Cruzes, abrenúncio!… Será mesmo que as pedras agora vão falar?!… Não?!… Mas olham que foi o Papa quem o recordou!… No tempo em que se andava descalço, as pedras nunca falavam, mas faziam falar quem nelas tropeçava, e que galanteios tão bem sonantes!…

Bem, com calma, vamos lá falar de algumas pedras famosas, mais famosas que a pedra de dois olhos em Vila Velha, Brasil. Com certeza que o leitor já alguma vez disse ou ouviu suspirar: “ai se estas pedras falassem!… Quantos segredos não teriam a revelar!… Quantas correções à história não se haveriam de fazer!…”. 

Até “as pedras das paredes gritarão vingança e as vigas do telhado te reprovarão”, diz Habacuc sobre quem constrói a casa (a vida) com dinheiro e materiais rapinados (cf. Hab 2,14). Com a sua serenidade de jovem feliz e empenhado, David, com uma pequena pedra na sua funda, fez os filisteus dar às de vila-diogo e defendeu a honra dos israelitas (1Sam 17, 49). João Batista, em pose de jovem zeloso, bravo e austero, salta do deserto a apelar à coerência de vida: “Porque eu vos digo: até destas pedras Deus pode fazer nascer filhos de Abraão” (Mt 3,8-9). Porque apedrejou, matou e desprezou o apelo dos profetas, Jesus chorou sobre a cidade de Jerusalém (Lc 19, 41-44), pois iria ser de tal forma espremida pelos seus inimigos que não ficaria pedra sobre pedra. E as pedras como que “falaram”, confirmando as palavras de Jesus: Jerusalém foi totalmente arrasada (Lc 21,6). 

Aquando da morte de Jesus, a própria natureza associou-se àquele triste mas solene pontifical da Cruz. As pedras do Calvário fenderam-se, como que “falaram” também elas, testemunhando a morte do Salvador. O oficial do exército arregalou os olhos e, boquiaberto, exclamou: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!” (Mt 27, 54). Julgando-se exceção, os pides ou espiões do comportamento alheio, já de pedras na mão, apresentaram a Jesus uma senhora que, segundo as leis, deveria ser morta à pedrada. Jesus, com delicadeza, levou-os a reconhecer que eles eram muito piores do que ela, largaram as pedras e afastaram-se envergonhados. Paulo, ainda jovem safadinho, foi quem guardou os mantos de quem arregaçou as mangas para matar Santo Estevão à pedrada (At 7, 54-60). Essas pedras, porém, fizeram acordar muitos para o discipulado de Cristo, inclusive o próprio Paulo. Infelizmente, a pena de morte, por lapidação, ainda hoje é praticada em alguns países, sem que as pedras sejam capazes de mover os corações de pedra ou inverter a marcha e atingir quem as pedras manda usar. 

Entre nós, para exprimir a rudeza da fraca hospitalidade, usamos a expressão: “fui recebido de pedras na mão”! “Fui recebido à pedrada!”. Também há quem saiba “atirar pedras e esconder a mão”, o que, em bom português, de antes e depois do acordo ortográfico, se traduz por cobardia! Outros há que apedrejam com invenções, calúnias, intrigas, deturpações da verdade ou meias verdades, apenas para humilhar e denegrir, pensando que assim se elevam a si próprios. Também há quem manqueje “com pedras no sapato” contra alguém, com ou sem razão. Não falta quem viva na ilusão de colocar pedras sobre assuntos mal resolvidos. Mas muito, muito mais importante e proveitoso, é que haja cada vez mais gente que goste de “sopa da pedra”, isso é que sim, dá cor e genica!.

Na entrega dos símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude aos jovens de Portugal, em 22 de novembro passado, o Papa Francisco disse-lhes: “Queridos jovens, gritai com a vossa vida que Cristo vive, que Cristo reina, que Cristo é o Senhor! Se vos calardes, garanto-vos que gritarão as pedras!” (cf. Lc 19, 40). Mas será mesmo que o Papa fez acordar as pedras e vão falar?

