Sempre que ouvi esta frase em título, a ouvi atribuída a D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, que, antes, também fora Bispo de Portalegre-Castelo Branco.
Presumo, porém, que, com esporas de roseta giratória no estribo, já Eva a tivesse martelado, vezes sem conta, na bigorna dos ouvidos de Adão, sobretudo quando este se esquecia de separar o lixo, de fechar as torneiras da cozinha ou de apagar a televisão, chateado por ver a lástima de jogo do seu clube de eleição, ainda por cima ajudado pela arbitragem. Não atesto nem consigo provar, é verdade, mas também não contesto nem protesto. Pode acontecer que os dedicados estudiosos de pergaminhos e papéis amarelecidos por essas bibliotecas adentro, por quem, aliás, nutro elevado apreço e respeito até por eu não ter unhas para tocar viola, pode acontecer que eles descubram a paternidade da frase, e, ao encontrá-la, gritem entusiasmados: ‘Eureka! E corram céleres a narrar a descoberta, tal como fez Arquimedes quando, ao tomar banho, descobriu um argumento capaz de dissipar as suspeitas do rei de Siracusa, e não só. Este pensava que o artesão contratado para lhe fazer uma coroa – uma coroa à altura da sua vaidade e cabeça -, pensava que o artesão lhe tinha surripiado parte do ouro que lhe tinha dado para isso. Arquimedes, a partir da teoria arrancada à sua banheira, mergulhou a referida coroa num balde de água, provando assim ao rei que o artesão era mesmo sério…, talvez mais do que ele…! Nascida da realidade e da experiência, a teoria levou Arquimedes à boa prática… E, acreditem, não estou a mangar, nem encharcado em vinho. Sentado na sua cadeira e olhando o movimento dos lábios de Ana, Heli, sem ao menos se entreter a fazer o sudoku, é que pensou, injustamente, que Ana estava bêbada, quando ela, amargurada e lacrimosa, sabendo bem onde lhe apertava o sapato, confiante e sinceramente bichanava os seus sentimentos e propósitos ao Senhor (cf. 1Sam 1, 9-20).
Mesmo na oração, uma boa teoria, entendida, assumida e vivida, ajuda à sua prática, dando frutos, como aconteceu com Ana. Se assim não for, não quer dizer que aconteça, pois os simples e humildes têm uma sabedoria de Deus que são lições de vida para todos, mas pode acontecer que, noutros, a oração degenere em pieguice, em sentimentalismo estéril, em tentativa de negócio com Deus, em busca de méritos e de direitos diante d’Ele e dos outros. O que seria de nós se Deus não se risse com tudo isso e não fosse indulgente e rico em misericórdia!…
Noutras situações da vida, sem teoria, sem formação, a prática pode ser uma aventura a fazer marrar com a cabeça na parede. É certo que uns têm mais facilidade em aprender conteúdos, em produzir mais conhecimento, em partilhar e fazer cultura, mas têm mais dificuldade na sua aplicação. Com outros passa-se o contrário, cada um é como é e como se consegue construir. A prática mais prática, porém, é, de facto, uma boa teoria, coisa que nos obriga a uma constante atualização e aprofundamento, quer da teoria quer da prática. Valorizar a prática e desvalorizar a teoria pode ter penas curtas, pode conduzir à frustração. Ceder à tentação de assumir que, na prática, a teoria é outra, também é esquisito, não estará muito certo. A teoria sem a prática também pode vir a degenerar em snobismo, em intelectualismo sem sabedoria, em teorias desencarnados, em gente teórica, em ditadores que pensam e agem como se a ideia fosse superior à realidade. Ou teoria ou prática será, igualmente, mau princípio, pois, teoria e prática são complementares. As duas devem olhar-se olhos nos olhos, em diálogo permanente, como ensinam e fazem os bons mestres. A teoria desafia a prática, a prática estimula a teoria. É desta combinação equilibrada que se produzem bons frutos. Só ensina bem a teoria quem experimentou a sua prática, assim como, quem não conhece a teoria, mesmo que tenha uma panóplia de técnicas sofisticadas e habilidade sem fim, dificilmente ensinará bem o que se deve saber fazer. Até pode acontecer que, com pena de a não conhecer, assuma uma atitude igual à da raposa em relação às uvas: estão verdes! a teoria não me interessa!
Na pastoral, a prática mais prática também é uma boa teoria. Sem formação, a pastoral poderá ser qualquer coisa menos isso. E essa formação é humana, intelectual e espiritual, com tudo aquilo que cada dimensão dessas implica. É mais do que saber e saber fazer, é vida e paixão que convencem e geram empatia e proveito nos destinatários, ao ponto de os envolver com alegria e os tornar protagonistas da evangelização, por amor aos outros, em fidelidade a Cristo. Quando, ao longo dos tempos, se esquece, deturpa ou se adapta e deixa de viver o Evangelho, agindo, na prática, como dá na real gana, até se invoca Deus para discriminar, racial e religiosamente, para incitar ao ódio e à violência, para invadir, destruir, matar e fazer guerras, desprezando os outros. Jesus foi claro quando lhe perguntaram qual era o maior mandamento da Lei: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é igual a este: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 34-40). A palavra de Jesus foi sempre a mesma, amar a Deus e ao próximo como Ele nos amou. Ele não fez aceção de pessoas. A sua palavra foi e é para todos. Ir até aos confins do mundo para anunciar a Boa Nova foi o mandato que Ele deixou à sua Igreja. A Igreja está, vai e acolhe a todos e a todos anuncia o amor de Jesus por cada um, dizendo-lhes também que amor com amor se paga, o que implica fazer caminhada em direção a Ele, com Ele e a sua Igreja, pois nem tudo é igual a tudo. Todos, todos, todos não igual a tudo, tudo, tudo, como é evidente, foi por isso que o Filho de Deus encarnou e se entregou por nós.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 11-01-2024.