Por estes dias, não há trancas que fechem as portas de casa à força de tanta falação política, e bem. É que, se alguns são mais que conhecidos, outros têm de se mostrar, provar o que valem e dizer ao que vêm. Blablás, arengadas, meias-verdades e verdades inteiras a par com euforias, sorrisos, slogans, saudações calorosas, música, dança folclórica, estandartes e gritarias megafónicas também passam por essas ruas, praças e auditórios com ruído de fazer mossa. Certezas e incertezas, esperanças e dúvidas sobre promessas muitas, até lhe chegar com o dedo, pairam pelos ares, reiteradas muitas vezes e muito alto a dilatar as carótidas. Mentiras, acho que não, mesmo que alguém diga que eles só falam verdade quando dizem mal uns dos outros! Se nessas ocasiões falam verdade, isso não sei, mas que dizem mal uns dos outros lá isso é clarinho, e acho que não é bonito, nem político! Desculpando tais irritações menos felizes, parabéns para todos eles e que não desistam, discordemos ou concordemos com o que dizem ou defendem! Eles todos fazem sacudir o pó da vida e forçar o povo a saltar do sofá que entorpece para abraçar causas que o dignifiquem, o promovam e comprometam na construção do bem comum. É bonito de se ver e ouvir como tudo isso alimenta belos sonhos, projetos imensos a atiçar a vontade de arregaçar as mangas, meter a mão e o braço pela boca do mundo abaixo bem lá até ao fundo, pegar-lhe no rabo e virar o mundo do avesso! Mas…, que desencanto!… Que dor tão atroz!… Todo esse mar de sonhos e projetos se desmorona e vai ribanceira abaixo ao abrir as urnas da inumação dos votos. Grande perda para a humanidade! Dali, com infeliz surpresa, salta o odor da ingratidão do povo cuja generosidade não se fez contabilizar, mesmo quando todos pediam contas certas! No entanto, qual fénix renascida das cinzas, a todos resta a possibilidade heroica de virem manifestar grande força na fraqueza. Tendo perdido, virem dizer que, afinal, não perderam, ganharam, e por muito!… Por isso, caro leitor, mesmo que o seu voto seja um eterno perdedor, mantenha a esperança e não deixe de ir votar, participe.

Ora, no meio de tantas e tantas palavras, vamos celebrar o Dia da Palavra, este ano no dia 23 de janeiro. É o Dia da Palavra, duma Palavra que reclama silêncio interior e refinação dos ouvidos do coração. Da Palavra que veio para todos, mesmo para quem, por estes dias, tem de alimentar imensa verborreia a convencer os indecisos. No Dia da Palavra, é Deus que fala. E se fala para todos também fala aos homens do poder para lhes dizer que o poder que assumem é um poder delegado (cf. Jo 10-11). Um poder para servir e não para serem servidos (Mc 10, 35-45). Um poder cujo exercício requer conhecimento e capacidade de ouvir, ver e julgar bem, de saber discernir o melhor possível entre o bem e o mal para agir e governar o povo com a sabedoria de boa governança (cf. 1Rs 3, 5-15). A Palavra diz que é preciso dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César (cf. Mt 22, 21). Ora, se Deus também dá a César e ao povo o que precisam para cumprirem bem o seu dever e serem felizes, desde que lho peçam com humildade e confiança, também César, que não está acima, nem ao lado, nem fora, deve dar a Deus o que é de Deus e ao povo o que é do povo. Isto acontece tanto mais quanto mais se escutar a Palavra, o Verbo.

