Desde as lonjuras do tempo que o desconforto de quem menos se pensa faz tocar os sinos a rebate perante as labaredas do fogo juvenil. Sentados à escrivaninha com os pés na escalfeta e manta pelas costas, os craques de certas escavações sociológicas, sofistas a seu jeito, esgotam-se na cata de argumentos para se lamuriarem e zurzirem na juventude. Esta espécie de ursos de turma não está em risco de extinção, antes pelo contrário, ahahahahah… William Shakespeare dizia que “os velhos desconfiam da juventude porque foram jovens”. Com este pensar, é de crer que alguns jovens de hoje, quando tiverem a experiência duma vida longa e dura, quando já se tiveram esquecido que também foram jovens e cederem à tentação da inveja ou de ciúmes de quem nessa altura o for, vão puxar pela mesma cartilha para classificarem, de igual modo, ou pior, os jovens que ao tempo hão de viver e conviver com eles. Hoje, até o que parece ser um rasgado elogio à juventude dos jovens arrasta consigo uma forte dúvida sobre se, de facto, o será! Há uma reiterada usurpação do vigor e da beleza juvenil. Não só, mas mesmo aqueles que desdenham os jovens anseiam ardentemente a sua juventude. Por mais que olhem e saltitem para a adquirir, não chegam lá, satisfazem-se em dizer que os jovens ainda estão muitíssimo verdes. É a fábula da raposa e das uvas no seu melhor. Dá-se aso à imaginação por não se querer aceitar as próprias limitações, por não se querer aceitar o desgaste pelo privilégio de se ter vivido e pela graça de se continuar a viver. Não estou a defender o desleixo, nem a falta de autoestima, nem a falta de brio na apresentação pessoal. Estou a dizer que se repudia a velhice mas pretende-se uma longevidade jovem, sem as marcas do tempo, mesmo que seja preciso meter o colchão no toucado como satirizava Nicolau Tolentino no século XVIII. É a ditadura da moda que oprime e explora, que leva as pessoas a recusarem os seus limites, preferindo cinzelarem-se com produtos e serviços que a publicidade, servindo-se de jovens, promove e vende na miragem da perfeita recauchutagem de quem compra. Culturas há em que as marcas da velhice são tidas como uma bênção, pois o idoso é considerado como realizado, mais próximo dos seus que já partiram e do divino. Desde a antiguidade que o padrão de beleza se vai alterando. Hoje, por cá, os guardas fatos, os roupeiros, as balanças e os espelhos não são capazes de dar um ar da sua graça aos mais exigentes. Sempre lhes fazem crer que estão a anos-luz do padrão de beleza em vigor. De facto, isto de querer morrer com saúda, idoso e jovem, dá muito, muito trabalho! Consta que vários milionários já dispuseram de cerca de três biliões de dólares para estudar a biologia do envelhecimento, não para se envelhecer jovem, isso já é pouco para eles. Trata-se de quererem derrotar a própria morte com uma “tecnologia da imortalidade”. Tenhamos esperança, ainda vamos chegar ao tempo em que as galinhas terão dentes e as cobras andarão de pé! Estar ‘in’, faz sofrer muita gente, arrasta muita canseira e sacrifício, faz com que muitos estejam nas lonas e vivam de aparências, mas tudo isso, como vemos, acaba por ser bom, faz acontecer, aguça a imaginação, o engenho e a arte. Quem corre por gosto não se cansa nem fraqueja. E o mais importante de tudo isso é que ninguém tem nada com isso, apenas desejamos que todos, no uso da sua liberdade, sejam felizes, muito felizes, e o progresso aconteça!

