Se algum personagem ilustre, de trabalho reconhecido, tivesse sido convidado para um almoço de gratidão e homenagem, se aceitasse o convite, aparecesse no dia e à hora, tivesse o devido acolhimento e se sentasse à mesa para a refeição, mas, agora, ao servir a refeição se negasse a comer, com certeza que todos arregalariam os olhos a fazer perguntas. Que se passará? Encontrar-se-ia mal? Estará doente? Não gostará da comida? Querer-nos-á ofender? Queimou os fusíveis? Claro que isso não aconteceria, seria ridículo se acontecesse.

Essa é, no entanto, a figurinha que muitos de nós, os cristãos, fazemos. E não somos nós quem convida uma pessoa ilustre. É a Pessoa ilustre, o Filho de Deus, que, com o sacrifício da sua própria vida, veio propositadamente ao nosso encontro para nos convidar para a sua Ceia, sem outro interesse se não o de manifestar o seu amor por nós e desejar que nós estivéssemos com Ele. Somos felizes porque o Senhor se lembrou de nós: “Felizes os convidados para a Ceia do Senhor”. É certo que ‘todo o mundo está convidado, mas ainda o não sabe’. Se o encontro com Cristo provoca a urgência de testemunhar e evangelizar, “não podemos permitir-nos um momento de descanso, ao saber que ainda nem todos receberam o convite para esta Ceia ou sabendo que outros dele se esqueceram ou se perderam pelo caminho nas reviravoltas da vida humana”.

Nós aceitámos o convite, no dia e à hora comparecemos, somos acolhidos e criamos bom ambiente uns com os outros, sentamo-nos à volta da Mesa do Altar, coloca-se a comida sobre a mesa e não comemos. Porque será? Será porque estamos doentes? Talvez … ou talvez não. O doente físico, de facto, se está mesmo doente e não respeita a dieta, morre mais depressa. Mas ninguém gosta de estar doente. Ninguém, por descuido ou incúria, deseja agravar a doença. Ninguém anseia que a doença se torne crónica. Ora, se estamos espiritualmente doentes, isto é, em pecado grave, também temos de respeitar a dieta, para que a doença não se agrave, comungando. Mas será que nos sentimos bem assim, doentes, em pecado grave, tornando esta doença numa espécie de doença crónica? Será que rejeitamos a terapia necessária para podermos comer saudavelmente da Ceia do Senhor para a qual fomos amorosamente convidados e comparecemos?

Nas nossas comunidades é capaz de haver quem, sem ter impedimento de pecado grave, não participe da Ceia do Senhor por indiferença ou desconhecimento, por falta do real entendimento da importância deste Sacramento. Mas também pode haver quem, pelas mesmas razões, sem a devida preparação e até talvez em pecado grave, sempre que participa na eucarística apresenta-se à Comunhão. Ambas as situações merecem vigilância, não são boas. É verdade que o Senhor disse que se não comermos a sua carne e não bebermos o seu sangue, não teremos a vida em nós (cf. Jo 6, 53), mas também sabemos que quem come e bebe, sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação (cf. 1Cor 11, 27-29). E poderemos perguntar: Mas a Eucaristia, o pão da vida, não é um remédio para os pecadores? Sim é, de facto, a Eucaristia não é um prémio para os justos e santos. Tomada como deve ser, é um remédio sem igual para curar e transformar a dureza do coração e da mente em docilidade e misericórdia, a hipocrisia e a mentira em retidão e verdade, a duplicidade de caráter e o fingimento em coerência de vida, a exploração e a injustiça em respeito e fraternidade… A Eucaristia faz-nos assimilar o modo de viver de Cristo que passou pelo mundo fazendo o bem, fez-se nosso companheiro de viagem, respondeu ao mal com o bem, doou-se como alimento, fez-se preço na cruz para nos resgatar e foi-nos preparar um lugar porque quer que onde Ele estiver nós estejamos também. É remédio salutar, sim, é a grandeza de Deus na fragilidade de um pedaço de pão que se parte e dá, ensinando-nos a amar e a servir, a dar e partilhar também a nossa vida. No entanto, tal como há doenças físicas cujas pessoas, antes de iniciarem certa medicação, precisam de se sujeitar a uma cirurgia, assim também a receção conveniente da Eucaristia pode reclamar a necessidade da Reconciliação com Deus e com a Igreja, o traje apropriado. Para usufruir frutuosamente da riqueza eucarística, “dos valores que exprime, das atitudes que inspira e dos propósitos de vida que suscita”, a pessoa precisa de ouvir o apelo à conversão. Habituar-se, sentir-se no ‘direito’ de comungar e não fazer esforço por se converter pode ser desastroso no ser, estar e agir, no testemunho que se deve dar. Este Sagrado Banquete “é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções”.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 14-10-2022.

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