Estamos a viver a semana de oração e ação em prol da cultura vocacional, cuja solicitude no terreno sempre reclama um “salto de qualidade”. Falamos daquela dimensão da vida que procura responder à busca de sentido, que estrutura e dá uma nova compreensão à existência de cada pessoa: “Senhor, que queres de mim, que queres que eu seja?”. Já noutros escritos, apoiado nos documentos da Igreja, me tenho referido a estas grandes opções de vida que são, assim o podemos sintetizar: ou o matrimónio ou o ministério ordenado ou a vida consagrada (religiosa e laical), ou, mesmo quando a pessoa conclui que não se sente chamada a nenhuma das citadas vocações e, por opção responsável, refletida, rezada e acompanhada, permanece solteira, não para fugir a responsabilidades ou para levar uma vida leviana ou descomprometia, mas por opção responsável e determinada. E quantas causas nobres de serviços à sociedade e à Igreja acontecem e se desenvolvem devido à ação destas pessoas que, durante toda a vida, se lhes dedicam total e generosamente. Mas seja qual for a resposta a dar ao estado de vida a que cada um se sente chamado, não se pode dar uma resposta a ver se vai dar certo ou apenas por um determinado tempo, a prazo. Espera-se que seja uma resposta séria e definitiva, para toda a vida. Uma resposta dada com amor, alegria e esperança, o que implica saber o que cada uma reclama de formação, preparação, responsabilidade, atenção constante e capacidade de saber ultrapassar as dificuldades que venham a surgir porque nada é tão linear como se sonha. E, isto, mesmo depois de já se estar a viver no matrimónio ou na vida consagrada ou no ministério ordenado. Se assim não for, este pucarinho de barro que cada um de nós é pode esboroar-se, fazer-nos perder o entusiasmo da primeira hora e conduzir-nos a um desfecho de infidelidade e abandono. Mesmo que se invoquem razões que possam desculpar ou diminuir a responsabilidade desse final, é sempre consequência de algo que correu menos bem, fosse em que tempo fosse. Como refere o Papa Francisco na Mensagem para este ano, é importante “que cada um possa descobrir com GRATIDÃO o chamamento que Deus lhe dirige, encontrar a CORAGEM de dizer «sim», vencer a fadiga com a fé em Cristo e finalmente, como um cântico de LOUVOR, oferecer a própria vida por Deus, pelos irmãos e pelo mundo inteiro”. Se o Senhor nos chamou por este ou aquele caminho, Ele está connosco e devemos-lhe estar gratos por ter passado pela nossa vida, por nos ter dado coragem para arriscarmos na certeza de que Ele nos estende a mão no meio das tempestades da vida, e continua a chamar-nos dentro da vocação e a dizer-nos que não tenhamos medo.

