O nove de maio é o teu Dia, ó Europa. Por ser o teu Dia, também é nosso, somos europeus, festejamo-lo com alegria. Apesar de tudo quanto te engrandece e nos atrai, temos a dizer-te que não há bela sem senão! Por que vives tão preconceituosa em relação a Cristo, se Ele também falou, agiu e morreu por ti? Por que lavas as mãos como Pilatos e permites que Cristo continue a ser preso, esbofeteado e crucificado? Não o ouves a dizer-te: “Se falei mal, diz-me em quê. Mas se falei bem, porque me bates?” (cf. Jo 18,23). Não foram os discípulos de Cristo que fizeram essa admirável síntese entre a fé de Israel e o espírito grego e cimentaram a tua identidade e cultura? Não foi a força dessa identidade e cultura que, aquando das circunstâncias históricas e políticas que te estilhaçaram e deram origem a sociedades com culturas próprias, não foi essa identidade e cultura o teu elemento unificador? Não foi no cristianismo que se identificavam quase todos os atos da tua população? Não foi pela influência cristã que a tua consciência coletiva foi assimilando os valores fundamentais da sadia convivência humana e se integraram povos e culturas diversas? Não foi pelo contributo determinante do cristianismo que se foram afirmando os valores da dignidade da pessoa humana e o da razão, e se foram adquirindo os valores da liberdade, do ideal democrático, do Estado de direito e da distinção entre política e religião, dando corpo à proclamação universal dos direitos humanos? Não foi pela força da fé em Cristo que se construíram obras de arte e de pensamento que ainda hoje salpicam todo o teu espaço geográfico, causam admiração a quantos amam a excelência e a harmonia, e são verdadeiros monumentos a eternizar a nobreza da tua alma e cultura? Se te orgulhas de ser o velho mundo, o mundo das grandes transformações históricas e avanços científicos e técnicos, não reconheces que estás a ficar mesmo muito velha pela falta de natalidade, pela perda do sentido da vida, pelo vazio interior de tantos e tantas a fazer olhar o teu futuro com “mais medo que desejo”? Não reparas que, à medida que te afastas ou não te apoias no ideal da fraternidade anunciado por Cristo, os Barrabás pululam, o racismo e a violência avançam cada vez mais, o tráfego humano torna-se a nova e vergonhosa escravatura, os mais frágeis são marginalizados, os pobres aumentam, os desequilíbrios socias crescem, os oportunistas dão à perna e a barbaridade das guerras pode voltar? Não te lembras que, com os Descobrimentos, deste a conhecer ao resto do mundo a pessoa de Jesus Cristo, os valores cristãos e culturais, e outros que te enriqueciam e eram o teu brio? Por que desdenhas em reconhecer e recuperar esses valores com alegria e fidelidade criativa, não para voltar para trás, mas para promover novos dinamismos que envolvam e mobilizem, com alegria e esperança? Ou será, que, por meros preconceitos e apenas para demolires o passado, só reténs e exploras os insucessos, as piratarias e o malfazer dos de cerviz dura e coração de pedra, para, agora, te colocares em bicos de pés em processo de endeusamento? E não tens, porventura, também hoje, dentro de ti, em crescendo, insucessos, piratarias, malfazer e quejandos? Tê-los-ás tanto mais quanto menos te apoiares na fraternidade universal que nos une e humaniza. Se somos irmãos, é porque temos um Pai comum que é Deus. Seu Filho Jesus Cristo é que no-lo veio revelar em plenitude, falando-nos como a amigos e apontando-nos o caminho, Ele mesmo o Caminho, a Verdade e a Vida. Neste projeto verdadeiramente revolucionário, se trabalhou muita gente, teve como principais promotores São Bento, italiano, da Europa Ocidental, São Cirilo e São Metódio, eslavos, da Europa de Leste. Homens apaixonados pelo projeto salvador de Jesus Cristo, apóstolos incansáveis e teus Padroeiros, foram eles os principais construtores desse pano de fundo em que os teus povos se reviam.

