Mais um Dia Mundial que nos interpela e desafia! O Papa Francisco exorta-nos a passar do “eu” medroso e fechado ao “eu” resoluto e renovado. Na sua Mensagem para este Dia Mundial das Missões, da qual faço eco, o Papa refere que fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, na tempestade do mar da Galileia, falando a uma só voz, dizem angustiados “vamos perecer”, assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar a estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos. E se o sofrimento e a morte nos fazem experimentar a nossa fragilidade humana, todos temos um forte desejo de vida e de libertação do mal. 

Os governantes atarefam-se em dar as respostas possíveis às preocupações e dores dos povos, que são muitas e de variada complexidade. Por sua vez, Francisco refere que a compreensão daquilo que Deus nos está a dizer nestes tempos de pandemia torna-se um desafio também para a missão da Igreja. Desafia-nos a doença, a tribulação, o medo, o isolamento. Interpela-nos a pobreza de quem morre sozinho, de quem está abandonado a si mesmo, de quem perde o emprego e o salário, de quem não tem abrigo e comida. Obrigados à distância física e a permanecer em casa, somos convidados a redescobrir que precisamos das relações sociais e também da relação comunitária com Deus. Longe de aumentar a desconfiança e a indiferença, esta condição deveria tornar-nos mais atentos à nossa maneira de nos relacionarmos com os outros. E a oração, na qual Deus toca e move o nosso coração, abre-nos às carências de amor, dignidade e liberdade dos nossos irmãos, bem como ao cuidado por toda a criação. A impossibilidade de nos reunirmos como Igreja para celebrar a Eucaristia fez-nos partilhar a condição de muitas comunidades cristãs que não podem celebrar a Missa todos os domingos.

Atormentados com a pandemia do covid-19, o Papa diz-nos que o caminho missionário de toda a Igreja, de cada um de nós, podê-lo-emos encontrar na narração da vocação de Isaías: «Eis-me aqui, envia-me». É a resposta, sempre nova, à pergunta do Senhor: «Quem enviarei?» (Is 6, 8). Esta interpelação brota do coração de Deus, da sua misericórdia, interpela quer a Igreja quer a humanidade. É um chamamento à missão, um convite a sairmos de nós mesmos por amor a Deus e ao próximo, é uma oportunidade de partilha, de serviço, de intercessão, passando do “eu” medroso e fechado ao “eu” resoluto e renovado pelo dom de si.  

Deus que nos criou, amou-nos primeiro e veio ao nosso encontro. Jesus, em obediência à vontade do Pai, manifestou a sua disponibilidade diante do Pai: “Eis-Me aqui, envia-Me”. É o Missionário do Pai, foi enviado por Ele por amor aos homens, a quem criou, amou e se fez próximo. A pessoa e a missão de Jesus, desde a Encarnação e vida empenhada até à sua Morte e Ressurreição, manifestam esse amor e misericórdia de Deus por todos e cada um de nós, um amor sempre em saída de Si próprio para nos dar a vida. Nesse movimento de amor, Jesus atrai-nos com o seu próprio Espírito que nos torna seus discípulos, anima toda a Igreja e pede a nossa disponibilidade pessoal para, saindo também de nós mesmos, nos enviar em missão por toda a parte. É assim que a Igreja se torna Igreja em saída, prolongando na história a missão de Jesus qual missionário do amor do Pai a transformar os corações e as mentes, as sociedades e as culturas, em todo o tempo e lugar. 

Por isso, a disponibilidade de cada um, o «Eis-me aqui, envia-me», é a resposta, sempre nova, à pergunta do Senhor: «Quem enviarei?». Esta resposta livre e consciente ao chamamento de Deus, porém, só a podemos sentir e dar, sem fugas ou desculpas, se vivermos numa relação pessoal de amor com Jesus vivo na sua Igreja. Só assim se conseguirá responder a Deus no hoje da Igreja e da história. Por isso, Francisco pede que nos perguntemos se estamos prontos a acolher a presença do Espírito Santo na nossa vida, a ouvir o chamamento à missão, quer no caminho do matrimónio, quer no da virgindade consagrada ou do sacerdócio ordenado, quer na vida comum de todos os dias. Se estamos dispostos a ser enviados para qualquer lugar a fim de testemunhar a nossa fé em Deus Pai misericordioso, a proclamar o Evangelho da salvação de Jesus Cristo, a partilhar a vida divina do Espírito Santo, edificando a Igreja. Se, como Maria, a Mãe de Jesus, estamos prontos a permanecer sem reservas ao serviço da vontade de Deus, umas vezes junto daquele que está próximo, seja familiar, vizinho, ou o bem comum, outras vezes a partir por esse mundo adentro ao encontro de quem precisa. A resposta não se pode dissociar da oração, da reflexão e da partilha, ajudando o trabalho missionário de quem acode às necessidades espirituais e materiais dos povos e das Igrejas de todo o mundo (cf. Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões 2020, que decorre em 10 de outubro e se intitula “Eis-me aqui, envia-me”, Is 6,8).


Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 16-10-2020.

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