O documento “Novas Vocações para uma Nova Europa”, refere que hoje “são necessários «pais» e «mães» abertos à vida e ao dom da vida; esposos e esposas que testemunhem e celebrem a beleza do amor humano abençoado por Deus; pessoas capazes de diálogo e de «caridade cultural», para a transmissão da mensagem cristã, mediante as linguagens da nossa sociedade; profissionais e pessoas simples, capazes de imprimir a transparência da verdade e a intensidade da caridade cristã ao compromisso na vida civil e às relações de trabalho e de amizade; mulheres que redescubram na fé cristã a possibilidade de viver plenamente o seu gênio feminino; presbíteros de coração grande, como o do Bom Pastor; diáconos permanentes que anunciem a Palavra e a liberdade do serviço aos mais pobres; apóstolos consagrados capazes de se imergirem no mundo e na história com coração contemplativo, e místicos tão familiarizados com o mistério de Deus, que saibam celebrar a experiência do divino e apontar Deus presente no vivo da ação” (NVNE,12).
A Igreja valoriza a vocação de todos e confia em todos para promover uma verdadeira cultura vocacional. E se contamos com todos para esse trabalho, nesta Semana das Vocações, porém, todos temos especialmente em conta as vocações ao ministério ordenado e à vida consagrada, as vocações de especial consagração. Hoje é difícil este anúncio vocacional e torna-se fácil a tentação do desânimo em quem tem a missão de o fazer. Os valores que hoje se nos apresentam são diversos e contrastantes. A cultura é pluralista e ambivalente, “politeísta” e neutra. Há excesso de possibilidades, de ocasiões, de solicitações e, a par, a carência de projetos de vida. Há códigos de leitura e de avaliação, de orientação e de comportamento que se repercutem no plano vocacional. E os jovens são fruto deste tempo, desta cultura frágil e complexa, em que a reivindicação da subjetividade se transforma tantas vezes em subjetivismo e o desejo de liberdade em livre arbítrio. E se há quem procure autenticidade e afeto, relacionamentos pessoais e amizades sadias, vastidão de horizontes e simpatia pela vida entendida como valor absoluto, muitas vezes sentem-se um pouco à deriva, sozinhos, feridos pelo bem-estar, desiludidos das ideologias, das políticas não respeitosas do próprio direito à vida, confusos por causa da desorientação ética, como refere o documento que citei. Mas este é o nosso mundo, o mundo em que nós vivemos e exercemos a nossa missão por mandato do Senhor, não temos outro! Além disso, temos de estar conscientes que este trabalho só será possível com o otimismo da fé e através de uma conversão ao dever de mediar a voz que chama, de forma pedagógica e sem perder a força da esperança: o Senhor da messe não deixará faltar operários para a sua messe. Por isso, não pode haver desânimo nem faltar a esperança nos presbíteros, nos educadores, nas famílias cristãs, nas famílias religiosas, nos institutos seculares, nos pais, educadores, professores, catequistas, animadores e nas próprias comunidades cristãs. Todos somos chamados por Deus a colaborar, de muitas maneiras e cada um a seu modo, neste desafio vocacional, contagiando as crianças, os adolescentes e os jovens, com proximidade, gerando empatia e vivendo com alegria. E sem esquecer que Jesus usou o contacto pessoal, chamou-os pelo nome, acompanhou-os por longo tempo tal como eles eram, foi-os formando e orientando, rezou por eles…
A resposta vocacional vai-se descobrindo numa dinâmica relacional, isto é, entre Deus que chama e vai dando sinais e a pessoa que é chamada. Lendo e interpretando os sinais e a própria vida à luz de Jesus Cristo, cada um, com a sorte de ter a seu lado um verdadeiro cireneu que o ajude a discernir, vai-se dizendo e descobrindo a si próprio. E de tal modo que acabará por se tornar numa experiência de resposta livre, concreta e agradecida a Deus que chama. Nesta pedagogia da descoberta vocacional, são indispensáveis a Palavra, os sacramentos, a oração, a comunidade eclesial e a forma como nos relacionamos com os outros e somos para os outros. 
Não podemos julgar-nos conhecedores do terreno e bem entendidos nos projetos divinos. A lógica de Deus não é a nossa lógica. Houve um momento em que os Apóstolos assim fizeram, mas não se saíram bem, tiveram de meter a viola ao saco. Julgando-se conhecedores do mar, experientes naquelas lides da pesca e sem nada terem conseguido ao longo de toda a noite, ripostaram ao que o Senhor lhes pedia, e se o fizeram fizeram-no a contar com o fracasso para Lhe mostrar que eles é que tinham razão. E disse a Pedro: “Avança para as águas mais profundas e lança as redes para a pesca”. Simão respondeu: «Mestre, tentamos a noite inteira e não apanhamos nada. Mas em atenção à Tua palavra, vou lançar as redes». Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc5,4-6). 
Como Igreja em saída, acreditemos na Palavra do Senhor. Avancemos, com esperança. Façamo-nos ao largo, para além do aquário talvez demasiadamente apaparicado e amoldado a ouvir e a virar as costas a qualquer nova proposta, talvez já inquinado. Lancemos as redes para “águas mais profundas” e reacendamos em nós o zelo das origens (cf. NMI40).

Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 26-04-2020.

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