Bem, tudo seria possível. Aquele que tudo criou e pode, bem poderia ordenar que as pedras falassem. Mas não é isso que está em causa. Falar é uma prerrogativa humana, dotada de inteligência, vontade e capacidade para amar, pensar e comunicar. O Senhor criou-nos à sua imagem e semelhança, fez de nós pedras vivas da sua Igreja, uma Igreja edificada sobre a Pedra firme que é Pedro, sendo Cristo a Pedra angular. Chamou-nos, confiou em nós, enviou-nos em seu nome, sem pedras na mão, mas com a certeza da sua presença para nos ajudar a saltar, contornar ou retirar as pedras do caminho! Ele é a plenitude da Vida, assim se apresentou quando mandou retirar a pedra do sepulcro de Lázaro! (Jo 11, 41). As mulheres que queriam ungir o corpo de Jesus morto, pelo caminho perguntavam-se quem é que lhes iria retirar a pedra do sepulcro, pois era grande e pesada para as suas forças. Porque não desistiram perante a dificuldade, o milagre deu-se, encontraram a pedra removida e foi excelente o raiar daquela madrugada (Mc 16,4). 

Seguros nas nossas capacidades, nem sempre queremos perceber o amor e os sinais que o Senhor nos dá para nos chamar à pedra!… Facilmente viramos resmungões. O Senhor, porém, deve rir-se destas nossas subtilezas, mas não desiste de nós, serve-se de tudo, às vezes de coisas insignificantes, impensáveis, estranhas até. A título de exemplo, recordo o que aconteceu a Balaão quando teimava em seguir por caminho errado. A sua jumenta – ora vejam lá! -, a sua jumenta viu primeiro do que ele que por aí é que não deveria ir, e não foi, deitou-se debaixo do assanhado Balaão. Acasmurrado com tão asinina atitude, logo pulou, de bastão na mão, furioso, a zurzir nos costados da pobre e fiel burrita. Com ameaças de morte, despejou nela uma forte carga de porrada em três atos de furibunda e intervalada raiva. A façanha durou tanto tempo quanto Balaão precisou para ver e reconhecer os sinais que Deus lhe dava para que mudasse de rumo e não se encaminhasse para a morte. Se fosse hoje, não se esquivaria dos tribunais humanos do bom senso, nem da impertinência dos caçadores de notícias quais abelhas à volta da colmeia com perguntas de lhe moer o toutiço, tampouco faltaria quem dissesse que ele é que merecia um arraial de pancadaria a colocá-lo entre a cruz e a caldeirinha!… (cf. Nm 22, 1-41).

Aquela frase, recordada pelo Santo Padre aos jovens, é uma bonita forma de exprimir a força e a certeza de que a vontade de Deus não pode ser calada. Essa expressão situa-se no contexto da entrada solene de Jesus em Jerusalém. O povo acompanhava e aclamava Jesus, maravilhado com o que Ele dizia e fazia. A multidão, de ramos na mão e capas pelo chão, aclamava-o entusiasticamente. Os fariseus, assaltados por uma terrível dor de cotovelo, ficaram com ciúmes, não viram com bons olhos esse entusiasmo do povo, reconhecendo Jesus como o Messias. No entanto, se incomodados com a aclamação e adesão do povo a Jesus, eles não tinham coragem para agir, sabiam as consequências se o viessem a fazer. Então, com cara de caso e de quem manda, dirigiram-se a Jesus para que Ele repreendesse os seus discípulos e acabasse com toda aquela festiva algazarra: “Mestre, repreende os teus discípulos”. Jesus, porém, respondeu: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19, 35-40). Não era que isso fosse acontecer, mas a sua hora é que tinha chegado e ninguém a poderia silenciar. O entusiasmo do povo era inevitável, tinha chegado a hora de Jesus se manifestar, Ele era o enviado de Deus, o Messias, aquele de quem as Escrituras falavam. Ninguém o poderia esconder, ninguém o poderia calar, nem que fosse necessário que as pedras gritassem. 

Essa Hora e Hoje de Jesus é também o nosso hoje. Por isso, caro jovem e menos jovem, não deixes que, no teu coração, a semente da Palavra caia entre pedras, não te canses de gritar com a tua vida “que Cristo vive, que Cristo reina, que Cristo é o Senhor!” (cf. Lc 19, 40). “Proclama a Palavra, insiste, no tempo oportuno e inoportuno, refuta, adverte, exorta com toda a paciência e doutrina. Pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, desejosos de ouvir novidades, rodear-se-ão de mestres a seu bel-prazer. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-se para as fábulas” (2Tm 4, 2-5). 

Se, com Deus, até das pedras podem nascer filhos de Abraão, os filhos de Abraão, sem Deus, podem virar em pedras. Tudo o que o homem é e tem, tem-no e é por graça de Deus. Por isso, aquele que se gloria, glorie-se no Senhor, diz São Paulo.

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 29-01-2021.

 

 

 

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