Por toda a parte, os cristãos, nesta noite santa, celebram o nascimento do Salvador e cantam jubilosos “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”.

 

Quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas e a noite estava no meio do seu curso, a vossa Palavra omnipotente, Senhor, desceu do seu trono real» (Sab. 18,14-15).

Nesta Noite Santa, Deus quebra o silêncio do universo. Deus responde aos anseios da humanidade sedenta de liberdade e de paz. Deus faz-se pessoa e vem até nós na humildade da natureza humana realizar o eterno desígnio do seu amor e abrir-nos o caminho da salvação (cf. Pref. I Adv). É este recém-nascido Aquele “que os profetas anunciaram, a Virgem mãe esperou com inefável amor, João Baptista proclamou estar para vir e mostrou já presente no meio dos homens” (Pref. II Adv.). Invisível por sua natureza, tornou-se visível aos nossos olhos (Pref. II Natal), assumiu a nossa fragilidade humana, elevou-nos à dignidade imortal e tornou-nos participantes da vida eterna”. (Pref. III Natal).

Por toda a parte, os cristãos, nesta noite santa, celebram o nascimento do Salvador e cantam jubilosos “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”.

O Natal, porém, não é exclusivo dos cristãos. É festa de toda a comunidade humana mesmo que muitos possam viver de costas voltadas. Como escreveu S. Leão Magno, “a causa desta alegria é comum a todos, porque Nosso Senhor, aquele que destrói o pecado e a morte, não tendo encontrado ninguém isento de pecado, a todos veio libertar. Exulte o santo porque está próxima a vitória; rejubile o pecador, porque é convidado ao perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida”.

Por sua vez, Santo Agostinho escreveu que Deus “fez-se homem para que o homem se fizesse Deus. Assumiu a condição de servo para que o escravo se tornasse senhor. Morador do Céu, habitou na terra para que o homem, habitante da terra, pudesse encontrar morada nos céus”.

Este paradoxo da lógica de Deus, confunde sábios e poderosos e é entendido pelos simples e humildes.

Fixemo-nos no Evangelho. O Anjo disse aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2,12).

É, na verdade, um sinal pequeno e frágil. Quem diria que este menino, pobre de família, sem lugar na hospedaria e a nascer junto dos animais, era o sinal do poder e da misericórdia de Deus – o Deus mesmo! -, que se revela desta forma? Como é que, no tempo, os homens do poder e da sabedoria, que se julgavam intocáveis e donos da verdade, poderiam entender esse sinal se até estariam à espera que Deus se curvasse perante eles e lhes pedisse licença para vir ao que era seu, agir e manifestar o seu amor pela humanidade?!…

 Só as pessoas de coração humilde, como os pastores, são capazes de entender. Só eles são capazes de permanecer vigilantes, de perceber os sinais dos tempos e de entender a mensagem. Foi o que aconteceu. Os Pastores entenderam o sinal que era aquele menino. Contemplando o silêncio do presépio, aprenderam a tornar-se ricos n’Aquele que se fez pobre; aprenderam a buscar a liberdade, n’Aquele que assumiu a condição de servo; intuíram, no silêncio de si mesmos, o grande Dom de Deus à Humanidade.

E continua a ser este o sinal de Deus. “Passam os séculos e os milénios, mas o sinal permanece, e vale também para nós, homens e mulheres do terceiro milénio. É sinal de esperança para a inteira família humana; sinal de paz para os que sofrem por causa de todo género de conflito; sinal de libertação para os pobres e oprimidos; sinal de misericórdia para quem se encerra no círculo vicioso do pecado; sinal de amor e de consolação para quem se sente só e abandonado” (JPII, 24/12/2002).

Ao olharmos para o presépio, olhamos também para a Família de Nazaré e pensamos em todas as nossas famílias. Como gostaríamos que elas também olhassem para a família de Nazaré e, como ela, fossem espaço privilegiado de alegria e de paz, onde os filhos fossem acolhidos como dom de Deus e também crescessem em estatura, sabedoria e graça.

Como lemos na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Africae munus de Bento XVI, é, de facto, na família que “se cria o rosto de um povo; é nela que os seus membros adquirem os ensinamentos fundamentais. Nela aprendem a amar, enquanto são amados gratuitamente; aprendem o respeito por qualquer outra pessoa, enquanto são respeitados; aprendem a conhecer o rosto de Deus, enquanto recebem a sua primeira revelação de um pai e de uma mãe cheios de atenção. Sempre que falham estas experiências basilares, a sociedade no seu conjunto sofre violência e torna-se, por sua vez, geradora de muitas violências” (AM42).

Os jornais diários destes dias noticiavam que, em 2010, houve, em Portugal, 39.993 casamentos, sendo 44,2% de pessoas que já viviam juntas e 25,8% de segundos ou terceiros casamentos. Destes 39.993 casamentos, só 16.720 foram religiosos. E se os casamentos foram 39.993, os divórcios foram 27.903. A juntar a estes dados, sabemos que 41,3% das crianças nasceram fora do casamento. Muitas outras, atendendo ao número de divórcios, crescem ora com o pai, ora com a mãe. Na Europa, só a Bósnia tem um nível de natalidade mais baixo que o de Portugal. Um relatório da Direcção Geral de Saúde revela que, em 2010, se fizeram, em Portugal, mais de 19.400 abortos. Constituímos, assim, uma sociedade em que muitos não acreditam na vida, não acreditam no amor e na fidelidade, não acreditam na Família, não acreditam no futuro. E por quê? Porque ainda não conseguem celebrar, viver e entender o sentido do nascimento histórico do Senhor Jesus: acontecimento de amor e de reconciliação, de certeza e de esperança, de justiça e de paz, de alegria e de liberdade.

Como “santuário da vida” e primeira célula da sociedade, a família precisa de olhar o presépio e de se abrir à “Luz” que nele celebramos. Isto é, de se abrir à pessoa de Jesus Cristo.

Damos graças a Deus por aquelas famílias que, apesar das rápidas e profundas transformações sociais e culturais, conseguiram e conseguem viver esta situação na fidelidade aos valores que constituem o fundamento da instituição familiar. Pedimos ao Senhor por todas aquelas que caíram na incerteza e perturbação em face dos seus deveres, ou mesmo na dúvida ou quase ignorância do significado profundo e do valor da vida conjugal e familiar. E ainda por aquelas que vêem a realização dos seus direitos fundamentais entravada por diversos situações de injustiça. (cf. FC1).

Quando cada família festejar e viver verdadeiramente o Natal, será Natal na sociedade e para todos. Deixará de haver pessoas sem abrigo e sem pão, crianças proibidas de nascer ou sem lar, idosos abandonados ou famílias desfeitas, pessoas exploradas ou injustiçadas, lágrimas desesperadas e sofrimento sem sentido. A sociedade será mais próspera e solidária, constituindo uma família mais alargada e fraterna, a partir de Jesus, com Jesus, como Jesus.

Desejo a todos e a cada um um Santo e Feliz Natal. Que cada um de nós, como discípulo de Jesus, tudo faça para que Ele seja mais conhecido e amado e o mundo seja mais justo e humano, isto é, mais cristão.

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