Limitado, mas com aspirações infinitas, o ser humano é, por sua natureza, um ser religioso, coisa que nos faz acreditar que o ateísmo não é conatural ao homem. Os tempos que vivemos são, aliás, uns tempos de intensa busca espiritual e religiosa. De uma forma ou de outra, com certeza que sempre o foram! As motivações e os caminhos a seguir nessa procura é que nem sempre terão sido ou serão os mais acertados. Afirmando não sentir qualquer necessidade de Deus, há quem busque e cultive uma certa religiosidade, ao seu jeito, ao seu gosto, à la carte. Esta religiosidade sem Deus, porém, é classificada como uma religiosidade sem rosto, sem nome, politeísta, intimista, neutra, multiforme, new age… Por mais que se defenda e cultive, é incapaz de responder às mais profundas aspirações do coração humano, o qual não se satisfaz com ilusões ou tralha equivalente. No entanto, esta metamorfose cultural, promovida e construída à margem do Deus único, vai-se alastrando e gera consequências. Por um lado, se tem muita dificuldade em entender a vida como um dom recebido – da qual somos meros administradores e não donos! -, mais dificuldade tem em entender o critério evangélico de perder a vida para a ganhar. Por outro lado, por maior que seja o progresso e o avanço das ciências e da técnica, do conforto e do bem-estar, apesar de tudo isso, continuamos a verificar que o homem, mesmo que se endeuse, se manifeste inteligente, criativo, forte e capaz de tudo, não deixa de se interrogar constantemente sobre os enigmas da condição humana, sobre quem é e qual o sentido e a finalidade da sua vida, do sofrimento e da morte, sobre qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira e qual o fim da sua existência (cf.NA1). Nestas indagações em busca de significado, o homem, ora se coloca em bicos de pés e se constitui em norma absoluta, ora se rebaixa até à desesperação. No fundo desta persistência em continuamente se perguntar, estão, com toda a certeza, os gérmenes de divino e de eternidade que nele existem e o fazem aspirar às alturas: “fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”, rezava Santo Agostinho.

De facto, sendo mistério incompreensível para si próprio, o homem não desiste de se ler, dizer e desvendar. Nesta sua tarefa sem fim, não devia esquecer que vem da Trindade e se encaminha para a Trindade. E tudo quanto queira e possa perguntar, com humildade e verdade, só lhe pode ser esclarecido pela Revelação de Deus em Jesus Cristo. Só a Revelação pode dar “uma resposta que defina a verdadeira condição do homem, explique as suas fraquezas, ao mesmo tempo que permita conhecer com exatidão a sua dignidade e vocação”. Só em Cristo e por Cristo se esclarecem os mistérios da condição humana, só Cristo revela o homem ao próprio homem (cf. GS22). A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus. Se existe, é porque Deus o criou por amor. Se subsiste, é porque Deus, por amor, o sustenta. Se vive plenamente segundo a verdade, é porque reconhece livremente esse amor e a ele se entrega (cf. GS19).

Nesta iniciativa Mundial de Oração pelas Vocações, sabemos que há muita gente, incluindo muitos jovens, “animados pela busca sincera de uma autêntica espiritualidade e pela procura do sentido para as suas vidas, estão abertos a Deus enquanto sentido último das suas existências, promovem em si mesmos e à sua volta atitudes de confiança, otimismo e esperança, empenham-se corajosamente nas questões sociais, lutam por uma nova sociedade mais humana, mais fraterna e mais solidária, entregam-se generosamente em ações de voluntariado”, procuram descobrir, numa verdadeira atitude de responsabilidade, qual a sua missão neste mundo, qual o sentido da sua vida e do seu lugar na história, qual a sua vocação dentro de um projeto belo que os realize “nas suas mais profundas aspirações: no dom de si, na relação com os outros, na transformação da sociedade e do mundo, segundo o projeto salvífico de Deus”.

A vocação é um acontecimento ‘misterioso’, não nasce connosco, não depende apenas de nós, acontece no tempo, é algo de novo na história de cada um, surge a partir da realidade existencial de cada pessoa e cada pessoa deve assumir e viver, de forma ativa e responsável, esse processo. E assim, lendo com novos olhos os acontecimentos da própria vida, aos quais Deus ilumina e dá a clareza possível, a vocação é recebida e gradualmente aceite. Esta descoberta vocacional não depende de “uma análise lógica quanto aos pontos favoráveis e desfavoráveis em ordem à resposta a dar. Para um cristão, a voz que chama, abrangendo toda a sua personalidade e vida, é a voz de Deus que lhe fala no horizonte de uma relação de intimidade. As situações históricas e sociais e as inclinações pessoais, podem influenciar, mas no horizonte da relação com Deus, essas realidades encontram n’Ele a sua referência última e aparecem como sinais e mediações através das quais Deus manifesta o seu chamamento. Viver uma vocação e entregar-se a ela exige assumir e aceitar uma missão no meio do mundo, com Deus e a comunidade. A vocação é tanto de Deus como da pessoa, é de ordem sobrenatural e humana. Deus toma a iniciativa, é certo, mas conta com a liberdade e a vontade do homem. É uma convocatória pessoal na qual a pessoa tem um papel importante a desempenhar na resposta a este apelo de Deus (cf. CEP, RF e BPV). E Deus que chama a uma vocação, continua a chamar dentro dessa vocação, seja no matrimónio, na vida consagrada, no ministério ordenado, na vida missionária, na caminhada em direção à santidade, no viver com dignidade…

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 28-04-2023.

 

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