Com a devida vénia, recordo um poema de João Coelho dos Santos, do seu livro “Lágrima do Mar”, 1996. Natural de Lourosa, Santa Maria da Feira, João Coelho dos Santos estudou em Lisboa, foi Secretário-Geral do Automóvel Club de Portugal e Vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Ligado a várias Associações Poéticas e Culturais, membro de “Os Confrades de Poesia”, é autor de dezenas de livros de poesia, teatro e outras áreas, como “Choraste, Francisco"e "Livro do não sossego”. Eis o poema:

 

 

“NATAL DE QUEM?

 

Mulheres atarefadas

Tratam do bacalhau,

Do peru, das rabanadas.

 

— Não esqueças o colorau,

O azeite e o bolo-rei!

– Está bem, eu sei!

– E as garrafas de vinho?

– Já vão a caminho!

 

– Oh mãe, estou pr'a ver

Que prendas vou ter.

Que prendas terei?

 

– Não sei, não sei…

 

Num qualquer lado,

Esquecido, abandonado,

O Deus-Menino

Murmura baixinho:

 

– Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?

 

Senta-se a família

À volta da mesa.

Não há sinal da cruz,

Nem oração ou reza.

Tilintam copos e talheres.

Crianças, homens e mulheres

Em eufórico ambiente.

Lá fora tão frio,

Cá dentro tão quente!

Algures esquecido,

Ouve-se Jesus dorido:

 

– Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?

 

Rasgam-se embrulhos,

Admiram-se as prendas,

Aumentam os barulhos

Com mais oferendas.

Amontoam-se sacos e papeis

Sem regras nem leis.

E Cristo Menino

A fazer beicinho:

 

– Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?

 

O sono está a chegar.

Tantos restos por mesa e chão!

Cada um vai transportar

Bem-estar no coração.

A noite vai terminar

E o Menino, quase a chorar:

 

– Então e Eu,

Toda a gente Me esqueceu?

 

Foi a festa do Meu Natal

E, do princípio ao fim,

Quem se lembrou de Mim?

 

Não tive teto nem afeto!

Em tudo, tudo, eu medito

E pergunto no fechar da luz:

 

– Foi este o Natal de Jesus?!!!”

—–

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 25-12-2022.

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