O Dia Internacional das Montanhas foi criado pelas Nações Unidas em 11 de dezembro de 2003, está de aniversário. Tem como objetivo, dizem, a consciencialização do público acerca da importância das montanhas, chamar a atenção para as oportunidades e constrangimentos existentes no seu desenvolvimento, impulsionar o seu desenvolvimento sustentável, aumentar a consciencialização sobre a relevância dos ecossistemas montanhosos, apelar a melhores práticas e investimentos que construam resiliência, reduzam a vulnerabilidade e aumentem a capacidade das montanhas de se adaptarem às ameaças diárias e aos eventos climáticos extremos. Neste ano de 2023, temos como tema “o restauro dos ecossistemas de montanha”, aliás, nesta década de 2021-2030, as Nações Unidas têm como meta o restauro de ecossistemas.

 

Vou perguntar ao leitor aquilo que eu não sabia e acabo de ler. O leitor sabe que as montanhas cobrem cerca de 27% da superfície terrestre? Que abrigam cerca de 15% da população e cerca de metade de biodiversidade do mundo? Que garantem a distribuição de água doce a cerca de metade da humanidade? Que abrigam uma variedade imensa de plantas e animais e muitas comunidades culturalmente diversas com diferentes idiomas e tradições? Sabe que as montanhas estão a sofrer os impactos das alterações climáticas? Que os seus fluxos de água estão a ser ameaçados? Que o aumento das temperaturas está a levar à destruição dos habitats e da vida das pessoas que dependem desses ecossistemas? Que 84% das espécies montanhosas endémicas estão em risco de extinção?

 

E agora, porque sei que sabe, vou apenas recordar que o povo de Deus utilizou o simbolismo da montanha como lugar especial da manifestação de Deus, que as montanhas marcaram as grandes etapas da sua história e da sua fé, que elas fazem parte dos planos de Deus, da história de Israel e do desenvolvimento do plano salvífico da humanidade, que fazem parte não só da história do cristianismo mas também das tradições religiosas do Judaísmo e do Islão. Dentre tantas montanhas citadas na Bíblia, recordo o monte Horeb, o monte Sinai, o monte Carmelo. Em montes e montanhas aconteceram eventos bíblicos importantes, também batalhas sangrentas, vitórias e derrotas.

 

Isaías convidava a subir à montanha do Senhor, para onde acorrerão todas as nações, para que o Senhor mostre os seus caminhos e se possa caminhar nas suas veredas (Is 2,3). Subir à montanha é sair do rame-rame da vida e das coisas da vida para realizar uma espécie de êxodo do nosso próprio eu e escutarmos Deus que nos fala no silêncio, revelando-se através da oração e da sua Palavra. Não é um subir à montanha para fugir das coisas, dos trabalhos e canseiras do quotidiano e do ruído do mundo. Mas sim para, depois, olhar e ler a realidade, o mundo e a vida com outros olhos, com os olhos de Deus.

 

Jesus tinha uma predileção especial pelas montanhas, onde muitas vezes subia para orar. Foi na montanha que Jesus deu a conhecer as Bem-aventuranças. Foi no Monte do Tabor que se transfigurou e Pedro queria acampar, mas Jesus sabe que deve descer e enfrentar o caminho de Jerusalém ao calvário, em obediência ao Pai. (Mc 9,2-13). Foi no monte do Calvário que foi crucificado, foi no monte que Jesus lhes tinha indicado, na Galileia, que, após a ressurreição, os discípulos recebem o mandato missionário de ir e ensinar (cf. Mt 28, 16-20), foi no Monte das Oliveiras que subiu ao Céu. Também os nossos montes e montanhas estão salpicadas de cruzes, capelinhas, monumentos e grandes santuários, onde o povo de Deus peregrina ao encontro de Deus, da Virgem e de Santos, a fortalecer a fé para que mova montanhas.

 

No Advento é preciso subir à montanha, para que, numa atitude de oração e encontro com Deus, possamos fazer essa experiência e descer fortalecidos para fazer o caminho ‘da nossa Jerusalém ao nosso Calvário’, doando a vida, por amor, a exemplo de Cristo. Não se trata necessariamente de uma montanha física, embora possa muitas vezes ser. Trata-se de um lugar de recolhimento em qualquer canto ou esquina do dia, longe do barulho, ou até no meio do barulho. É lá que nos enchemos de Deus e reavivamos a luz da fé que ilumina e da sentido à vida.

 

"Eu vos garanto: se alguém disser a esta montanha: “Levanta-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas acreditar que isso vai acontecer, assim acontecerá” (Mc 11, 23). A fé move montanhas, é corajosa. É certo que a Deus nada é impossível, mas Jesus não se refere a montanhas propriamente ditas. Na Bíblia, as montanhas são usadas para falar de forças poderosas, de tarefas grandiosas, de obstáculos inacessíveis, de coisas difíceis de alcançar.

A fé de mover montanhas não conhece os limites da impossibilidade, ela age de acordo com os planos e a vontade de Deus, sabe que tudo pode naquele que a conforta (cf. Fil 4,13). Não é uma fé alienada que se esconde por detrás de orações que consolam e faz assumir a sua vontade como se fosse a vontade de Deus. A fé que move montanhas encoraja, dá forças para enfrentar os desafios da vida, com alegrias e sofrimento, conforta os corações, vence os obstáculos, alegra, constrói, atrai, solidariza, transforma, tranquiliza, faz acontecer o impossível.

 

Quando se procura fazer a vontade de Deus, quando se agradece e pede com fé, Deus remove montanhas de autossuficiência, de avareza, de ambição, de egoísmo, de aparências, de inveja, de sensualidade, de ódio, de maledicência, de injustiça. Até leva a respeitar melhor, com melhores práticas e mais cuidados, as montanhas e os ecossistemas montanhosos. João Batista, aquando do anúncio da chegada do Messias, citou o profeta Isaías, que apelava a endireitar as veredas do Senhor. Tal apelo, reiterando por Jesus, continua em vigor. Cada um de nós deve trabalhar para que, no seu interior, na sua mente e coração “todo o vale seja aterrado, e todo o monte e colina sejam nivelados; que o terreno acidentado se transforme em planície, e as elevações em lugar plano” (Is 40,4). Isto é possível pela perseverança na oração, pessoal e comunitária, pelo empenho na santificação, pela leitura orante da Palavra de Deus, pela celebração sacramental, pelo exercício da caridade.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 08-12-2023.

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