Muito se fala e escreve sobre a pobreza. Há organismos, gabinetes de estudos, debates, discursos, propósitos e promessas, a médio e a longo prazo, raramente para o hoje e o agora. Fala-se da pobreza, epidêmica e endêmica. Se não for apenas para encher o ego, é muito importante que se fale nisso e disso, mas não seria justo passar o tempo a falar da pobreza e esquecer o pobre. Para ele, cada dia que passa é uma eternidade! Embora os números não batam certo, estima-se que, de fome, morrem vinte e quatro mil pessoas por dia, cerca de nove milhões por ano. E não existe consenso sobre como resolver o problema. Uns, investem dinheiro, tempo e outros recursos, pensando que sim, que assim tudo será resolvido. Outros, dizem que isso não é suficiente, que é necessário combater as desigualdades económicas e sociais entre os países e dentro de cada país. Todos têm razão, tudo é importante e preciso. No entanto, os pobres continuarão a ser esquecidos ou explorados se tudo isso não passar de meras narrativas ideológicas, de interesses daninhos escondidos atrás de falsa meritocracia, se as políticas estiverem ao serviço de quem detém a riqueza e o poder, e, sobretudo, se faltar a conversão do coração. Certo será que o grande objetivo de erradicar a pobreza até 2030, está cada vez mais longe… A pobreza real continuará a ser um enorme protesto contra a injustiça social. É “o reumatismo agudíssimo da humanidade”, diria Camilo em proveito da patologia. Sentindo-nos irmãos, a pobreza de que falamos é, de facto, uma vergonha para quem a provoca ou a não quer ver e ajudar a resolver. 

Por estes dias, corria nas redes sociais a grande preocupação pelas mortes e pelo sofrimento que a covid-19 causa na vida da comunidade humana, e bem, as suas consequências são enormes. Para acabar com esse sofrimento, a comunidade científica e todos os países do mundo, deram as mãos, estão a fazer convergir todos os esforços para que, em menos de um ano, surja a tão esperada vacina. O vírus é novo, quase desconhecido, não tem fronteiras, já bate à porta do vizinho e à nossa. No entanto, se é uma tragédia, está prestes a ser resolvida, oxalá que sim, todos o pretendemos. Ao contrário, desde há muito que conhecemos o vírus que mata e faz sofrer milhões e milhões de pessoas. O vírus é universalmente conhecido: é a fome! A comunidade científica e todos os países conhecem a vacina eficaz: o alimento!… Esta vacina, segundo debates e estudos de vária ordem, não está esgotada nem fora de prazo. Esbarra, isso sim, com a crescente indiferença e o egoísmo de muita gente na rede da sua distribuição. Sabemos que nem tudo é fácil, mas os detentores e os responsáveis de a distribuir vivem de repentes, tantas vezes egocêntricos! Como não lhes toca, não dão as mãos para pôr cobro a tanta mortandade, que morram!… 

Apesar de as Nações Unidas terem proclamado o dia 17 de outubro como o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e seja de reconhecer que os níveis de pobreza tenham vindo a decrescer nas últimas décadas, o Papa Francisco, ao terminar o Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, sempre no penúltimo Domingo do fim do ano litúrgico. São dois dias complementares, não concorrentes nem ao despique. O dia instituído pelas Nações Unidas pretende sensibilizar para a necessidade de políticas públicas e universais que visem a erradicação das injustiças e das desigualdades sociais geradoras de pobreza e miséria. O Dia Mundial dos Pobres, sem deixar de alertar para o mesmo, foi sobretudo instituído “para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados”, reagindo “à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro”. Mas tudo isso sem deixar de dirigir o convite “a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade”.

Como afirma o Papa Francisco na sua Mensagem para este quarto dia Mundial dos Pobres, e à qual deu o título de «Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32), é verdade que “a Igreja não tem soluções globais a propor, mas oferece, com a graça de Cristo, o seu testemunho e gestos de partilha”. Lembra a todos o grande valor do bem comum e o direito de todos a viver com dignidade. E o facto de se “reconhecer que, no mundo imenso da pobreza, a nossa própria intervenção é limitada, frágil e insuficiente, leva a estender as mãos aos outros, para que a mútua colaboração possa alcançar o objetivo de maneira mais eficaz. Somos movidos pela fé e pelo imperativo da caridade, mas sabemos reconhecer outras formas de ajuda e solidariedade”, dialogando com humildade, colaborando sem protagonismos.

«Estende a tua mão ao pobre»! Francisco afirma que, “estender a mão é um sinal: um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor”. E, dizendo porquê, ele recorda tantas formas de pobreza e tantas mãos que, nestes tempos difíceis de pandemia, desafiam o “contágio e o medo, a fim de dar apoio e consolação”. Mas também denuncia “a atitude de quantos conservam as mãos nos bolsos e não se deixam comover pela pobreza, da qual frequentemente são cúmplices”. 

A Igreja, por um lado, valoriza a pobreza como opção de vida, ao jeito das bem-aventuranças ou da radicalidade evangélica, numa justa liberdade face aos bens materiais e traduzida em atitudes de vida. Por outro lado, recusa a miséria ou a pobreza imposta, que se pode traduzir na negação dos direitos fundamentais das pessoas, da sua participação na construção da sociedade, na recusa da igualdade de oportunidades ou da parte dos bens criados ou produzidos a que têm direito. É aqui que a Igreja, na fidelidade ao Espírito e à sua história de mais de dois mil anos, também se associa para fazer ecoar o grito dos que não têm voz. 

Perante este cenário da pobreza, cada um sabe bem onde lhe aperta o sapato. Se também a sofre na pele ou se está do lado do desperdício, do esbanjamento e da indiferença, pensando apenas em si. Se está do lado de quantos sofrem a pobreza e dá as mãos para que as situações se resolvam ou vive de mãos nos bolsos e a dizer que hoje não há pobres. Se é um forreta com graves sintomas de avarento e mão estendida apenas para receber ou sabe poupar e estender a mão para partilhar com o pobre e dar-se a si próprio.

Mesmo que não tenhamos voz nos grandes palcos das decisões mundiais, muito podemos fazer nas nossas próprias comunidades, desde que atentos e organizados, agindo, com amor e respeito, junto de crentes e não crentes, ajudando as pessoas a libertarem-se desse jugo e a investir na sua promoção cultural com o seu trabalho e o seu mérito. 

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 13-11-2020.

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