, morreu pelo povo, venceu a morte, ressuscitou. O seu gesto tem valor de redenção universal, é a suprema expressão da liberdade e do amor de Deus no seu Filho, que quis, de forma voluntária e solidária, dar a vida por todos e com todos estabelecer uma nova Aliança, fruto desse amor de Deus por nós. 
Antes, porém, Cristo quis celebrar a sua Páscoa com os seus discípulos. E na sua Ceia Pascal, fez-se não só o Cordeiro imolado, uma vez por todas, mas também a comida da refeição pascal do povo da Nova Aliança, da nova Criação. Antecipou o Sacrifício com que no dia seguinte selaria essa Nova Aliança: “Tomai, todos, e comei, isto é o meu corpo que será entregue por vós… Isto é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”. 
Se aconteceu há dois mil anos e tem o seu ponto alto na manhã da Ressurreição, ela tem também um alcance muito maior no presente e no futuro. A Eucaristia é o “hoje” da Páscoa de Jesus, é atualização, é memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. É celebrada para glória do seu nome, para nosso bem e de toda a Igreja enquanto esperamos a última vinda do Senhor Jesus. É memorial, atualiza, anuncia e celebra ao mesmo tempo a passagem da morte para a vida em todos os que são inseridos pelo batismo em Jesus Cristo, devendo-a manter viva no quotidiano da sua vida enquanto peregrinam em direção aos novos céus e à nova terra. 
A Páscoa de Jesus é a nossa Páscoa, é a Festa das festas dos cristãos, o fundamento e o centro de todas as festas cristãs. Se anualmente a celebramos com grande solenidade e a prolongar-se por 50 dias, a Igreja repete-a em cada Domingo do ano. A comunidade crente, em cada Domingo, o Dia em que o Senhor ressuscitou, abstém-se do trabalho, prepara-se como convém, reúne-se para fazer memória desse acontecimento com tudo aquilo que isso implica, atualiza-o, manifesta exteriormente essa alegria. É o dia da família, da comunidade cristã, dos irmãos em Cristo, da caridade, da comunhão. É o “hoje” da Páscoa de Jesus, que, como afirma São Paulo, não deve ser celebrado “com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da pureza e da verdade”. O que dizemos do Domingo, podê-lo-emos dizer das festas cristãs…. A Eucaristia é o ponto mais alto e mais solene. Tudo para ela deve convergir, tudo dela deve partir, não pode ser um mero número para encher o programa…

Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 03-07-2020.

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