É verdade que a maneira de ser e de estar de muitos jovens nem sempre lhes será o mais útil para alicerçar a sua vida sobre a rocha e não sobre a areia movediça. De facto, o deixa correr, o qualquer coisa serve, a opção pelo mais fácil e certas filosofias de vida nem sempre são o melhor, o que convém. Todos estamos conscientes disso, os jovens também, mesmo que o não pareça. A Igreja, ainda que no seu seio também tenha dessas aves de mal agoiro, diz-nos que a clarividência de quem educa ou lida com os jovens deve ter a capacidade de não apagar a chama que ainda fumega nem quebrar a cana rachada que ainda não partiu. Acreditar na transformação da realidade e na conversão dos corações é o caminho a perseguir. É preciso ter a capacidade de, com esperança, individualizar percursos onde outros só veem muros, saber reconhecer possibilidades onde outros só veem perigos, ter a capacidade de valorizar e alimentar as sementes de bem semeadas no coração de cada um, um coração que deve ser considerado ‘terra santa’ e diante da qual nos devemos ‘descalçar’ para nos podermos aproximar (cf. CV67).

Mas voltemos à vaca das cordas, como se diz lá para o norte quando se perde o fio à meada e se tenta retomar. Quando se apontam os jovens com o dedo em riste, há três dedos da mão que ficam voltados para trás, para quem aponta, são mais notados que gato escondido com rabo de fora. Experimente lá, se faz favor, aprecie e magique sobre o sentido dessa sinalética!… E que  tal?… Que lhe parece?!… Não sei quem seria o primeiro a chamar a atenção para esse ‘epifenómeno’, mas que é importante e de saudáveis consequências lá isso é. Ele coloca a nu uma outra lista que os jovens, de forma bem mais certeira, apresentam aos adultos muito senhores das suas análises e dos seus juízos sobre as patologias juvenis, coisa com que alguns muito se deleitam. E sirvo-me do Documento conclusivo do Sínodo dos jovens para referir algumas parcelas, não todas, dessa fatura que os jovens nos apresentam. É por causa dos adultos que «muitos jovens vivem em contextos de guerra e padecem a violência numa variedade incontável de formas: raptos, extorsões, criminalidade organizada, tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros de guerra… Outros jovens, por causa da sua fé, têm dificuldade em encontrar um lugar nas suas sociedades e sofrem vários tipos de perseguição, que vai até à morte. Numerosos são os jovens que, por constrangimento ou falta de alternativas, vivem perpetrando crimes e violências: crianças-soldado, gangues armados e criminosos, tráfico de droga, terrorismo… Esta violência destroça muitas vidas jovens. Abusos e dependências, bem como violência e extravio contam-se entre as razões que levam os jovens à prisão, com incidência particular nalguns grupos étnicos e sociais. Muitos jovens são ideologizados, instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e desconfiados para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes económicos. Ainda mais numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas. Lembramos a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos económicos». E quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização tornam-se duplamente dolorosas e difíceis. Por vezes, o sofrimento dalguns jovens é lacerante, um sofrimento que não se pode expressar com palavras, um sofrimento que nos fere como um soco. E se é verdade que países mais ricos e poderosos e alguns organismos internacionais prestam alguma ajuda, muitas vezes fazem-no por um alto preço. Como refere o documento citado, em muitos países pobres, esta ajuda costuma estar vinculada à aceitação de certas exigências, verdadeira colonização ideológica a prejudicar de forma especial os jovens. Muitos jovens, também trazem gravados na alma «as feridas das derrotas da sua própria história, dos desejos frustrados, das discriminações e injustiças sofridas, de não se ter sentido amado ou reconhecido», além das «feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentido de culpa por ter errado». E isto sem citar o fenómeno migratório, as suas causas, os seus sonhos e consequências, etc. (cf. CV72-85).

Caro jovem, apesar de tudo, a Igreja, pela voz do Papa Francisco, apela-te a que “não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te narcotizem para te usar como escravo dos seus interesses. Ousa ser mais, porque o teu ser é mais importante do que qualquer outra coisa; não precisas de ter nem de parecer. Podes chegar a ser aquilo que Deus, teu Criador, sabe que tu és, se reconheceres o muito a que estás chamado. Invoca o Espírito Santo e caminha, confiante, para a grande meta: a santidade. Assim, não serás uma fotocópia; serás plenamente tu mesmo” (cf. CV107).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 18-02-2022.

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