Anualmente, desde 1994, a 15 de maio e por iniciativa da Assembleia Geral da ONU, celebra-se o Dia Internacional da Família. Entre outros, tem como objetivo, dizem eles, ‘destacar a importância da família na estrutura do núcleo familiar e o seu relevo na base da educação infantil; reforçar a mensagem de união, amor, respeito e compreensão necessárias para o bom relacionamento de todos os elementos que compõem a família; chamar a atenção da população para a importância da família como núcleo vital da sociedade e para seus direitos e responsabilidades; sensibilizar e promover o conhecimento relacionado com as questões sociais, económicas e demográficas que afetam a família’.
Todos tiramos o chapéu a tanta gente, crente e não crente, que luta em defesa da vida, não fazendo mais porque, de facto, não pode. Outros, por dever do ofício, se, no princípio, mexem e remexem com entusiasmo, não insistem nem resistem, desistem, ficam-se pelas palavras que o vento leva com pressa de furacão. Porque o respeitinho é muito bonito, não o vou fazer, mas, acreditem, apetece-me mesmo escrever que bem prega frei Tomás, o qual diz mas não faz! Não vou escrevinhar isso, não, pois, mesmo que não se vá muito para além das afirmações, a preocupação, os propósitos e os discursos, de facto, soam bem à orelha, têm harmonia e ritmo de fazer bater o pé, podem ser acompanhados à guitarra se houver por perto unhas com mestria!
A vida vai-nos ensinando muita coisa. Até nos faz constatar que há muita gente preocupada com muita coisa, mas que nunca se ocupa com coisa alguma, quer porque não quer, quer porque pensa que não vale a pena, quer porque não pode, quer porque não sabe, quer porque não a deixam, quer porque não lhe ligam patavina, quer…quer!…
Aparentar, para inglês e português ver, que se está nos trinques e na moda, e fazer o contrário do que se diz e aparenta, esquecendo, conscientemente, a verdade que dignifica, promove, liberta e salva, também vai sendo, para outros, a melhor forma de levar a água ao moinho daquela ribeira onde se pretendem espraiar! Infelizmente, há muitas famílias cristãs que afinam por esse diapasão! Falta-lhes garra e entusiasmo sadio, falta-lhes o testemunho de vida, pessoal e familiar, um testemunho convincente que passe pela atenção constante, pela palavra certa em momento oportuno, pela alegria e coerência de vida, pelo compromisso e dinâmica em favor do bem comum. Não para que estejam contra o mundo, a abjurá-lo continuamente de cara avinagrada e musgo no coração, mas para que tenham a humildade e a força de viver contracorrente neste belo e multifacetado mundo em que nos é dado saber ser, saber estar, saber fazer, viver e conviver.
Partilho do que diz a ‘Amoris Laetitia’ sobre a família, uma tarefa artesanal e quotidiana, na qual, não raro, o desleixo em cuidar pode fazer com que a realidade se torne mesmo muito superior à ideia e descambe em ruína e sofrimento, para ela, para ele, sobretudo para os filhos. Também me parece que há um desequilíbrio muito grande entre a promoção dos direitos a exigir e a dos deveres a cumprir, duvidando até se haverá mesmo direitos a reivindicar sem correlação com os deveres a adotar.
Produz-se, partilha-se e aplica-se conhecimento em favor do desenvolvimento e do progresso (o que será isso?!…). Ensina-se e aprende-se muita coisa, tem-se um apurado sentido da liberdade, e bem. Mas burila-se pouco ou nada o coração humano, o ‘princípio unificador da pessoa’ (cf. Dn, 17…). Aquele princípio capaz de nos fornecer a sensatez necessária e o verdadeiro equilíbrio lá no bem alto da corda banda do circo da vida. O conhecimento adquire-se de fora para dentro, a educação, embora também seja influenciada a partir do exterior, só acontece tirando de dentro para fora, pois é no interior do homem, na sua consciência, que se dá a direção à vida, com sentido e valores. “É de dentro do coração da pessoa que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (Mc 7, 21-22).
Essas coisas, porém, são contas de outro rosário. Por isso, não vamos agora passá-las por entre os dedos, pois, como se diz e faz em Ponte de Lima, lá nas barbas do nado em Talarinho, Espanha, mui reverenciado e apaparicado como viandante, há que 'voltar à vaca das cordas', sem perder a memória e o tino. Assim, recordo que, em Portugal, a nível eclesial, usamos a semana que engloba o dia 15 de maio, para se falar, refletir e promover o respeito pela vida humana, pois o bem comum da família e da sociedade “pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral” (L si’, 157).
Porque são preocupantes as diversas formas de violação da vida humana, todas e cada uma das comunidades cristãs estão convidadas a aplicar o método do discernimento sinodal para que possam identificar as suas prioridades pastorais neste campo, com especial atenção à formação dos leigos e das famílias. Hoje, no âmbito dos valores, embora se abrace essa tentação, nada se pode pressupor como adquirido. Como denuncia a Declaração sobre a Dignidade Humana, as gravíssimas formas de violação da dignidade e da vida do ser humano – como o aborto, a eutanásia e o suicídio assistido, a inseminação artificial, a maternidade por substituição e todas as formas de violência e abuso, a guerra, as crianças e adolescentes-soldado, o terrorismo, a violência digital e a ideologia de género, o abandono dos pobres e migrantes, a rejeição de migrantes, a falta de segurança no local de trabalho, o descarte de idosos, a fome – são um “sinal eloquente de uma perigosíssima crise do senso moral, que se torna sempre mais incapaz de distinguir entre o bem e o mal (…). Diante de uma tão grave situação, é preciso mais que nunca ter a coragem de encarar a verdade e de chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos de comodidade ou à tentação do autoengano.” (cf. Dignitas infinita, 47).
Por isso, a Igreja, através do seu Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, no seguimento do sínodo último, fala-nos da urgência que há em iniciar processos de estruturação da pastoral sobre os múltiplos temas que hoje colocam em jogo o respeito pela dignidade da pessoa e da vida humana. São Paulo VI afirmava que “Nenhuma antropologia se iguala àquela da Igreja sobre a pessoa humana […] acerca da sua dignidade, do seu caráter intocável, da sua sacralidade, da sua educabilidade”. E o Papa Francisco por várias vezes renovou o convite para que, com a valentia da palavra e das ações, se anunciasse que “cada vida humana, única e irrepetível, vale por si mesma, constitui um valor inestimável”, não é um “acontecimento imprevisto do qual nos devemos defender, mas um mistério que esconde o segredo da verdadeira alegria”.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 14-05-2025.