Sabemos que com o surgir do renascimento, da revolução industrial, dos avanços da ciência, da tecnologia cada vez mais perfeita, da cibernética, da robótica e da informática, das viagens espaciais e de todo o progresso que, felizmente, nos envolve, sabemos que tudo isso te fez pular o sentimento de tudo poder, de tudo ter e conhecer, julgando até que, sem precisares de Deus para nada, virás a ter a resposta para todas as tuas interrogações existenciais. Embebecida com tudo isso e com tudo o que nisso se pendura, vives hoje voltada para o outro lado da cama onde te deitaste, esquecendo o grande sinal da Cruz e sem insónias por causa disso. Aí, dormente, embrulhada numa manta de farrapos neopagã, costurada com os fios dum novelo chamado “apostasia silenciosa”, sonhas alto em adocicar o Evangelho à tua medida, em jeito de teorias da new age. A perda de valores, a intolerância e os fanatismos, os elitismos e a corrupção, a exploração e exclusão de pessoas, são fruto de uma imagem de Deus forjada, manipulada e usada a bel prazer de quem a fabrica, julgando-se superior e diferente do resto dos mortais, a quem tenta convencer que só ele é que sabe, só ele está certo. Essa não é a imagem do Deus de Jesus Cristo, amigo e protetor do homem, fonte de vida, de justiça e de paz. Ninguém duvida, ó Europa, que vives atarefada com muita coisa importante, boa e necessária, é verdade, todos te devemos o nosso respeito por isso. Mas fica a impressão que dás pouca ou nenhuma atenção àquilo que também é essencial e forte laço de coesão e desenvolvimento: a tua verdadeira identidade e referência cultural. Mesmo sem especializadas lunetas, nota-se que a única força centrípeta que move e une os teus países, é a galinha dos ovos de ouro. Se ela se torna infecunda, se ela os não põe, se os ovos se partem, se os ovos caem apenas nas mãos de quem tem os braços da ambição mais compridos, se as tais bazucas ou vitaminas não se chegam à frente, adeus Europa, duvido que te aguentes apesar de tudo o que tens de ótimo, que é muito e muito bom. É da experiência histórica que, quando o homem coloca Deus de lado, quando constrói uma antropologia sem Deus e sem Cristo e se coloca a si próprio no centro do mundo, o homem acaba por abrir as comportas  ao pior de si mesmo e torna-se o predador do próprio homem em vez de o amar e proteger! “Homo homini lupus”, o homem é o lobo do homem, na célebre frase de Titus Plautus, de antes de Cristo, e mais divulgada por Thomas Hobbes, no século XVII.

Neste Dia da Europa, muitos falarão de muitas outras coisas que não destas, e bem. Mas disto também é preciso falar. Para cada nova geração, são precisos novos apóstolos que tenham a coragem de falar de Cristo, de testemunhar a fé mediante um estilo de vida inspirado no Evangelho, vivido com criatividade e idealismo saudável, sem vergonha nem respeitos humanos. Por isso, ninguém pode deixar de recordar a todos os cristãos, sobretudo àqueles que ocupam instâncias de poder e de influência política e social, as palavras dum grande santo dos nossos dias e de saudosa memória, a quem a Europa tanto deve: São João Paulo II. Deixo uma síntese dos apelos que ele faz a todos os europeus de boa vontade nos últimos números do capítulo VI da Exortação Apostólica pós-Sinodal sobre a Igreja na Europa. Aí, ao seu bom estilo, ele lembra que a Europa do terceiro milénio precisa de dar um salto qualitativo na tomada de consciência da sua herança espiritual. Todos os cristãos e gente de boa vontade, têm o dever de anunciar a mensagem de alegria e de esperança, recordando-lhe, com entusiasmo: Europa, “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso Salvador!”: não deixes cair os teus braços; não cedas ao desânimo, não te resignes a formas de pensar e de viver que não têm futuro. Volta a encontrar-te, sê tu mesma, descobre as tuas origens, reaviva as tuas raízes. O tesouro da fé cristã funda a tua vida social e não pertence só ao passado. É um projeto para o futuro que deve ser transmitido às novas gerações. Não temas! O Evangelho não é contra ti, mas a teu favor. A inspiração cristã pode transformar a união política, cultural e económica numa convivência onde todos os europeus se sintam em casa própria e formem uma família de nações. Tem confiança! Em Jesus, encontrarás a esperança sólida e duradoura por que anseias. É uma esperança fundada na vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. Esta vitória, quis Ele que te pertencesse para tua salvação e alegria. Podes estar certa! O Evangelho da esperança não desilude, é luz que ilumina e orienta o teu caminho; é força que te sustenta nas provações; é profecia de um mundo novo; é indicação de um novo início; é convite a todos, crentes e não crentes, para traçarem caminhos sempre novos que desemboquem na “Europa do espírito” a fim de fazer dela uma verdadeira “casa comum” onde haja alegria de viver (cf. EE121-122).

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 07-05-2021.

 

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