Esta Palavra “é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes”. Ela penetra, sonda os sentimentos e as intenções do coração (cf. Hb 4, 12). São Paulo, reconhecendo o valor da Palavra, pedia a Timóteo que se dedicasse à leitura, que se vigiasse a si próprio e ao seu ensinamento, que não descuidasse o dom da graça que estava em si e fosse perseverante (cf. 1Tim 4, 13-16). E mais lhe disse: “proclama a Palavra, insiste no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda a paciência e doutrina. Pois vai chegar o tempo em que já não se suportará a doutrina; pelo contrário, desejosos de ouvir novidades, os homens rodear-se-ão de mestres a seu bel-prazer. Desviarão os ouvidos da verdade orientando-os para as fábulas” (2Tim 4, 2-4). Dv13

O projeto de liberdade e vida que Deus tinha para tudo e todos, foi revelado aos homens através da Palavra. A sua Palavra acontece e faz acontecer, gera acontecimentos, concretiza esse grandioso projeto. Por isso, ouvir a sua Palavra e tornar-se seu aliado em favor da liberdade e vida para todos, manifesta inteligência e sabedoria da parte do homem. Assim lemos na Escritura: “Da mesma forma que a chuva e a neve, que caem do céu e não voltam para lá sem antes molharem a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar, a fim de produzir semente para o semeador e alimento para quem precisa de comer, assim acontece com a Palavra que sai da minha boca: ela não volta para Mim sem ter produzido o seu efeito, sem ter realizado o que Eu quero e sem ter cumprido com sucesso a missão para a qual Eu a mandei” (Is 55, 10-11).

E Santo Isidoro no século VII escreveu assim: “Quem deseja estar sempre com Deus, deve orar e ler frequentemente. Quando oramos, falamos nós com Deus; quando lemos, fala Deus connosco. Todo o nosso progresso vem da leitura e da meditação. O que ignoramos, aprendemo-lo com a leitura: o que aprendemos, conservamo-lo com a meditação. É dupla a vantagem que tiramos da leitura da Sagrada Escritura: ilumina-nos a inteligência e, subtraindo-nos às vaidades do mundo, leva-nos ao amor de Deus. Dupla deve ser também a preocupação com que devemos ler: primeiro, procurar compreender a Escritura; segundo, explicá-la para proveito do próximo com a devida dignidade. Naturalmente, só quem procura compreender o que leu estará apto para explicar o que aprendeu. O leitor diligente pensa mais em pôr em prática o que lê do que em adquirir a ciência. É menor desgraça desconhecer um ideal do que, tendo-o conhecido, não o atingir. Lemos para compreender o que é reto, e compreendemos para o pôr em prática. Ninguém pode descobrir o sentido da Escritura Sagrada se não a lê assiduamente, como está escrito: tem-na em grande estima e ela te exaltará; se a recebes, ela será a tua glória. Quanto mais assíduos formos na leitura da palavra divina, tanto melhor a compreenderemos, como a terra que tanto mais frutifica quanto melhor é cultivada. Há alguns que têm boa inteligência; mas são negligentes em ler os textos sagrados; o seu desinteresse mostra o desprezo por aquilo que a leitura lhes poderia ensinar. Há outros, porém, que desejam saber, mas têm pouca inteligência. Estes, com uma leitura assídua, conseguem aprender aquilo que os mais inteligentes, pela sua preguiça, nunca aprenderão. Assim como o menos inteligente consegue, pela sua aplicação, recolher o fruto do seu estudo diligente, assim também aquele que menospreza a inteligência que Deus lhe deu, se torna réu de condenação, porque despreza um dom recebido e o deixa sem fruto” (LH, 4 abril).

Estando a viver a Semana de Oração pela Unidas dos Cristãos, é o Verbo, é a Palavra de Deus que une os crentes na fé e faz deles um só povo. Por isso, todas as Igrejas cristãs, todas as paróquias, comunidades religiosas, grupos de jovens, famílias e fiéis estão convidados a participar nesta iniciativa, rezando, agindo e refletindo na experiência dos Magos que vieram do Oriente para honrar o Verbo Encarnado, Jesus Cristo, o Senhor. Hoje celebramos Santa Inês, uma mártir do século III-IV, que deu a vida pela Palavra de Deus. Hoje, para além daqueles que testemunham diariamente o seu amor à Palavra e a procuram pôr em prática, continuamos a ter o testemunho de muitos mártires da fé.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 21-01-2022.

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