Neste ‘Jardim da Europa à beira-mar plantado’, usando o verso de Tomás Ribeiro, “Aqui… onde a terra se acaba e o mar começa”, como Camões escreveu e Francisco citou, Lisboa, sem medo dos adamastores, ultrapassou o cabo das tormentas e tornou-se o cabo da boa esperança. O palco não caiu, não senhor: graças a Deus e aos homens de boa e má vontade! Aos governantes, às forças policiais, às organizações nacional e diocesanas, a todos os envolvidos por este Portugal abaixo e acima, à multidão de voluntários, a todos tiramos o nosso chapéu. Não só pelo sentimento de segurança que em todos geraram, mas também por se terem envolvido na alegria desta festa sem igual, diferente. Uma festa mal dormida e cansativa, é verdade, mas Festa! Festa cristã, concorrida e centralizada em Cristo e nas pessoas: com divertimento, cultura, partilha, silêncio, reflexão, oração, purificação, celebração e testemunho profético: Festa é Festa!

Lisboa foi a capital da Europa e do mundo, a capital da alegria, da fraternidade e da paz em movimento, a capital da fé, da esperança e da caridade, da juventude e do futuro, da ecologia integral, da amizade social, da misericórdia! Já em Roma, o Papa referiu que “enquanto em certos salões escondidos se planeia a guerra”, a JMJ “mostrou a todos que outro mundo é possível: um mundo de irmãos e irmãs, onde as bandeiras de todos os povos flutuam juntas, lado a lado, sem ódio, sem medo, sem fechamentos, sem armas!”

Surfando na grandiosa onda de juventude, o Papa, de pé e firme na prancha, foi o primeiro surfista de qualidade e eficácia, apaixonado pela modalidade. Da crista da onda à base, teve e combinou manobras inovadoras. Entrou no tubo da onda, surfou com força, velocidade e fluidez. Não submergiu no meio do turbilhão da onda nem fez discursos a lembrar a espada de D. Afonso Henriques que é longa e chata, como dizia não sei quem! Devido à sua competência e lugar no pódio, mesmo sem prestar atenção às lesões da idade, já tem agendadas novas competições no circuito mundial deste desporto do bem fazer e fazer bem. A próxima é na Mongólia, de 31 de agosto a 4 de setembro. Atingindo a todos com a sua arte de dizer, gerou empatia, tocou, envolveu crentes e não crentes, disse e voltou a dizer. Com entusiasmo e insistência, desafiou os jovens e todas as pessoas de boa vontade a serem surfistas do amor, a terem a coragem de substituir os medos pelos sonhos, a que não fossem meros administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

Foi bonito de se ver e viver! Gente de cara lavada e feliz, traquina e fraterna, inquieta e peregrina em busca de sentido para a vida, não andou “pelas ruas a gritar a sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho, a esperança da vida”. De alegria incontida e contagiosa, fizeram ecoar por todos os cantos deste país a beleza de ser cristão com o “desejo de criar coisas novas, fazer-se ao largo e navegar juntos rumo ao futuro”. O ponto de apoio para esta feliz aventura na vida, é saber que somos preciosos aos olhos de Deus, que Ele nos ama e chama pelo nome, que diante d’Ele ninguém é um número, ninguém é fabrico em série. Tal como é, cada um é único, “é um rosto, é uma cara, é um coração”.

E este Deus que a todos ama, saiu de si mesmo e veio ao nosso encontro para caminhar connosco. Fez-se homem em tudo igual a nós, exceto no pecado, amou-nos até fim, caminha connosco e por nós, por amor. “A Cruz é o sentido maior do maior amor, daquele amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida … quando contemplamos o Crucificado, naquela condição tão dolorosa, tão dura, vemos a beleza do Amor que dá a sua vida por cada um de nós”.

Aos que creem em Cristo, decidiu Deus chamá-los à sua Igreja, a qual, prefigurada desde o princípio, admiravelmente preparada ao longo dos tempos, constituída por Jesus e manifestada em dia do Pentecostes, há de ser gloriosamente consumada no fim dos séculos (cf. LG2). Esta Igreja é a “comunidade dos que são chamados”, dos ‘que procuram fazer juntos o bem, agir no concreto e estar próximo dos mais frágeis’. Nela não há portas, há lugar para todos, ninguém está a mais, ninguém sobra. É verdade que “não somos a comunidade dos melhores, não! Somos todos pecadores, mas somos chamados assim como somos”. Somos uma comunidade em dinamismos de crescimento, em treino permanente, uma comunidade que se encaminha para uma meta, atenta a cada um e aberta à esperança, onde se rejeitam os olhares de sobranceria, os olhares de cima para baixo, os olhares de quem se sente no direito de julgar os outros. “Reparai – disse o Papa -, quando alguém tem de levantar ou ajudar uma pessoa a levantar-se, que gesto faz? Olha-a de cima para baixo. Trata-se da única ocasião, do único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo: quando queremos ajudá-la a levantar-se. Quantas vezes vemos pessoas que nos olham sobranceiras, por cima do ombro, de cima para baixo! É triste.”

Com mestria, Francisco virou o bico ao prego! Voltou para cada um de nós as primeiras perguntas que Deus fez ao homem. Como sabemos, Adão cedeu à tentação de rejeitar o estatuto de criatura e de querer ocupar o lugar de Deus. Logo sentiu ‘os passos’ de Deus na sua consciência, teve vergonha e medo, foi-se esconder. Deus, porém, chama-o pelo nome: Adão, «Onde estás?» (Gn3, 9). Caim, por seu lado, em vez de acolher, proteger e se alegrar com o êxito do seu irmão, tornou-se egoísta, matou o irmão. Deus chama-o pelo nome: Caim, «Onde está o teu irmão Abel?» (4, 9).

Neste momento agitado pelos ventos da história, o Papa, olhando “com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza”, também lhe perguntou: “para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?” E ainda: “Que rota estás a seguir, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social”. E acentuou: “Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas; uma Europa que inclua povos e pessoas com a sua própria cultura, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas. E isto ajudar-nos-á a pensar nos sonhos dos pais fundadores da União Europeia: eles sonhavam em grande! (…) Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios? Para onde navegais? Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar? Penso em tantas leis sofisticadas sobre a eutanásia!”.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 11-08-2023.

 

 

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