Portalegre-Castelo Branco, 08-03-2019

Para cada mulher, uma linda flor a seu gosto, um obrigado e uma prece! E que a luta continue!…
Vivemos o dia, o primeiro dia de luto nacional pelas vítimas da violência doméstica que a todos envergonha e faz sofrer. Também no Parlamento se fez um minuto de silêncio e houve um voto de pesar pelas vítimas. E falou-se, falou-se com unanimidade, pedindo tolerância zero, respostas mais eficazes e cabais, mais medidas dos poderes públicos, mudança de cultura e muito mais se disse apontando para um futuro mais atento e exigente, sem que haja qualquer espécie de contemplação para com os agressores. Por outros lugares e instâncias também se falou e tomaram iniciativas várias. E bem, foi bom! 
A Comissão Nacional Justiça e Paz, na sua Nota do passado mês de fevereiro, referia que apesar de vivermos num Estado de Direito dotado de amplo quadro legal, apesar de o Estado dispor de instituições apetrechadas com recursos humanos capazes, apesar de vivermos numa sociedade com níveis de escolaridade sem paralelo, apesar de tantas vítimas e sofrimento, a tragédia persiste, insinuando que o quadro legal não é suficiente, que as instituições não funcionam articuladamente, que os conhecimentos e a informação não produz a necessária alteração de comportamentos. De facto, escreve a Comissão Nacional Justiça e Paz, de facto, não há “quadros legais perfeitos e as leis carecem sempre de ser melhoradas, mas têm que ser cumpridas. Não há políticas públicas suficientemente abrangentes, mas as que estão definidas têm que ser executadas e consolidadas. Não há sistemas completos, mas os que existem têm que funcionar de forma articulada e consistente. Não há responsabilidades exclusivas, mas responsabilidades partilhadas por todos os decisores numa imensa hierarquia das estruturas de intervenção. Mas também, na vivência concreta do dia-a-dia, há responsabilidades partilhadas por todos nós, cidadãos conscientes da sua pertença coletiva”.
A Igreja, na pessoa de cada membro e através das suas comunidades e estruturas, não pode deixar de dar o seu ombro, com coragem e determinação, na erradicação desta chaga social, sensibilizando, formando, denunciando e envolvendo-se na solução do problema. O Papa Francisco não se tem cansado de esconjurar a cultura da morte, desde o aborto à eutanásia, a cultura do descarte e da indiferença, da violência e da falta de amor que existe na sociedade. A falta desse amor que é o fundamento do respeito mútuo e da fraternidade universal que nos une e dignifica e, regra geral, se aprende em família. São João Paulo II, para além de muitas outras ocasiões em que se referiu à mulher, também nos deixou alguns documentos preciosos dos quais recordo a Carta Apostólica sobre a Dignidade da Mulher, de 15 de agosto de1988; a Carta que, em 29 de junho de 1995, “sob o signo da solidariedade e da gratidão”, dirigiu às mulheres uns meses antes da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, uma iniciativa das Nações Unidas aplaudida pelo Papa e para a qual se propôs oferecer a sua contribuição; o terceiro Documento que recordo é a sua Mensagem para o XXVIII Dia Mundial da Paz, em 1995, a que deu o título: "Mulher: Educadora de Paz". Todos estes documentos estão acessíveis na internet e vale a pena repescá-los para ler e refletir. Mas são incontáveis os pronunciamentos do Magistério da Igreja em tais assuntos.
Nestes documentos, a Igreja, pela voz de São João Paulo II, aborda os problemas e perspetivas da condição feminina, detendo-se sobretudo na dignidade e nos direitos das mulheres. Agradece a Deus e a cada mulher a sua vocação e missão e tudo quanto ela representa na vida da humanidade. Dá graças por toda a mulher e por aquilo que constitui “a eterna medida da sua dignidade feminina” e pelas grandes obras que, na história das gerações humanas, nela e por meio dela se realizaram. Mas também confessa que agradecer não basta. Reconhece que “somos herdeiros de uma história com imensos condicionalismos que, em todos os tempos e latitudes, tornaram difícil o caminho da mulher, ignorada na sua dignidade, deturpada nas suas prerrogativas, não raro marginalizada e, até mesmo, reduzida à escravidão”. Por isso, “é tempo de olhar, com a coragem da memória e o sincero reconhecimento das responsabilidades, a longa história da humanidade, para a qual as mulheres deram uma contribuição não inferior à dos homens, e a maior parte das vezes em condições muito mais desfavoráveis”. A humanidade tem “uma dívida incalculável” para com as mulheres e tem ainda muito a fazer para conseguir onde quer que seja “a igualdade efetiva dos direitos da pessoa: idêntica retribuição salarial por categoria de trabalho, tutela da mãe-trabalhadora, justa promoção na carreira, igualdade entre cônjuges no direito de família, o reconhecimento de tudo quanto está ligado aos direitos e aos deveres do cidadão num regime democrático”. Acreditando numa presença cada vez maior das mulheres na sociedade, manifesta a certeza de que elas continuarão a mostrar “as contradições de uma sociedade organizada sobre critérios de eficiência e produtividade” e obrigarão “a reformular os sistemas a bem dos processos de humanização que delineiam a «civilização do amor»”. Quando as mulheres têm “a possibilidade de transmitir plenamente os seus dons a toda a comunidade, fica positivamente transformada a própria modalidade como a sociedade é concebida e se organiza, conseguindo refletir melhor a unidade substancial da família humana”. O Papa, faz um “premente apelo a que, da parte de todos, particularmente dos Estados e das Instituições Internacionais, se faça o que for preciso para devolver à mulher o pleno respeito da sua dignidade e do seu papel”. E não deixa de manifestar a sua admiração “pelas mulheres de boa vontade que se dedicaram a defender a dignidade da condição feminina, através da conquista de direitos fundamentais sociais, económicos e políticos, e assumiram corajosamente tal iniciativa em épocas em que este seu empenho era considerado um ato de transgressão, um sinal de falta de feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez um pecado!”. Para chegar onde estamos, foi preciso percorrer «um caminho difícil e complexo” nem sempre isento de erros, “mas substancialmente positivo”. Urge continuar nesse trabalho, sabendo que “o segredo para percorrer diligentemente a estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa só pela denúncia, apesar de necessária, das discriminações e das injustiças, mas também, e sobretudo, por um eficaz e claro projeto de promoção, que englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de uma renovada e universal tomada de consciência da dignidade da mulher”.

Antonino Dias 

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