A Igreja celebra o Dia de Todos os Santos e o Dia de Todos os Fiéis Defuntos. Como criaturas que somos, se estamos marcados pela finitude e pelo limite, estamos destinados à eternidade, à Vida em plenitude. Sabemos que o homem tem atitudes contraditórias frente ao mistério da vida.

Tanto se esfola a defender a sua dignidade, como se encapricha a criar instrumentos que a destroem, como se dela fosse dono. Ninguém, nem sequer a morte tem a última palavra sobre a vida. Deus é a fonte e a plenitude da vida, “quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor”, “n’Ele vivemos, nos movemos e existimos”. Este dom da vida atinge a sua maior expressão em Jesus Cristo: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem acredita em Mim, mesmo que morra, viverá. E todo Aquele que vive a credita em Mim nunca morrerá”.

Nesta fé, a Igreja celebra o Dia de Todos os Santos e o Dia de Todos os Fiéis Defuntos. São dias de saudade na esperança do reencontro. São dias de apelo à responsabilidade pessoal neste peregrinar em direção à pátria definitiva. 

Em Dia de Todos os Santos, recordamos todos aqueles que, embora não estejam nos altares, foram verdadeiras testemunhas da verdade do Evangelho. Com muitos deles nos cruzamos, convivemos, nos divertimos e crescemos. Mesmo no meio das suas imperfeições e fracassos, não desistiram de agradar a Deus. Lutaram, venceram, chegaram à meta, mantêm connosco laços de amor e de comunhão, protegem-nos. Por intercessão deles, muita coisa boa nos acontece e acontecerá enquanto caminhamos por este mundo. 

A história da Igreja foi sempre enriquecida por homens e mulheres que viveram, com alegria e esperança, a sua fidelidade a Cristo e à Sua Igreja. Vivendo a sua vida no cumprimento do seu dever, fosse ele qual fosse, transformaram-se em imagem de Cristo que passou pelo mundo fazendo o bem. Fizeram o bem, defenderam valores, amaram e serviram Cristo nos irmãos. Santos entre os santos, acompanham-nos, intercedem por nós junto de Deus, estimulam-nos à santidade. Cada um pelo seu caminho, e sem ser cópia de ninguém, é chamado à santidade, quer no matrimónio ou na vida celibatária ou consagrada, quer nas alturas da cultura ou dos serviços ao bem comum, quer na lhaneza da vida ou dos trabalhos mais humildes. A santidade é um dever, uma vocação universal: “Sede santos, porque Eu sou santo” (Lv 11,45).

A melhor forma de amar e de comunicar com os que já morreram é, de facto, rezar por eles. É o que fazemos em Dia dos Fiéis Defuntos. Rezar pelos mortos é um santo e piedoso dever, como refere a Sagrada Escritura. A união entre nós que caminhamos sobre a terra e aqueles que já adormeceram na paz de Cristo, não se interrompe, antes pelo contrário, “é reforçada pela comunicação dos bens espirituais». Este acreditar que a vida humana não termina com a morte, torna presente que o nosso amor para com os que já partiram ultrapassa as fronteiras deste mundo e traduz-se em dever de caridade e de justiça. De forma bela, assim rezamos no prefácio da Missa dos Defuntos: «Se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da imortalidade. Para os que creem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma». O Catecismo da Igreja Católica  ensina que “os que morreram na graça e amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do Céu” (nº 1030). A isso, a Igreja chama Purgatório. E desde os primeiros tempos do cristianismo cultivou, com muita piedade, a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o sacrifício eucarístico, recomendando também a esmola e as obras de penitência, para que sejam absolvidos de seus pecados, e, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. 

O mesmo Catecismo nos diz que “Não podemos estar em união com Deus se não O amarmos livremente. Mas não podemos amar a Deus se pecarmos gravemente contra Ele, contra o nosso próximo ou contra nós mesmos: ‘Quem não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia o seu irmão é um homicida; ora vós sabeis que nenhum homicida tem em si a vida eterna’ (1Jo 3,15). Nosso Senhor adverte-nos de que seremos separados d’Ele se descurarmos as necessidades graves dos pobres e dos pequeninos seus irmãos. Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus é a mesma coisa que morrer separado d’Ele para sempre, por livre escolha própria. E é este estado de autoexclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra “Inferno” (nº1033). E continua: “As afirmações da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja a respeito do Inferno são um apelo ao sentido de responsabilidade com que o homem deve usar da sua liberdade, tendo em vista o destino eterno. Constituem um apelo urgente à conversão”.

No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua plenitude. O próprio universo será renovado. A esta misteriosa renovação que há de transformar a humanidade e o mundo, a Sagrada Escritura chama “os Novos Céus e a Nova Terra”. 

Na expectativa dessa nova e eterna Vida, vivemos como peregrinos, fazendo com que este mundo seja cada vez melhor.  Dotados por Deus com uma inteligência hábil para criar, investigar e programar, com uma vontade capaz de fazer e construir, com um coração apto para amar e servir, construiremos a nossa santidade ao desenvolver esta terra, ao contribuir para o bem comum da sociedade, ao promover os valores da dignidade humana, a comunhão fraterna, a liberdade, a justiça, o amor, o bem estar para que Deus seja, desde já, “tudo em todos”.

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 30-10-2020.

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